Homenagem aos 14 anos de sua morte em 21 de junho de 2014
EDUARDO COSTA*
O desastre completo do Governo do Estado do Rio de Janeiro, tanto político como administrativo, torna-se estridente, ensurdecedor, a ponto de não haver concretamente ninguém a dizer alguma coisa sobre o que fazer desse monstro entorpecido.
Tudo isso, envolto a um governo federal ilegítimo e antinacional, destruindo bases políticas, econômicas e administrativas acumuladas durante décadas de história do Brasil, sem contudo esquecer que a arbitrária liquidação do Banerj seria o primeiro passo para inviabilizar soluções financeiras inovativas no âmbito dos estados, desde o ex-ditoso Governo Sarney e seus associados.
Ademais, nunca esteve tão clara a desorientação e subordinação do poder judiciário à sua própria pauta de soluções constrangedoras para a democracia, tão pontuais quanto equivocadas. Com suas vaidades e interesses revelados, não se envergonham de retirar do cenário eleitoral o candidato mais popular do país, e de rejeitarem a impressão do voto, apesar dos achados da Comissão de Peritos Criminais Nacionais, levadas ao Supremo recentemente, que nossa urna eletrônica é sim violável e permite fraudes a partir dos próprios detentores dos códigos, esses sim, sem controle de qualquer espécie.
Nesse descalabro geral, estamos já cansados de ouvir: – que falta faz o Brizola!
Mas se a presença de Brizola é hoje mais reclamada por sua autoridade moral e política, menos se fala do papel educativo que exerceu para apontar o rumo das administrações de governo na redemocratização do país.
Ou seja, considero que os Governos de Brizola no Rio de Janeiro foram uma original “Escola de Governo” – de um governo popular e democrático, fundamental depois de duas décadas de autoritarismo.
Brizola brincava em entrevistas que ele não tinha programa de governo ou não dizia como faria o que pretendia, quando a Globo o assediava para provar a inviabilidade de suas propostas – “os recursos estão na cabeça do administrador!” – ou simplesmente dizia que programas em eleições podem ser pedidos por correspondência ao ministro Hélio Beltrão.
Mas o impressionante seria se listássemos o que fez paralelamente à área educacional, à qual toda a população foi testemunha de seu compromisso nas eleições de 1982. “A educação pública é da natureza do trabalhismo.” Não é fácil, pois, desmentir que o governo Brizola “só fez escola”.
Quem no Rio de Janeiro não vibrou quando viu helicópteros transportando caixas d’água para as favelas – para colocá-las no topo dos morros? Ações como essa, além do programa de controle de doenças, particularmente a paulada que demos no sarampo, e o envolvimento comunitário nas ações e outras medidas (hidratação oral, vacinações, programa de suplementação alimentar, amamentação materna – essa teve até decreto que dava seis meses de licença pós-parto se a mãe amamentasse) permitiu diminuir a mortalidade infantil em 25% em três anos, quando pela primeira vez subia no Brasil.
Quando agricultores sem terra da baixada intimados a deixar suas plantações trouxeram uma batata com pelo menos cinco quilos para mostrar como trabalhavam bem, mandou preparar o decreto de desapropriação da área; pronto no dia seguinte, com os trabalhadores acampados no terreno do palácio, assinaria o mesmo colocando sua assinatura sobre o documento que assentara sobre aquela batata!
No início de 1984, organizei um grupo de trabalho para traçar um programa de “Verão” para a Secretaria de Saúde, em virtude do deslocamento de dois milhões de habitantes para a região dos lagos e suas consequências para a saúde. Levei-o a ele incluindo o projeto para quatro ambulâncias com capacidade de funcionar como teatro cirúrgico de emergência e um helicóptero de resgate (anos antes de qualquer empresa privada ou pública de saúde no Brasil) que sugeria que a Defesa Civil os operasse. Ele examinou e disse “quatro não Eduardo! Porque não 60?”. Pediu para eu discutir com o Planejamento. As primeiras postas em funcionamento foram 19 e o helicóptero. Revolucionamos assim o atendimento público, a partir daquela nossa boa memória trabalhista atualizada do que era o SAMDU, público e universal!
Numa manhã me chamou cedo pelo telefone vermelho porque vira na capa do JB e do O Globo, uma nota pequena que noticiava que o Secretário de Saúde havia assinado uma portaria que proibia a comercialização de sangue no Estado (eu o fizera já no fim do expediente ao saber da vistoria feita pelas equipes da Secretaria). Para fortalecê-la encaminhou pela liderança do PDT um projeto de lei que referendava a portaria. Como ele dizia, era um bom exemplo do processo civilizatório que o Brasil precisava. Depois, virou lei federal.
Uma memória bem interessante foi a que ocorreu no dia que Tancredo, Ulysses, Montoro e muitos vieram para um jantar com o Governador no Rio, para selar os entendimentos sobre as eleições indiretas, já que as Diretas Já não tinham passado.
Ao me preparar para sair da Secretaria para o evento, recebi uma ligação do Capitão dos Portos: havia um pedido de autorização de uma embarcação para atracar e desembarcar toneladas do popular gás de Bhopal (produto da Dow Chemical causador do desastre na cidade indiana com esse nome). Disse que não autorizasse, com o que ele concordava, mas ele pedia um decreto específico do Governo do Estado.
Já pelas 22:30 horas, decreto pronto para publicar, fui para o Glória direto à mesa principal, onde Tancredo sentava a um lado de Brizola e Montoro ao outro. Cheguei ao seu ouvido e expliquei o assunto. Brizola conversou com os dois e disse que era uma medida importante e urgente, pediu para eu os explicar. Assinou e conseguimos que esse navio que tentara deixar em barcas a mercadoria, as reembarcasse. Tentaria, depois, descarregá-la em São Paulo, mas Montoro repetiu a medida. Acabou voltando para os Estados Unidos onde a população impediu que desembarcasse lá também!
No segundo governo, 91-94, trabalhei com o então deputado federal Luis Salomão na Secretaria, que, de maneira extremamente inovadora, foi criada pela fusão de duas outras: a Secretaria de Indústria, Comércio, Ciência e Tecnologia. Institucionalmente, antes de qualquer Lei da Inovação, que afinal foi discutida no Brasil só depois de aprovada na França em 1995, sendo aprovada em 2004, colocávamos a ciência a discutir com a indústria.
O resultado final da gestão econômica do segundo governo Brizola parece ter passado desapercebido a quem não queria ver. Para tanto, articulamos para reativar as compras da Petrobras nos estaleiros do Estado e exercemos pressão política para que derivasse o gás da bacia de Campos para as indústrias do Rio de Janeiro e não, simplesmente, manter a passagem do gás para São Paulo no nosso território. O programa “Rio Paraíso” da micro e pequena empresa abria as necessidades de grandes empresas estatais para que as iniciativas tecnológicas e pequenos produtores resolvessem seus problemas no estado ao invés de comprar em licitações internacionais. Tudo ao contrário das receitas neoliberais que prevaleceram depois de Brizola.
O Governo acusado pelos “modernos” de jurássico, pois lutou contra as patentes de alimentos e medicamentos no formato proposto pelos Governos Collor-FHC, cresceu seu PIB no quinquênio 91/95 a uma taxa de 5%, enquanto o país, como um todo, crescera 2,5%, o mesmo que São Paulo.
Como não registrar que as obras públicas não produziam os escândalos e atrasos conhecidos, a exemplo da Passarela do Samba e a linha Vermelha, realizada em tempo recorde, entregue antes do prazo, e com custo menor do que o aprovado graças ao tipo de gerenciamento que ele mesmo construira. E, mais, recusando que o pagamento do empréstimo se fizesse com pedágio, mas cobrando um valor ínfimo de taxas a viajantes aéreos.
Para tudo isso Brizola soube escolher seus vices: Darcy Ribeiro e Nilo Batista, a ambos deu a direção de secretarias estaduais. Seu secretariado, que na Secretaria de Governo tinha o experiente Cibilis Viana, era em média 20 anos mais jovem do que ele! O que aprendemos está hoje disperso por aí, todos os partidos quiseram absorver quadros do PDT e isso foi facilitado após sua morte, pela “mosca azul” e pela desorientação do partido que nos legou.
* Secretário de Saúde de Brizola.