No documento, os militares golpistas avaliam que a execução do plano era “viável”, mas “com significativas restrições para uma execução imediata”
Os documentos apreendidos pela Polícia Federal na operação que investiga a intentona bolsonarista de 2022, intitulada “Planejamento Punhal Verde Amarelo”, são provas materiais incontestes dos planos dos executores do golpe de assassinar o presidente da República eleito Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes.
Nos documentos e troca de mensagens, os militares golpistas falam em assassinar, em dezembro de 2022, o então presidente eleito. As provas encontradas pela Polícia Federal embasaram a prisão de quatro militares do Exército e um policial federal nesta terça-feira (19). Num dos documentos, onde os golpistas usam codinomes, há a descrição do sequestro ou homicídio do ministro Alexandre de Moraes” e de outros alvos possíveis.
No trecho final, no entanto, os golpistas falam que também levantaram informações sobre outros alvos possíveis, identificados por apelidos para disfarce:
Jeca – que, segundo a PF, faria referência a Lula;
Joca – que, também segundo a PF, seria Geraldo Alckmin;
e Juca – que a PF ainda não conseguiu identificar.
Eles também mantinham seus nomes camuflados numa rede do submundo da internet usando para o disfarce momes de países. Então eram Brasil, Argentina, Alemanha, Gana, etc. O codinome “professora” foi identificado como sendo de Alexandre de Moraes. A interceptação foi feita numa conversa do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência. No dia 21 de dezembro de 2022, o militar pergunta a outro auxiliar de Jair Bolsonaro, Marcelo Câmara: ‘Por onde anda a Professora?’. Marcelo responde: “Informação que foi para uma escola em SP”.
O material com as provas foi encontrado em um dispositivo eletrônico do general de brigada Mário Fernandes – descrito como “um dos militares golpistas mais radicais”. O general Mário Fernandes foi visto várias vezes nos acampamentos golpistas montados após a derrota de Jair Bolsonaro na eleição de 2022. Ele aparece também falando numa reunião ministerial coma presença de Bolsonaro. Nesta ocasião, ele defende que o golpe tem que ser antes das eleições.
Um dos eventos detectados foi batizado de “Copa 2022”, ocorrido em 15 de dezembro de 2022. Nesta operação, os militares golpistas chegaram a se posicionar nas ruas de Brasília para tentar sequestrar Moraes. Nas mensagens aparece um deles dizendo estar postado em frente a casa do ministro Alexandre de Moraes, esperando que ele saísse. Ele fala com o outro agente, que estava no local onde eles sequestrariam e/ou matariam o ministro. O plano foi abortado antes de qualquer contato com o ministro por conta de uma dificuldade de locomoção de um dos envolvidos.
Os documentos indicam, também, que eles analisaram as “condições de execução” – ou seja, as circunstâncias que permitiriam, de fato, executar a chapa presidencial eleita em outubro de 2022. Há pontos de coincidência, de acordo com os investigadores, entre o planejamento descrito no documento encontrado e o evento “Copa 2022”, em que militares chegaram a se posicionar nas ruas de Brasília para tentar sequestrar Moraes. O plano foi abortado antes de qualquer contato com o ministro.
Veja abaixo detalhes do documento encontrado pela PF:
Página 1 – reconhecimento operacional e monitoramento
Na primeira página do documento, os golpistas listam as demandas de “rec op” – segundo a PF, abreviação de “reconhecimento operacional”.
O grupo lista “pontos de controle”, como o Eixo Monumental (via no centro de Brasília onde ficam os ministérios, o Palácio do Planalto e o prédio do STF), a via L4 (também nas imediações dos prédios oficiais) e a Avenida do Exército (via do Quartel-General do Exército, mais afastada).
Segundo a PF, essa página se refere às “diligências necessárias, que já estavam em andamento, para identificar o aparato de segurança pessoal do ministro Alexandre de Moraes, compreendendo os equipamentos de segurança, armamentos, veículos blindados, os itinerários e horários”.
A PF diz ainda que fica claro, já nessa página, que o grupo estava disposto a matar Moraes, seus seguranças e até os próprios membros do plano golpista para cumprir a missão.
“Ou seja, claramente para os investigados a morte não só do ministro, mas também de toda a equipe de segurança e até mesmo dos militares envolvidos na ação era admissível para cumprimento da missão de ‘neutralizar’ o denominado ‘centro de gravidade’, que seria um fator de obstáculo à consumação do golpe de Estado”.
Página 2 – telefones, armas e ‘tempo de ação’
Na segunda página, o documento lista as medidas práticas que deveriam ser tomadas pelo grupo para executar o plano.
Há, por exemplo, uma lista de itens necessários, entre telefones, armas e proteção:
seis coletes à prova de balas;
rádios de baixa frequência;
seis telefones celulares descartáveis;
quatro pistolas;
quatro fuzis, além de munição não rastreável;
uma metralhadora, um lança-granadas, um lança-rojão, também com munição não rastreável;
12 granadas.
Segundo a PF, a lista descreve “armamentos de guerra comumente utilizados por grupos de combate”.
O lança-rojão, por exemplo, é “utilizado principalmente por forças armadas e de segurança para combate a veículos blindados e estruturas fortificadas. É um lançador de foguetes antitanque. A munição é um foguete guiado que possui uma ogiva explosiva”.
Os golpistas afirmam, ainda, que seriam necessárias cerca de duas semanas para a preparação do atentado – e oito horas para a execução. De acordo com a PF, mais uma vez, os detalhes descritos nessa página coincidem com a tentativa frustrada de sequestrar Alexandre de Moraes em 15 de dezembro de 2022.
Página 3 – ‘condições de execução’ e mais alvos
Na última página do documento, os militares golpistas afirmam que a execução do plano era “viável”, mas “com significativas restrições para uma execução imediata”.
O material lista ainda a situação de outros parâmetros de risco:
possibilidade de êxito: médio, tendendo a alto;
risco de danos colaterais: muito alto
risco de captura: alto
risco de baixas: alto
impactos e sensibilidade no âmbito político: muito alto;
impactos e sensibilidade no âmbito social: muito alto.
“Ainda são necessárias avaliações quanto aos locais viáveis, condições para execução (tiro a curta, média ou longa distância, emprego de munição e/ou artefato explosivo), possibilidades de reforço (Polícia Federal) e proteção do alvo, bem com a intervenção de outras Forças de Segurança”, ressalva o documento.
“Outra possibilidade foi levantada para o cumprimento da missão, buscando com elemento químico e/ou biológico, o envenenamento do Alvo, preferencialmente durante um Evento Oficial Público. O nosso reconhecimento também está levantando as condições para tal linha de ação”, diz o texto.
Consta no final do documento que “foram levantados outros alvos possíveis” – é quando, segundo a PF, o grupo fala em matar também Lula, Geraldo Alckmin e um aliado não identificado. O texto diz que matar Lula “abalaria toda a chapa vencedora” e a colocaria “sob a tutela principal do PSDB”. O vice, Geraldo Alckmin, na verdade, migrou do PSDB para o PSB para disputar as eleições.