MARCO CAMPANELLA (*)
O sr. Mansueto Almeida, então secretário de Acompanhamento Econômico do também então Ministério da Fazenda do (des)governo Temer, chefiado à época por outro banqueiro, Henrique Meirelles, numa entrevista em meados de 2016, afirmou, com todas as letras que “não existe vaca sagrada em termos de política pública. Qualquer política pública tem que olhar custo, financiamento e ver se aquele custo se justifica pelo benefício”.
E foi mais longe: “O populismo e o ideologismo fizeram muito mal para o Brasil e para a América Latina”.
À época, em outro artigo, prevíamos que, pelo caminho traçado por Mansueto, sob a guarida de Temer e Meirelles, de forte contração fiscal (que resultou na PEC do Teto, ou da “Morte”, como é popularmente conhecida), privatizações, frouxidão cambial e precarização do trabalho, a economia continuaria patinando, o desemprego em alta e a renda em queda livre.
Não era necessário ser especialista em economia para fazer a previsão, cuja parábola usada à época foi: “cuidado, Mansueto, que essa sua vaca pode ir para o brejo…”.
E foi. Por pouco, muito pouco, pouco mesmo que, já sob Temer, não imergimos na recessão.
Agora, o mesmo Mansueto, outro pupilo da escola de Chicago, assume a Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Economia de Guedes/Bolsonaro e, sob a diretiva do novo chefe, é encarregado de formular um plano de socorro aos Estados envolvidos em grave crise financeira.
Bastante compreensível a escolha de Mansueto para o novo cargo, afinal, o combate às “ideologias”, preconizada pelo secretário de Temer há três anos atrás, muito se confunde com as pérolas destiladas hoje pelos bolsonaristas contra os adversários políticos.
Alcunhado com o pomposo nome de Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal (PEF), Guedes preferiu denominar o projeto de “Plano Mansueto”, o mesmo da vaca sagrada, cujas ideias, rigorosamente, continuam as mesmas. Aliás, sob o guarda-chuva do atual governo, devem ter se tornado ainda mais ultraliberais.
Pela proposta que acaba de sair do forno e chega ao Congresso Nacional em forma de projeto de lei, os estados que aderirem ao Plano terão que se submeter a pelo menos três das oito exigências: (1) privatizar empresas do setor financeiro, energia, saneamento ou gás e utilizar os recursos resultantes da venda na quitação de dívidas; (2) reduzir os incentivos ou benefícios de natureza tributária em 10% já no exercício seguinte à adesão ao Plano, bem como a suspensão de novos incentivos; (3) suprimir benefícios ou vantagens dos servidores da administração direta, autárquica e fundacional não previstas no regime jurídico único dos servidores da União; (4) adotar e limitar os gastos ao crescimento das despesas com base no IPCA ou à variação anual da receita corrente líquida, ou que for menor; (5) eliminar as vinculações de receitas de impostos não previstas na Constituição Federal, bem como das vinculações que excedem aos limites previstos na Constituição Federal; (6) adotar o princípio de unidade de tesouraria, com implementação de mecanismos de gestão financeira centralizada junto ao Tesouro do Poder Executivo; (7) adotar as diretrizes estabelecidas pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) voltadas à prestação de serviço de gás canalizado; (8) contratar serviços de saneamento básico de acordo com o modelo de concessões de serviço público previsto na Lei nº 8.987/1995 e, quando houver companhia de saneamento (estatal), a adoção do seu processo de desestatização.
O recado aos governadores é claro: privatizem tudo que é estatal, inclusive as empresas que prestam serviços essenciais; renunciem a qualquer iniciativa de estímulo regional à geração de emprego e renda; limitem seus gastos à oscilação da inflação mesmo que a variação demográfica, como é lógico, provoque novas demandas sociais e abdiquem dos recursos mínimos que deveriam ser destinados, por exemplo, às políticas públicas de saúde e educação; desvalorizem seus servidores públicos e subordinem sua Fazenda à Fazenda Nacional administrada pelo todo poderoso Paulo Guedes.
Em suma, renunciem, na prática, à vossa governança e se submetam, em grande parte, à gestão eficiente e, agora, nada ideológica, de Bolsonaro, muito bem cuidada por Guedes, Mansueto, Rogério Marinho e Roberto Campos, o neto, figuras desideologizadas, preocupadas, acima de tudo, com o interesse público, mas capazes, como se vê, de colocar a própria mãe à venda para salvar o deus-mercado.
O PEF também poderia se chamar Plano de Exclusão do Princípio Federativo, insculpido na Constituição, pasmem, leitores, desde 1891. É a morte da Federação, elemento vital do sistema republicano, e uma regressão ao século 19.
Ah, esquecemos, há uma vantagem: os estados terão direito a um empréstimo, a ser concedido por banco público ou privado – e até de origem externa (não se definiu, nem mesmo, a participação direta do Tesouro no processo), de minguados R$ 40 bilhões, em quatro parcelas anuais e iguais de R$ 10 bilhões, ou seja, terão que se endividar ainda mais, desde que entreguem o que existe de seu patrimônio à iniciativa privada e aceitem pelo menos duas das demais exigências fiscais.
Esse é o presente genial que esses escroques que comandam a política econômica oferecem aos governadores, depois que, desde Temer, e, agora, sob Bolsonaro, patrocinaram o abismal retrocesso econômico responsável pela retração das receitas dos governos estaduais, forçando-os a um vertiginoso processo de endividamento.
Nessa direção, o tal “equilíbrio” proposto pelo Plano mirabolante de Mansueto vai desequilibrar ainda mais as contas estaduais, turbinar as dívidas e liquidar com o pouco que alguns entes federativos ainda têm de patrimônio. Será o caos em escala geométrica, sem caminho de volta para os estados que sucumbirem à velha ladainha que, comprovadamente, não deu certo quando foi implementada em passado muito recente.
E já que iniciamos o artigo falando nas vacas de Mansueto, analogicamente, Guedes, em sua desesperada cruzada para aprovar o desmonte das aposentadorias no Parlamento, comparou o país a uma “baleia ferida que foi arpoada várias vezes e está sangrando e parou de se mover” e bradou que “precisamos tirar os arpões”.
O “novo” governo, que de novo nada tem, nem mesmo na fisionomia das figuras instaladas na Esplanada dos Ministérios, em particular, na área econômica, ao sancionar o Orçamento Federal para 2019, no montante de R$ 3,2 trilhões, informou o gasto financeiro (juros e amortizações) com a chamada dívida pública: R$ 1,4 trilhão, ou, mais precisamente, 44% de toda dotação orçamentária.
Qualquer garotinho que sabe fazer uma operação aritmética verá que o que sangra a baleia, para usar a mesma imagem de Guedes, não são os arpões da Previdência Pública, mas sim da esbórnia financeira que drena os frutos do trabalho e da riqueza nacionais para os bancos e rentistas de todas as matizes.
Mas, o que esperar de outro banqueiro, talvez, mais convertido em sua essência que o próprio Meirelles, e dessa sua equipe na Economia de Bolsonaro? Somente a tragédia que o PIB do primeiro trimestre já sinalizou.
Mãos à obra, pois essa gente parece não ter limites em sua sanha de desindustrializar e financeirizar a economia brasileira, para, em última instância, torná-la refém dos bancos e uma neocolônia dos interesses imperiais.
Trata-se, como podemos ver, a expressão da ideologia mais retrógrada, reacionária e apodrecida que conhecemos em matéria de pensamento econômico, antítese de tudo que é nacional e popular, fermento das desigualdades e injustiças sociais, e antessala do fascismo na política!
(*) Jornalista, foi editor-chefe da Hora do Povo.