Realizado em Argel, evento fortalece a unidade entre as nações, defende remodelar a África, saúda conquistas da região do Sahel, revitalizando a sua agenda de reivindicações em matéria de justiça, direitos humanos e exige o cancelamento da dívida
“Reafirmamos que o colonialismo, a escravidão transatlântica, a deportação e o apartheid constituem crimes contra a humanidade e formas de genocídio, que infligiram danos sistêmicos aos povos africanos. Esses atos representam as mais graves violações reconhecidas pelo direito internacional e pelo direito internacional humanitário e permanecem imprescritíveis”.
A Declaração foi aprovada em Argel, nos dias 30 de novembro e 1 de dezembro, durante a Conferência Internacional sobre os Crimes do Colonialismo na África, a convite do Governo da República Democrática Popular da Argélia, em colaboração com a Comissão da União Africana (UA). Participaram do evento ministros dos Negócios Estrangeiros dos Estados-Membros da UA, chefes de delegação, representantes da Comissão da UA, incluindo o Parlamento Pan-Africano, acadêmicos, especialistas, juristas e historiadores, além de representantes da região da Comunidade e Mercado Comum do Caribe (Caricom), que projetaram uma ação geopolítica para revitalizar a agenda da África e saudaram as conquistas da região do Sahel em matéria de justiça, direitos humanos e descolonização.
Conforme esclareceu o documento, “estamos empenhados em promover o reconhecimento internacional dos crimes coloniais e em trabalhar para a sua codificação como crimes explícitos nos instrumentos e mecanismos jurídicos internacionais”. Entre as medidas compensatórias pelas riquezas saqueadas estão “o cancelamento da dívida e o financiamento equitativo do desenvolvimento”.
Por isso, assinalaram os participantes, “apelamos aos tribunais africanos, regionais e internacionais, bem como aos órgãos de direito internacional relevantes, incluindo a Assembleia Geral das Nações Unidas, o Conselho de Direitos Humanos, o Tribunal Internacional de Justiça, o Tribunal Penal Internacional e os organismos regionais africanos, como o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos e a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, para que realizem uma análise jurídica aprofundada da violência sistêmica ligada ao colonialismo, com vistas a estabelecer a sua ligação direta às categorias reconhecidas de crimes contra a humanidade e aos elementos que constituem o crime de genocídio”.
“O ALTO PREÇO DA EXCLUSÃO, MARGINALIZAÇÃO E ATRASO”
De forma enfática o ministro das Relações Exteriores da Argélia, Ahmed Attaf, apontou que a experiência do seu país sob domínio francês demonstrou a necessidade de buscar indenização e recuperar bens roubados. Um arcabouço legal, acrescentou, garantiria que a restituição seja vista como “nem um presente nem um favor”. “A África tem o direito de exigir o reconhecimento oficial e explícito dos crimes cometidos contra seus povos durante o período colonial, um primeiro passo indispensável para enfrentar as consequências daquela era, pelas quais países e povos africanos continuam pagando um preço alto em termos de exclusão, marginalização e atraso”, apontou.
Convenções e estatutos internacionais aceitos pela maioria dos países proibiram práticas como escravidão, tortura e apartheid. E embora a Carta das Nações Unidas proíba a tomada de territórios pela força, não faz referência explicita ao colonialismo.
Essa ausência foi central na cúpula da União Africana em fevereiro, onde os líderes discutiram uma proposta para desenvolver uma posição unificada sobre reparações e definir formalmente a colonização como crime contra a humanidade. Além disso, apontaram que o custo econômico tenha sido impressionante, com algumas estimativas apontando o custo do saque na casa dos trilhões de dólares, uma vez que as potências europeias extraíam recursos naturais frequentemente por métodos brutais, acumulando enormes lucros com ouro, borracha, diamantes e outros minerais, enquanto deixavam as populações locais empobrecidas.
Attaf recordou que não foi por acaso que a conferência tenha sido realizada na Argélia, um país que sofreu algumas das formas mais brutais de domínio colonial francês e travou uma guerra sangrenta para conquistar sua independência. Seu impacto foi de grande alcance: quase um milhão de colonos europeus detinham gigantescos privilégios políticos, econômicos e sociais, mesmo que a Argélia fizesse parte legalmente da França e seus homens tivessem sido recrutados na Segunda Guerra Mundial.
Apesar disso, centenas de milhares de pessoas morreram pela emancipação do país, durante a qual as forças francesas torturaram detentos, desapareceram suspeitos e devastaram vilarejos como parte de sua estratégia de contrainsurgência para manter seu controle sobre o poder.
”Nosso continente mantém o exemplo do amargo calvário da Argélia como um modelo raro, quase sem equivalente na história, em sua natureza, lógica e práticas”, frisou Attaf.
LIBERTAÇÃO DO POVO SAARAUÍ
A experiência da Argélia, apontam as lideranças, serve como referência para a luta pela emancipação da República Árabe Saarauí Democrática (RASD), uma antiga colônia espanhola reivindicada pelo reinado do vizinho reinado do Marrocos, apoiado pelos EUA, França e Israel.
O ministro argelino apresentou o caso como o de uma descolonização inacabada, ecoando a posição formal da União Africana. Segundo Attaf, esta é “a última colônia da África”, elogiando a luta e a determinação dos saarauís indígenas “para afirmar seu direito legítimo e legal à autodeterminação, conforme confirmado – e continuamente reafirmado – pela legalidade internacional e pela doutrina da ONU sobre descolonização”.
A Argélia há décadas pressiona para que o colonialismo seja combatido por meio do direito internacional, mesmo enquanto seus líderes agem com cautela para evitar inflamar tensões com a França, onde o legado da guerra permanece politicamente sensível.
“OCUPAÇÃO MILITAR, VIOLÊNCIA EM MASSA E DESAPROPRIAÇÃO DE TERRAS“
“Sobre o impacto humano e a justiça intergeracional”, a União Africana condenou ainda “todas as formas de colonialismo, que constituem um sistema estruturado de dominação, exploração e apagamento da identidade, caracterizado por ocupação militar, violência em massa, deslocamento forçado, desapropriação de terras, colonialismo de povoamento, pilhagem de recursos, testes nucleares e ambientais, e o apagamento do patrimônio cultural, linguístico, identitário e espiritual, bem como a produção de narrativas falsificadas destinadas a negar a existência, a dignidade e a resistência dos povos africanos”.
Diante disso, a UA exigiu “o reconhecimento desses impactos humanos dramáticos, que causaram consequências psicológicas duradouras nas sociedades e populações africanas e que continuam a se manifestar hoje por meio de novas formas de discriminação, racismo sistêmico e discurso de ódio”. Portanto, sublinhou, “apelamos à expansão das iniciativas comemorativas continentais e nacionais, incluindo museus, monumentos, locais de memória, dias comemorativos e reformas educacionais”. Com este compromisso, defenderam ainda que se “acelere a criação do Grande Museu de África, enquanto instituição continental com o mandato de preservar o patrimônio africano e documentar o legado do colonialismo”.











