O Brasil estava “à beira do socialismo” nos governos Lula (com o ex-presidente do BankBoston, Henrique Meirelles, no Banco Central), Dilma (com o Levy de ministro da Fazenda) e Temer (com o mesmo Meirelles de Lula, e do BankBoston, agora no Ministério da Fazenda).
Foi isso o que disse Bolsonaro na ONU.
Desde que Oswaldo Aranha, em 1947, iniciou a tradição do Brasil abrir a Assembleia Geral da ONU, foi a primeira vez que um completo imbecil falou em nome do nosso país.
Um papelão – e uma vergonha para nós, infelizmente.
Bem entendido, não estamos subestimando o reacionarismo do discurso de Bolsonaro. Apenas, é preciso ser imbecil para ser tão reacionário (v. HP 24/09/2019, Bolsonaro diz na ONU que queimadas e desmatamento são “mentiras da mídia”).
Alguém na mídia – na mídia conservadora – disse que Bolsonaro se portou como um pastiche de Trump. Não deixa de ser verdade. Mas é forçoso reconhecer que Trump não é tão burro. Bolsonaro é, portanto, um pastiche emburrecido de Trump. Mas isso não é uma novidade (v. HP 01/08/2019, “Estou cada vez mais apaixonado pelo Trump”, revela Bolsonaro).
Bolsonaro quer, abertamente e sem pudor, entregar as riquezas naturais das reservas indígenas aos monopólios e cartéis norte-americanos. Não é uma conclusão nem uma ilação. Ele mesmo disse isso (v. HP 29/07/2019, Bolsonaro quer filho embaixador nos EUA para entregar ‘minérios das terras indígenas’).
Para tal, é necessário acabar com as reservas – ou invadi-las, ao modo de Custer e outros heróis ianques, hoje escoiceando nos reinados de Belzebu.
Deve ser por isso que, na ONU, Bolsonaro disse que a Amazônia não deve ser “patrimônio da humanidade”: porque acha que ela deve ser patrimônio dos americanos.
Aliás, para acreditar no nacionalismo de Bolsonaro é preciso ser mais imbecil do que ele – o que, provavelmente, é impossível.
Não é Macron, evidentemente, que coloca em risco a nossa soberania sobre a Amazônia, mas Bolsonaro.
Tanto é assim que seu grande exemplo de defensor da soberania do Brasil sobre a Amazônia é um cidadão de nome Donald Trump: “Agradeço (…) em especial, ao Presidente Donald Trump, que bem sintetizou o espírito que deve reinar entre os países da ONU: respeito à liberdade e à soberania de cada um de nós”.
Destacando e repetindo: esse agradecimento a Trump foi pela suposta defesa deste da soberania do Brasil sobre a Amazônia.
Portanto, a melhor maneira de garantir essa soberania, certamente, é entregando a Amazônia para os americanos – melhor dizendo, para os cúmplices de Trump, esse campeão da soberania nacional do Brasil…
Fora isso, o discurso de Bolsonaro rastejou naquele baixo-nível costumeiro, com aquelas mesquinharias que seriam impróprias em arenga de gerente de bordel.
Por exemplo, os comunistas já não comem criancinhas, como na década de 50 ou 60 do século passado diziam os Bolsonaros da época. Agora, “tentam ainda destruir a inocência de nossas crianças, pervertendo até mesmo sua identidade mais básica e elementar, a biológica“.
Convenhamos que o almirante Pena Boto, e outros propagandistas do banquete comunista das criancinhas, eram menos pervertidos que esse seu sucessor. Que fantasias horrendas essa gente não é capaz?
Porém, a coisa mais ridícula foi o caso da “índia de direita”.
Quem disse isso foi a própria (mais exatamente: “sou indígena de direita”).
Mas quem é essa figura, que Bolsonaro levou para a ONU e que citou em seu discurso?
Uma certa Ysany Kalapalo.
Quem é essa Ysany Kalapalo?
Trata-se do Hélio Negão dos indígenas.
Ou seja, existe apenas para mostrar – ou tentar mostrar – que Bolsonaro ama os índios, assim como o deputado Hélio Negão é a prova de que ele ama os negros.
Como são únicos, acabam sendo a prova do contrário.
Mas, pelo menos, o Hélio costuma ficar calado. Já a senhorita Kalapalo fala pelos cotovelos.
Ysany era apoiadora de Dilma Rousseff. Em 2013, apareceu no X Seminário LGBT do Congresso Nacional, a convite do então deputado Jean Wyllys, para fazer uma declaração: “O que eu vou falar hoje é da luta dos povos indígenas, que também se compara muito à luta dos homossexuais” – e desceu a lenha na homofobia e nas igrejas neopentecostais.
Parece que, após esses acontecimentos, foi convertida (ao bolsonarismo, pelo menos) por obra da atual ministra Damares, aquela que roubou uma criança de uma aldeia indígena e até hoje não devolveu (v. v. HP 31/01/2019, Índios relatam que filha “adotiva” de Damares foi sequestrada de tribo).
Depois de um encontro com Bolsonaro em 2018, impressionada com seus argumentos, ela se tornou uma defensora da sua política indígena – que consiste, precisamente, em acabar com as reservas indígenas, quiçá, com os índios.
Qual é a lógica disso? Aquela que faz de alguém um aspirante a proprietário de um pedaço da terra que é de todos – pois as reservas equivalem a uma espécie de propriedade comunal sobre a terra.
Não é a primeira vez que isso acontece no mundo. Também não seria a primeira vez que a ilusão da propriedade se sobrepõe à realidade – pois muito poucos, se isso algum dia isso acontecer, seriam contemplados com um pedaço das reservas, talvez nenhum.
Porém, no momento, a senhorita Ysany Kalapalo defende toda a política etnocida de Bolsonaro, com alguns requintes, quer dizer, contribuições. Por exemplo, ela esclareceu que os responsáveis pelas queimadas na Amazônia são… os índios. Veja só o leitor:
“Existe muito fake news dizendo sobre as queimadas. Estão dizendo que é culpa do governo Bolsonaro, que ele entrou e está queimando todo o Xingu. Não existe isso daí. A nossa cultura é fazer roça pra plantar mandioca e pra plantar outras coisas. Isso faz parte da nossa cultura, não é porque entrou um novo governo e ele tá queimando tudo. Nessa época de ano, essa época quente, sempre houve queimadas pra queimar roça. Isso faz parte, é normal”.
Bem, leitor, se você é como São Tomé, que queria ver para crer, eis o vídeo:
O que representa a senhorita Ysany Kalapalo na comunidade indígena?
A mesma coisa que o Hélio Negão representa na comunidade negra.
Nada – para ser educado, pois é evidente que a resposta mais precisa não é essa.
Mas isso, nós deixamos para as lideranças indígenas. A nota abaixo, publicada antes do vexame de Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, é o repúdio dessas lideranças à presença dessa senhorita na delegação. A primeira assinatura é a do Cacique da etnia da qual faz parte a senhorita em questão:
CARTA DE REPÚDIO
CONTRA REPRESENTAÇÃO INDÍGENA NA DELEGAÇÃO DO GOVERNO BRASILEIRO NA ONU
Nós representantes maiores dos 16 povos indígenas habitantes do Território Indígena do Xingu (Aweti, Matipu, Mehinako, Kamaiurá, Kulkuro, Kisedje, Ikpeng, Yudjá, Kawalweté, Kalapalo, Narovuto, Waurá, Yawalapiti, Trumai, Nafukué e Tapayuna), viemos diante da sociedade brasileira repudiar a intenção do Governo Brasileiro de incluir a indígena Ysani Kalapalo na delegação oficial do Brasil que participará da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU que será realizada na cidade de Nova Iorque no próximo dia 23 de setembro de 2019.
O governo brasileiro mais uma vez demonstra com essa atitude o desrespeito com os povos e lideranças indígenas renomados do Xingu e outras lideranças a nível nacional, desrespeitando a autonomia própria das organizações dos povos indígenas de decisão e indicação de seus representantes em eventos nacionais e internacionais.
O governo brasileiro ofende as lideranças indígenas do Xingu e do Brasil ao dar destaque a uma indígena que vem atuando constantemente em redes sociais com objetivo único de ofender e desmoralizar as lideranças e o movimento indígena do Brasil.
Os 16 povos indígenas do Território Indígena do Xingu através de seus caciques reafirmam seu direito de autonomia de decisão através de seu próprio sistema de governança composto por todos os principais caciques dos povos xinguanos.
O governo brasileiro não se contentando com os ataques aos povos indígenas do Brasil, agora quer legitimar sua política anti-indígena usando uma figura indígena simpatizante de suas ideologias radicais com a intenção de convencer a comunidade internacional de sua política colonialista e etnocida.
Não aceitamos e nunca aceitaremos que o governo brasileiro indique por conta própria nossa representação indígena sem nos consultar através de nossas organizações e lideranças reconhecidos e respaldados por nós.
Atestam esta carta:
Tafukuma Kalapalo – Cacique do Povo Kalapalo
Aritana Yawalapiti – Cacique do Povo Yawalapiti
Afukaká Kuikuro – Cacique do Povo Kuikuro
Kotok Kamaiurá – Cacique do Povo Kamaiurá
Atakaho waurá – Cacique do povo Wauja
Tirefé Nafukuá – Cacique do Povo Nafukua
Arifira Matipu – Cacique do Povo Matipu
Awajatu Aweti – Cacique do Povo Aweti
Mayukuti Mehinako – Cacique do Povo Mehinako
Kowo Trumai – Cacique do Povo Trumai
Melobo Ikpeng – Cacique do Povo Ikpeng
Kuiussi Suya – Cacique do Povo Kisedje
Sadeá Yudjá – Cacique do Povo Yudja
Mairawe Kaiabi – Cacique do Povo Kawaiwete
Associação Terra Indígena Xingu – ATIX (A Associação Terra Indígena Xingu representa os 16 povos indígenas que vivem no Território Indígena do Xingu: Aweti, Ikpeng, Kalapalo, Kamaiurá, Kawaiweté, Kisêdjê, Kuikuro, Matipu, Mehinako, Nahukuá, Naruvotu, Tapayuna, Trumai, Wauja, Yawalapiti, Yudja).
C.L.