“Em nome da ganância do setor financeiro, a direção e o Conselho Administrativo da Embraer vão destruir a indústria aeronáutica brasileira e empregos no setor”, denunciou o diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região, Herbert Claros, sobre a entrega da Embraer à multinacional norte-americana Boeing.
Em entrevista à Hora do Povo, Herbert, que é funcionário da Embraer, critica a posição dos membros do Conselho, “formado por membros ligados ao mercado financeiro”, que deram aval à negociata com os americanos.
No dia 17 de dezembro, a direção da Embraer confirmou os termos do acordo que prevê a criação de uma nova empresa (joint venture), onde a multinacional Boeing passa ser controladora de 80% do capital da empresa de aviação comercial – segmento este em que a Embraer é líder mundial e o restante – os 20% – seria da fabricante brasileira, podendo essa abrir mão de sua parte para a norte-americana a qualquer momento, por meio de uma opção de venda.
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“Os membros do conselho e da diretoria têm pessoas hoje ligadas ao mercado financeiro. Alguns do conselho são do Banco Itaú e do Banco Bozano Simonsen, e o presidente da Embraer não é um engenheiro de carreira da Embraer, é um economista, que vem de outra filosofia.
“Em nossa opinião, o conselho da Embraer é vendido, e está acabando com a indústria aeronáutica brasileira e os empregos no setor, por interesse do mercado financeiro. Não há outra explicação para isto. Inclusive, o que nos chama atenção, é a forma da transação. Estão fazendo isto da pior forma possível como se não houvesse leis no país, e isto é bem típico do mercado financeiro”, denuncia o representante do sindicato.
O acordo depende ainda da aprovação do governo brasileiro, dono de uma “golden share” (ação exclusiva determinada pelo Estado) na companhia que dá o poder de veto em decisões estratégicas, como no caso da transferência de controle acionário da empresa.
A negociação foi paralisada no último dia 19, por meio de uma ação civil pública movida a pedido do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e da Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos, porque o negócio lesa a Embraer e fere regras de mercado, pois não se trata de uma cooperação entre duas empresas, como anunciado, mas sim, uma pura e simples venda da empresa brasileira para a americana.
Entretanto, a liminar foi cassada dias depois (21), pela presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, a desembargadora Therezinha Cazerta, atendendo a um recurso da Advocacia-Geral da União (AGU). A desembargadora afirmou, em sua decisão, que não cabe à Justiça decidir sobre o futuro da Embraer.
Segundo Herbert Claros, a liminar expõe a forma que está sendo realizada a transação entre a direção da Embraer e os americanos.
“A transação está sendo feita de forma irregular”, destacou. “Inclusive fora do padrão da lei das S.A [Sociedades Anônimas]. A ação serviu muito para isto. Inclusive, um grupo minoritário de acionista também entrou na Justiça utilizando as mesmas alegações que nós estamos utilizando”, disse Claros.
Entre as violações à lei apontadas na ação e reconhecidas pela decisão liminar deferida pelo juiz Victorio Giuzio Neto, da 24ª Vara Federal Cível de São Paulo, no dia 19, estão: o abuso de poder do Conselho de Administração da Embraer, promovendo a venda da empresa sem autorização, e a cisão de uma companhia próspera, com risco de prejuízo aos trabalhadores da empresa.
Herbert Claros explica que o acordo não passa de uma venda pura e simples:
“É curioso, até alguns órgãos de mídia favoráveis à venda estão cobrando que seja falado o que esse negócio é na verdade! O governo está tentando empurrar a negociação como se fosse uma joint venture, como se fosse uma parceria de irmãos, para justamente passar a ideia de que o negócio não é prejudicial para o país. [Isto ocorre porque] quando se trata de venda, de entrega, e é isto que está sendo feito com a Embraer, é óbvio que isto traz alguma comoção popular – pelo menos se espera isso – por todos saberem o que a Embraer representa para o país”.
Após a decisão da desembargadora, o sindicato informou que entrará com recurso pela manutenção da suspensão do acordo.
CRIME DE LESA-PÁTRIA
Herbert Claros, que já representou os trabalhadores da Embraer no Conselho administrativo da companhia, afirma que a Embraer está sendo mais uma vez saqueada, assim como ocorreu na privatização e que a venda da fabricante brasileira não tem sentido nenhum, muito menos do ponto de vista da soberania nacional.
“É um crime de lesa-pátria o que está prestes a ser cometido contra o País. A negociação deixa nas mãos dos norte-americanos a única empresa estratégica de fabricação de aviões, de manufatura, hoje do país”, denuncia.
Transferência do cargueiro militar KC-390, o principal projeto de Defesa da Embraer, para os Estados Unidos
O funcionário da Embraer relembra que o cargueiro militar KC-390 só existe graças ao dinheiro público, por consequência da crise de 2009, quando a Embraer foi pedir ajuda ao governo federal.
“A partir da crise econômica global, em 2009, a Embraer procurou o governo federal e o executivo autorizou um projeto que já existia junto com a Aeronáutica, de fabricação do cargueiro KC-390. É tanto que o principal comprador do cargueiro, até hoje, é o governo federal, que comprou 27 aeronaves, que estão em fabricação.
“No começo, exatamente há um ano, quando falaram desta tentativa de aquisição da Embraer pela Boeing, os primeiros a se levantar contra foram os militares, e com toda razão, pois não dava para ficar com 80% na mão da Boeing em um projeto que é nosso. Em julho, o governo chegou a recuar, anunciando que negociação era separada, que não ia incluir a defesa só o setor comercial. E agora a gente está vendo que não era nada disso. Eles anunciaram em dezembro uma joint venture do KC-390, então caiu a máscara deles, demonstrando de fato qual o outro interesse da Boeing: adquirir este projeto militar, que já é considerado um avião de sucesso para futuro, por conta do nicho de mercado que ele vai pegar”.
Herbert explica que, nessa negociação, o governo está entregando para a Boeing um projeto que está pronto e é lucrativo sem que a multinacional arque com nada.
“Tem gente argumentando que o negócio é bom por que a Embraer vai ficar com 51%, ‘olha lá, o Brasil é maioria, 51%’, e esquecem que estamos entregando de ‘mão beijada’ para os americanos 49% de algo que foi construído com dinheiro público e com engenharia brasileira.
“São engenheiros brasileiros, cabeças brasileiras que desenvolveram todo esse avião, que está pronto, que já foi aprovado em todas as fases de teste que teve, e a Boeing vai pegar 49% disso sem trabalho nenhum, sem gastar dinheiro, inclusive porque isso está no pacote, a Boeing não está adquirindo 49%, ela está simplesmente entrando numa união com a Embraer para fazer o KC-390.
“Estão me questionando se isto não seria bom, pois os americanos poderiam ajudar a vender o KC-390. Eu também acho que os americanos podem ajudar a vender, porque é obvio que os Estados Unidos são maiores em defesa no mundo.
“Mas, se o intuito é esse, por que não fazer uma parceria comercial, como várias empresas do mundo têm?
“Parceria comercial é o seguinte: você fabrica o avião, eu vendo para você, e uma parcela da venda fica para mim. Isso é uma parceria. Se a Boeing acha que este avião tem um potencial e ela também quer ganhar com a venda deste avião… Ótimo! Vamos fazer uma parceria comercial! A gente fabrica aqui no Brasil e o que os americanos venderem, uma parte fica com eles. Nós não somos contra isto”.
Os norte-americanos não querem uma parceria comercial
“O que eles querem não é isso. Quando eles querem 49% de uma joint venture, está claro que eles vão ter o controle sobre o projeto, que eles vão ter olhos e mãos sobre um projeto brasileiro – e isso aumenta o controle deles sobre a indústria de defesa a nível mundial, uma preocupação que eles têm – e tem o aspecto financeiro, 49% do que a Embraer vender que vai dar lucro, porque todos os custos com o projeto a Embraer já teve, então, agora, é só lucrar, e a Boeing vai ficar com 49% disso”.
Herbert explica que a questão do cargueiro KC-390 do ponto de vista da soberania nacional é mais grave ainda, porque ninguém no mundo projetou um avião parecido.
“Então, é óbvio que a Boeing está de olho numa coisa que vai ser sucesso”.
COMPETIÇÃO
“A Embraer hoje tem plena condição de começar a competir com a Boeing e a Airbus, por que o KC-390 é um avião grande.
“Como ele é um avião grande, se a gente quiser transformar o KC-390 em um avião comercial, em um avião civil, é fácil. Por que é fácil? Se os nossos engenheiros da Embraer foram capazes de projetar um avião grande, como o KC-390, se a Embraer conseguiu produzir um avião militar grande, então eu também posso fabricar um avião grande para área civil.
“Hoje, nós não somos concorrentes da Boeing, porque a Boeing faz aviões maiores que os nossos. Mas, se a gente quiser, podemos ser concorrentes deles, e esse é o medo da Boeing.
“Ela sabe que nós podemos fazer aviões que podem competir com ela. Com os melhores engenheiros do mundo – isso a própria Boeing reconhece, que os nossos engenheiros são melhores que os dela”, lembra Herbert.
DEMISSÕES
Os termos do acordo já divulgados não garantem a permanência de postos de trabalho no Brasil nem o desenvolvimento de novos aviões.
Sobre a possibilidade de demissões, Herbert afirma que não há como saber o número de pessoas que poderão perder seus empregos se a entrega da Embraer for concluída. Mas a expectativa é que a Embraer se resuma a uma fábrica de peças de aviões. Com isto, a empresa passaria dos 15 mil funcionários que existem hoje, para apenas 3 mil funcionários.
“A Embraer que fica é a Embraer Defesa e a Embraer Executiva. Ambas não vão ter renda para sobreviver, porque quem sustenta elas é a aviação comercial. A área executiva não tem vindo muito bem, o Lineage e o Phenom, que são os aviões executivos, não têm vendido muito bem nos últimos anos. Então, o que os engenheiros estão comentando, internamente, é que, se ficar sem a aviação comercial, essa área vai degringolar, e a Embraer que vai ficar pode entrar em falência em cinco anos. Se isso acontecer, serão 5 mil empregos que podem ser perdidos”.
Segundo estudos do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região, em média, o ciclo de duração de um modelo é de 10 anos. Passado esse período, a fabricante tem de oferecer ao mercado outros projetos. Sem isso, a empresa será engolida pela concorrência, e, fatalmente, fechará as portas.
“Se acontecer essa aquisição que eles querem fazer, do que sobra é difícil dizer, porque vai depender do que a Boeing vai querer fazer no futuro no Brasil. Por exemplo: o avião comercial que a Embraer faz hoje é o E2. Analisando os pedidos já existentes e a possibilidades futuras de pedidos que existem no mercado mundial, nós podemos dizer que temos produção de 5 a 10 anos, se nada acontecer no mundo.
“A questão é: se em 5 a 10 anos não tiver um projeto novo, a produção vai caindo e você não vai ter outro avião para substituir, ai você pode colocar mais 5 mil trabalhadores para serem demitidos.
“Isto porque nós ficamos à mercê da Boeing. Porque, para fabricar um avião novo, não vai ser a diretoria da Embraer que vai decidir – e sim a Boeing que vai ter que autorizar”.
A Boeing não produz nenhum avião fora dos Estados Unidos
“E nós temos certeza, a mesma certeza que o Sol ilumina o dia e a Lua a noite, nós temos certeza que os norte-americanos nunca vão colocar um avião para ser produzido no Brasil, nunca!
“No máximo, eles vão colocar uma asa para fabricar, mas um avião de conjunto, eles nunca vão colocar para fabricar no Brasil, aí é ‘American Jobs’ acima de tudo.
“Se isso acontecer, daqui a 10 anos, tempo limite que nós estamos apontando, nós vamos nos tornar uma fábrica de peças de aviões. Para fabricar peças de aviões, eu reduzo de 10 mil trabalhadores para 3 mil trabalhadores.
“Isso não sou eu que estou falando, são estudos que realizamos com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) e professores da UNICAMP” disse Herbert.
Mesmo quem não trabalha na Embraer sentirá o impacto caso a venda seja concluída
Herbert explica ainda que postos de trabalho indiretos também poderão ser perdidos: “temos um estudo mostrando que, no Estado de São Paulo, para cada um trabalhador da Embraer existem outros sete trabalhadores indiretos. Então, se 2 mil trabalhadores da companhia forem demitidos, isto significa 14 mil trabalhadores demitidos no Estado, indiretamente”.
MOBILIZAÇÃO
“Nós vamos começar mobilizações com os três sindicatos para chamar a atenção da sociedade sobre o tema. Nós também vamos iniciar, mesmo sabendo o caráter desse novo governo, uma investida também do ponto de vista de alguns parlamentares em relação ao tema, em Brasília. E continuar a pressão política, para que esse tema seja debatido melhor com a sociedade”, finalizou Herbert Claros.
ANTONIO ROSA