A poucos dias das eleições, policiais e fiscais de tribunais eleitorais desencadearam uma série de ações de censura a manifestações em defesa da democracia nas universidades públicas por todo o país. As ocorrências despertaram reação da comunidade acadêmica e de entidades da sociedade civil.
Coibindo manifestações de apoio à democracia, a pluralidade de ideias e discursos contra as ameaças de fascismo, juízes eleitorais emitiram mandados, na maior parte delas, relacionadas à fiscalização de suposta propaganda eleitoral irregular.
De acordo com levantamento de Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas, da Universidade de São Paulo, até a noite da quinta (25), atos de censura e tentativas de impedir aulas e debates foram registrados em 17 instituições de ensino: UFGD, UEPA, UFCG, UFF, UEPB, UFMG, Unilab, SEPE-RJ, Unilab-Fortaleza, UNEB, UFU, UFG, UFRGS, UCP, UFSJ, UERJ, UFERSA, UFAM, UFFS, UFRJ, IFB, Unila, UniRio, Unifap, UEMG, UFAL, IFCE, UFPB, UFRPE, Unesp.
No Rio de Janeiro, a Justiça ordenou que a Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) retirasse da fachada uma bandeira em que aparece a mensagem “Direito UFF Antifascista”. A bandeira, que já havia sido removida na terça-feira (23), após um “mandado verbal” da juíza Maria Aparecida da Costa Bastos, da 199ª Zona Eleitoral (Niterói) do TRE-RJ, foi recolocada durante um ato de estudantes e professores.
Em um novo mandado, a juíza alega que a faixa teria “conteúdo de propaganda eleitoral negativa contra o candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro [PSL]”. Em redes sociais pessoas afirmaram terem feito essas denúncias utilizando hashtags (mecanismo de busca) ligadas ao MBL. Sob ameaça de prisão do diretor da Faculdade de Direito da UFF, a juíza deu prazo de até meia noite do dia 25, para a retirada da bandeira.
Os estudantes negam ter feito propaganda político-partidária e afirmam que a bandeira contra o fascismo é uma luta suprapartidária.
No lugar onde estava a bandeira antifascista, uma nova faixa com a palavra “censurado”, foi estendida.
UERJ
Na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) policiais militares se dirigiram para a retirar duas faixas: uma em homenagem à vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada no mês de março, e outra onde estava escrito “Direito Uerj Antifascismo”. Segundo a universidade, não havia mandado judicial para a remoção, e as bandeiras continuam na entrada do campus Maracanã.
Também houve relatos de ações como esses na Unirio e na UFRJ, na faculdade de Dança.
No Rio Grande do Sul a Justiça Eleitoral barrou a realização de um evento denominado ‘Contra o Fascismo, Pela Democracia’, coordenado pelo Diretório Acadêmico da Universidade da Fronteira Sul, sob a alegação de que seria “ato político-eleitoral dentro de uma instituição federal”.
Também foram registrados ações contra universidades no Norte e Nordeste do país. Apenas na Paraíba houve ações em três universidades.
Policiais federais estiveram na sede da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Campina Grande, na última quinta-feira (25), cumprindo um mandado de busca e apreensão de um panfleto denominado “Manifesto em defesa da democracia e da universidade pública”, bem como outros supostos materiais a favor de Fernando Haddad (PT).
A associação nega qualquer ação em favor de algum dos candidatos à Presidência e diz que se tratava de um manifesto em defesa da democracia.
MATO GROSSO DO SUL
A aula pública “Esmagar o Fascismo” na Universidade Federal da Grande Dourados, em Mato Grosso do Sul, foi suspensa por um mandado do TER, o evento aconteceria nesta quinta (25), na universidade.
O Diretório Central de Estudantes (DCE) informou, por meio de sua página no Facebook, que a Polícia Federal (PF) abordou integrantes do DCE, coletou nomes e tirou fotos da bandeira da organização. “Repudiamos esse ato de censura à liberdade de manifestação e reunião de pessoas. Não nos calaremos!”, diz parte da nota.
As ações da Justiça Eleitoral não se limitaram as universidades públicas, comprovando assim que o mote real delas não é coibir “campanha eleitoral” dentro de instituições públicas, o que é vedado pela lei.
Na última quarta-feira estudantes da Universidade Católica de Petrópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro, realizaram uma plenária em defesa da democracia e foram surpreendidos por agentes do TRE e expulsos de dentro da universidade.
“Diziam que defender a democracia seria defender o candidato Fernando Haddad, o que prejudicaria o candidato contrário, que era chamado de fascista. Não devemos ter dúvida que a parcialidade do TRE mostra que, cada vez mais, devemos construir a frente democrática em favor de todos no nosso país”, afirma a nota assinada pelo Movimento UCP Para Além dos Muros, DCE UCP, UNE, UBES, SindiPro – Petrópolis e outras diversas entidades da sociedade civil.
REPÚDIO DA OAB-RJ
Em nota, a seção do Rio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) manifestou “repúdio” às decisões da Justiça Eleitoral e afirmou ainda que “a manifestação livre, não alinhada a candidatos e partidos, não pode ser confundida com propaganda eleitoral”.
“Quaisquer restrições nesse sentido, levadas a efeito, sobretudo, por agentes da lei, sob o manto, como anunciado, de “mandados verbais”, constituem precedentes preocupantes e perigosos para a nossa democracia, além de indevida invasão na autonomia universitária garantida por nossa Constituição”, diz a nota assinada pelo presidente em exercício da entidade, Ronaldo Cramer.
UNE
A União Nacional dos Estudantes (UNE) repudiou as ações promovidas pela Justiça Eleitoral e as considerou “ataques às universidades e à liberdade democrática dos estudantes”. A entidade ainda salientou que não de absterá. “A UNE e os estudantes sempre se posicionaram, e hoje não será diferente. Lutaremos e resistiremos juntos a esses milhares de estudantes, professores e trabalhadores nas universidades para garantir a democracia e nossa liberdade, contra qualquer tipo de censura”, afirma a nota.
“Historicamente a Universidade é um ambiente de reflexão e formulação de conhecimento para a transformação da nossa sociedade. É inaceitável que posições políticas não possam se manifestar livremente dentro da Universidade. Em diversos momentos o movimento estudantil, ao lado dos trabalhadores, foi vanguarda da luta por direitos, democracia e pelo Brasil! Agora não será diferente, os ataques as liberdades democráticas, não serão tolerados, eles apenas demonstram a sanha que os setores mais reacionários da sociedade tem de abafar qualquer forma de resistência popular. Nossa luta pela democracia só irá crescer”, afirmou ao Hora do Povo, Guilherme Bianco, diretor da UNE.
Em nota, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação disse repudiar “decisões da Justiça Eleitoral que tentam censurar a liberdade de expressão de membros de comunidades acadêmicas, ferindo seus direitos civis e políticos, bem como o princípio constitucional da autonomia universitária”.
Para a Campanha “o exercício pleno da cidadania, todas e todos têm o direito de se manifestar politicamente”, “ação coordenada de hoje cria uma nova figura no debate público brasileiro: a inaceitável e absurda ‘Eleição sem Cidadania’”.
MAÍRA CAMPOS