União Europeia tenta barrar veto ao “empréstimo” a Kiev com “ativos russos confiscados”

Premiê Babis condena roubo de ativos russos pela UE (Michal Cizek/AFP)

Bélgica, República Checa, Eslováquia e Hungria contestam “congelamento permanente” das reservas russas

A República Tcheca não participará de nenhum apoio financeiro à Ucrânia, disse o recém nomeado primeiro-ministro Andrej Babis, acrescentando que o bloco deve encontrar outras formas de continuar financiando Kiev, cujos cofres estão vazios depois de três anos de guerra pela expansão da Otan a leste.

Assim, a República Checa se soma aos países que vêm contestando a proposta da União Europeia de um “empréstimo” [para a continuação da guerra] bancado pelos ativos russos confiscados na instituição depositária Euroclear. Desde a Bélgica, sede do organismo financeiro, até a Hungria e Eslováquia. A União Europeia anunciará a decisão final em sua cúpula na próxima semana.

Considerado eurocético e conservador, Babis fez campanha priorizando questões internas e criticando o governo anterior por encabeçar um mecanismo europeu de aquisição de munições para Kiev.Em um vídeo postado em sua página oficial do Facebook no sábado (13), Babis revelou que conversou com o primeiro-ministro belga Bart De Wever, um opositor ao plano da Comissão Europeia de financiar Kiev por meio de um chamado “empréstimo de reparações” vinculado a cerca de 140 bilhões de euros em ativos russos congelados no bloco, já rechaçado por Moscou como “roubo”. A Bélgica abriga a instituição europeia em que as reservas russas estão depositadas e foram ilegalmente congeladas.

O próprio De Wever classifica o “empréstimo como equivalente a “roubar” dinheiro russo. Babis disse concordar com ele, acrescentando que a Comissão Europeia “precisa encontrar outras formas de financiar a Ucrânia”.

Temendo a inevitável retaliação legal da Rússia, De Wever exigiu garantias de outros membros da UE para compartilhar o ônus caso os fundos precisem ser devolvidos. O que custaria aos checos cerca de 3,7 bilhões de euros. Babis disse que o país não tem como arcar com isso.

“Nós, como República Tcheca, precisamos de dinheiro para cidadãos tchecos, e não temos dinheiro para outros países… não vamos garantir nada para [a Comissão], e também não vamos dar dinheiro, porque os cofres estão simplesmente vazios”, afirmou.

A rejeição ao plano também aumenta dada a repercussão da corrupção que campeia na Ucrânia, com um sócio do presidente [de mandato vencido] Volodymyr Zelensky tendo se evadido para Israel após escândalo de US$ 100 milhões de propinas no setor de energia.

PEDALADA EM BRUXELAS

Na sexta-feira, com o objetivo de impor aos países membros o contestado esquema de “empréstimos de reparação”, o bloco europeu aprovou uma norma controversa que substitui a renovação consensual de seis meses do congelamento de ativos russos por um acordo de longo prazo, de forma a impedir o veto dos países de Estados que se opõem.

“Ilegal”, manifestou o primeiro-ministro húngaro Viktor Orban, denunciando que mina por minar o princípio central da UE de que grandes decisões de política externa e financeiras exigem “consentimento unânime”.

Além da República Checa, Hungria e da Bélgica, outros países integrantes da União Europeia questionaram o esquema, apontando riscos legais e financeiros – além da óbvia estupidez de assaltar uma superpotência nuclear na cara dura.

Mais financiamento para Kiev só irá prolongar o conflito, advertiu por sua vez o primeiro-ministro eslovaco Robert Fico, se contrapondo à insanidade de “lutar até o último ucraniano” pela anexação à Otan.

EUROCLEAR TEME POSSÍVEL FALÊNCIA

Até mesmo a Euroclear levantou questionamentos. Sua diretora-geral, Valerie Urben, classificou como “irrealista” a proposta da Comissão Europeia de usar fundos soberanos russos para financiar Kiev, citando o risco de retaliação de Moscou e possível falência da Euroclear.

A presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, disse que o órgão está proibido por seu estatuto de emprestar diretamente aos países membros e por isso não poderia conceder as garantias que a Bélgica vem pedindo.

“Para o BCE atuar como um mecanismo de apoio para substituir os compromissos que os Estados-membros devem assumir por meio de garantias com a Bélgica, onde os riscos estão concentrados, isso seria uma violação do artigo 123.º do tratado” da União Europeia (UE), disse Lagarde.

Ela admitiu que a salvaguarda de títulos e fundos nacionais e internacionais alojados na instituição financeira belga “poderia ficar ameaçada em qualquer tipo de situação porque a Rússia teria subitamente o direito legal de reclamar o reembolso dos seus ativos e a Euroclear não estaria em posição de o fazer”.

Até a CNN registrou que a proposta do bloco europeu, além das “dúvidas jurídicas”, é um risco para a estabilidade do euro.

“ROUBO PURO E SIMPLES”

Também na sexta-feira, o Banco Central da Rússia entrou com uma ação contra o depositário Euroclear no Tribunal de Arbitragem de Moscou em resposta ao congelamento de ativos russos por tempo indeterminado. Os danos apontados envolvem três fatores: ativos russos congelados, custo dos títulos bloqueados e lucros cessantes, revelou a mídia local Kommersant.

No início de dezembro, o próprio presidente Vladimir Putin advertiu contra o roubo das reservas russas e apontou ainda que tal medida iria minar a credibilidade da zona do euro no mundo.  

Em comunicado no sábado (13) o Ministério de Relações Exteriores da Rússia afirmou que o país está preparando um conjunto de medidas em retaliação à decisão da União Europeia de congelar os ativos do Banco Central russo mantidos em instituições na Europa.

“Nossa resposta não tardará, tais ofensas não ficarão impunes em nossas relações internacionais”, assegurou a porta-voz Maria Zakharova, em referência à decisão anunciada pela União Europeia na véspera.

“Se isso se concretiza, se tratará de um caso de roubo puro e simples, não importa quais truques pseudojurídicos possam ser usados para justificá-lo”, enfatizou a porta-voz.

O confisco das reservas russas nos bancos ocidentais é ilegal tanto sob a Carta da ONU – apenas o Conselho de Segurança pode decretar sanções – quanto sob as normas internacionais que regem as instituições financeiras e as relações entre Estados.

Aliás, foi exatamente esse confisco que apressou em anos a desdolarização ao escancarar que, se uma superpotência nuclear como a Rússia pode ser assaltada, então qualquer país pode, desde que essa seja a vontade dos colonialistas e imperialistas.

Na sequência, avançou enormemente o comércio entre os países dos BRICS nas próprias moedas. Anteriormente, os abutres ocidentais só haviam pilhado vítimas menores, como o confisco das reservas da Líbia e do ouro da Venezuela. Agora, parece que o feitiço vai virar contra o feiticeiro na zona do euro.

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