Traduzimos a matéria da jornalista Elena Llorente, com o relato da situação dos imigrantes que as organizações de resgate estão salvando nas águas mediterrâneas, mas que permanecem em situação dramática nos seus barcos, uma vez que as autoridades europeias, em especial as italianas, não autorizam o desembarque. A matéria foi publicada originalmente, com o título “Uma nave espanhola desafia Salvini pelos imigrantes”, no portal Página 12 no dia 5
N.B.
ELENA LLORENTE
Enquanto o ministro do Interior, Matteo Salvini, em roupas de banho e peito descoberto se faz fotografar em uma praia no norte de Itália com garotas de biquíni e todos os que quiserem tirar uma selfie com ele, os 121 imigrantes salvos na semana passada no Mediterrâneo pela nave espanhola Open Arms (de uma organização humanitária catalã), seguem esperando que o ministro lhes dê o ok para desembarcar. Salvini já disse que não lhes permitirá descer em terras italianas, tal como vem fazendo há meses com todas as naves de organizações de solidariedade que salvam migrantes no mar. É assim que fez recentemente também com os 40 migrantes salvos pelo barco alemão Alan Kurdi. Estes, finalmente, hoje puderam desembarcar na ilha de Malta, depois que o governo do primeiro-ministro Joseph Muscat deu o visto.
Acerca da nave alemã, Salvini havia comentado furioso: “Me enviaram um email que vem da Comissão Europeia no qual há uma extorsão da parte do governo alemão que havia se comprometido a receber 30 imigrantes – de um total de 115 – salvos pela nave Gregoretti da Guarda Costeira Italiana. Agora dizem que os receberão se nós fizermos desembarcar os 40 da Alan Kurdi”.
“Se entrarem em águas territoriais italianas sequestraremos a nave. Basta, já me deixaram farto. As naves serão sequestradas e subiremos a bordo”, concluiu Salvini. O ministro italiano pretende que os demais países europeus se encarreguem dos migrantes e não a Itália. Mas não foi necessária a intervenção italiana no caso de Alan Kurdi, como, de forma diferente sucedeu há alguns dias com a outra nave alemã, Sea Watch 3 e sua valente capitã Carola Rackete, porque Malta deu um passo adiante se encarregando da Alan Kurdi.
Ainda está pendente, no entanto, o caso da Open Arms. Entre os 121 resgatados pela nave espanhola em duas ações – a primeira de 52 pessoas e a segunda de 69 – havia 16 mulheres e duas crianças, duas das mulheres grávidas nos oitavo e nono mês. Todos são provenientes da Líbia ainda que seus países de origem sejam majoritariamente subsaarianos. A Open Arms está navegando ainda entre a ilha italiana de Lampedusa e Malta. “É urgente e prioritário que se tenha um porto seguro”, escreveu em tuíte a organização catalã, sublinhando que os imigrantes a bordo “estão destruídos”, porque muitos deles passaram vários meses nos centros de detenção da Líbia e aí sofreram violências de todo tipo, inclusive estupros.
Alguns jovens nigerianos haviam contado que depois de haver escapado das violências do Boko Haram (grupo terrorista e extremista que mata e sequestra sem limites) foram obrigados a trabalhar de graça na Líbia. Várias fontes jornalísticas têm divulgado a existência de um verdadeiro mercado de escravos na Líbia, coisa que agora se avalia que piorou devido à guerra interna existente entre os dois governos, o de Trípoli -reconhecido pela ONU – e o de Tobruk. A Líbia, principal centro de tráfico de imigrantes até há alguns meses, agora se viu obrigada a liberar muitos deles mantidos em centros de detenção por causa dos bombardeios. E por isso estão chegando mais ainda na Europa. E se bem que alguns embarcam em dezenas de barcos infláveis fornecidos pelos traficantes, outros usam barcaças pequenas e chegam em número limitado às costas italianas, onde podem, já que a Itália é o país mais próximo à Líbia.
Em que pese o forte e contundente NÃO de Salvini, as duas mulheres grávidas do barco da Open Arms foram desembarcadas por um barco da Guarda Costeira italiana. “Se trata de uma mulher de 32 anos da Costa do Marfim, que já passou do nono mês de gravidez e tinha hérnia abdominal –explicou a chefe da missão da organização catalã, Anabel Montes Mier. Depois de uma ecografia vimos que o feto não estava em posição correta. A outra mulher, de 22 anos, da Nigéria, também tinha problemas com o feto e havia passado do oitavo mês”. Esta última mulher, que desembarcou com a irmã, contou que havia sido estuprada, que sofreu torturas e viu como matavam seu marido.
“Continuamos fazendo o que devemos fazer: seguir sendo humanos”, escreveu Anabel Montes Mier, da Open Arms.
Mas as naves Open Arms e Alan Kurdi não são as únicas que andam navegando pelo Mediterrâneo com a intenção de ajudar os refugiados. A Mare Jonio, da organização humanitária italiana Mediterranea Saving Humans, foi liberada por ordem da justiça e logo voltará a navegar. Também o navio norueguês Ocean Vikings das organizações SOS Mediterránee e Médicos sem Fronteiras se prepara para zarpar do porto francês de Marselha. Segue, no entanto, sequestrado o navio alemão Sea Watch 3. A capitã Carola Rackete, da qual se espera que logo possa voltar a navegar já que ela foi colocada em liberdade em que pese haver desafiado com seu comportamento a favor dos imigrantes o NÃO de Salvini e ancorado no porto de Lampedusa.