Em reunião de emergência na sexta-feira (26), a Organização Mundial da Saúde (OMS) atribuiu a letra grega Ômicron (O) à cepa do coronavírus detectada recentemente no sul da África, e que passou a incluir a relação de ‘variantes preocupantes’ para a progressão da pandemia, ao lado de Alfa, Beta, Gama e Delta.
Antes conhecida como B.1.1.529, a variante Ômicron foi detectada pela primeira vez este mês em Botsuana, onde quatro casos já foram sequenciados.
Até agora, já foi registrada em 77 amostras na África do Sul, duas em Hong Kong, uma em Israel e uma na Bélgica. A OMS declarou que precisará de semanas para compreender melhor o comportamento da variante.
A preocupação que a variante Ômicron gera se deve a apresentar 50 mutações, sendo 32 na proteína “spike” (a “chave” que o vírus usa para entrar nas células e alvo na maioria das vacinas contra a Covid-19). Como comparação, as variantes Delta e Beta têm, respectivamente, duas e três mutações.
Ainda não se sabe se a Ômicron é mais transmissível ou mais letal, ou o efeito na eficácia das vacinas.
“PAÍSES RICOS PRECISAM AJUDAR NA VACINAÇÃO DO CONTINENTE AFRICANO”
O virologista brasileiro Tulio de Oliveira, diretor do Centro para Resposta Epidêmica e Inovação na África do Sul, vinculado à Universidade de Kwazulu-Natal, que anunciou a descoberta da nova variante na quinta-feira (25), disse que a Ômicron “nos surpreendeu, ela deu um grande salto na evolução [e traz] muitas mais mutações do que esperávamos”. Ele acrescentou que “a questão chave a ser respondida é qual é exatamente o efeito sobre as vacinas”.
O que tem sido percebido é que o fato de estarmos diante de um baixo percentual de vacinação na África do Sul (24% da população) e no restante da região cria uma situação propícia ao surgimento de mutações do vírus.
Ao apoiar o continente africano, diz Tulio, estamos protegendo o planeta. “Faço um apelo para bilionários e instituições financeiras. Temos sido muito transparentes com as informações científicas. Identificamos, tornamos os dados públicos e alertamos, pois as infecções estão aumentando. Fizemos isso para proteger nosso país e o mundo, apesar de sofrermos potencialmente uma discriminação massiva”, afirma o virologista.
“A África do Sul e a África precisarão de apoio (financeiro, de saúde pública, científico) para controlá-la para que não se espalhe pelo mundo. Nossa população pobre e carente não pode ficar presa sem apoio financeiro”, disse Oliveira, cuja equipe foi responsável por identificar a variante Beta, uma das cepas de preocupação rastreadas originalmente na África do Sul.
A diretora-técnica da OMS, Maria Van Kerkhove, enfatizou que o fato de a variante ter sido detectada é em si um bom sinal, pois “significa que temos um sistema em vigor” para identificar rapidamente e lidar com cepas potencialmente perigosas.
De pouco mais de 200 novos casos por dia nas últimas semanas, a África do Sul vira o número de contágios diários disparar para 2.465 na quinta-feira. Em busca da causa do salto repentino no ritmo da pandemia, ao estudarem amostras de vírus do surto os cientistas descobriram a nova variante.
Segundo o comunicado da OMS, “evidências preliminares sugerem um risco aumentado de reinfecção com esta variante”, em comparação com outras cepas. “O número de casos desta variante parece estar aumentando em quase todas as províncias da África do Sul”, disse a OMS.
Jeffrey Barrett, diretor da Covid-19 Genetics do Wellcome Sanger Institute, assinalou que a detecção precoce da nova variante pode significar que as restrições tomadas agora teriam um impacto maior do que quando a variante delta surgiu pela primeira vez.
“Com a Delta, demorou muitas, muitas semanas para entrar na terrível onda da Índia antes de ficar claro o que estava acontecendo e a delta já havia se espalhado em muitos lugares do mundo e era tarde demais para fazer qualquer coisa a respeito”, disse ele. “Podemos estar em um ponto anterior com esta nova variante, então ainda pode haver tempo para fazer algo a respeito”.
ÁFRICA NO ABANDONO
A descoberta da nova cepa de Covid também chama a atenção para a situação da pandemia na África, continente que, nas palavras do diretor-geral da OMS, o etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus, “foi abandonado pelo resto do mundo”. O que poderá se tornar mais dramático, caso se confirmem os temores sobre as mutações vistas na Ômicron.
Apenas 1 em cada 4 profissionais da saúde foi vacinado na África, em comparação com 80% nos países ricos. “A maioria dos profissionais de saúde na África ainda não foi vacinada e continua perigosamente exposta a formas graves” da doença, alertou Matshidiso Moeti, diretora regional da OMS para África.
Em 16 países do continente, há menos de 1 profissional de saúde por 1.000 habitantes.
“Pela primeira vez desde o pico da terceira onda em agosto, o número de casos aumentou no sul da África, crescendo 48% na semana que terminou em 21 de novembro em relação à semana anterior”, especificou a OMS.
Só 3 países africanos atingiram até aqui a meta de vacinação estabelecida pela Assembleia Mundial de Saúde, Ilhas Seychelles, Maurício e Marrocos, e só cinco devem conseguir até o final do ano, na avaliação da OMS.
Apelos dos países africanos contra o “apartheid das vacinas” têm sido, no fundamental, ignorados, e os países ricos continuam se opondo à quebra de patentes dos imunizantes.
“Nós queremos comprar vacinas”, disse o enviado especial da União Africana para a Covid-19, Strive Masiyiwa. Ele lembrou que a União Africana criou um Fundo africano para a aquisição de imunizantes (Avat), e que os fabricantes têm a “responsabilidade moral” de vender doses para os países da região. “Esses fabricantes sabem muito bem que nunca nos deram o acesso apropriado [às vacinas]”.
Ele reiterou o pedido à comunidade internacional para que as patentes dos imunizantes sejam quebradas, mas disse que o “mais urgente” é que os países suspendam as restrições às exportações de vacinas e de seus insumos.
HORA DE PREVENIR
A detecção da nova cepa ocorre em meio ao recrudescimento da pandemia na Europa, com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciando medidas de restrição aos voos e à entrada de pessoas provenientes do sul da África.
Por sua vez, o Reino Unido determinou que os viajantes vindos do sul da África terão que se isolar por 10 dias. Dado o recente aumento rápido de Covid-19 na África do Sul, restringir viagens da região é “prudente” e daria às autoridades mais tempo, disse Neil Ferguson, especialista em doenças infecciosas do Imperial College London.
Também a Alemanha, Áustria, Itália, Japão e Israel anunciaram restrições. Segundo o ainda ministro alemão da Saúde, Jens Spahn, no momento em que a Alemanha registra novos recordes diários de infecções e está mergulhada na quarta onda de contágio “a última coisa de que precisamos é trazer uma nova variante que vai causar ainda mais problemas”.
No Brasil, a Anvisa recomendou nesta sexta-feira medidas de restrição para voos procedentes da África do Sul, Botsuana, Eswatini, Lesoto, Namíbia e Zimbábue, e um diretor do órgão disse que a variante Ômicron já pode estar circulando no país, embora não haja ocorrido ainda nenhuma detecção.