O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) criticou a possibilidade de aquisição da Embraer pela multinacional norte-americana Boeing em nota técnica intitulada “Embraer e Boeing: uma combinação de negócios ou venda para a gigante norte-americana?”.
Segundo o Dieese o principal fator de motivação da Embraer para estabelecer essa “parceria” com a Boeing está expresso em comunicado interno da Embraer destinado aos seus empregados. “‘O cenário externo está mudando rapidamente. A concorrência ficou mais acirrada e novos competidores estão entrando na briga’. O texto refere-se, claramente, ao acordo entre a Airbus (Consórcio Alemanha, França e Inglaterra) e a Bombardier (Canadá), envolvendo uma linha de produtos que é concorrente direto dos jatos comerciais da Embraer”.
“Um olhar mais atento ao acordo Bombardier-Airbus revela a grande disparidade entre essa negociação e os termos até agora anunciados para a aquisição do segmento comercial da Embraer pela Boeing. No primeiro caso, o acordo envolveu apenas uma linha de produtos (100 a 120 assentos) – que passava por dificuldades para o financiamento do projeto e acesso ao principal mercado mundial, os EUA –, preservando a produção de outros modelos para aviação regional, como o CRJ Series (aeronaves de 78 a 104 assentos) e o turboélice Q Series (60 a 90 assentos). No segundo, está posta a venda de todo o segmento de aviação comercial da Embraer”, salienta o Dieese.
De acordo com a instituição, o jato A200 da Airbus (antes C Series, da Bombardier), que entrou em operação em 2016, tem atualmente apenas 39 aeronaves em voo e 402 unidades encomendadas. A aeronave concorrente da Embraer acaba de ser lançada (2018) e “já registra três aeronaves entregues e em operação, além de encomenda de 360 unidades. No momento do lançamento, portanto, a Embraer já atingiu um nível de encomendas muito próximo ao que a concorrente levou dois anos para obter”.
Segundo o Dieese “o acordo Airbus-Bombardier, que garantiu à Airbus 50,01% do projeto C-Series, assegurou a manutenção do nível de emprego de cerca de 2,2 mil trabalhadores, em Mirabel (Canadá), e a criação de novos empregos no Alabama (EUA), a fim de que as aeronaves não fossem sobretaxadas em operações de importação. Já o processo de aquisição da Embraer, além de assegurar à Boeing 80% de toda a aviação comercial da Embraer, não estabelece garantia alguma de preservação do nível de emprego no Brasil”.
Outro aspecto a ser comentado é a manutenção do segmento comercial da Bombardier, o que “lhe garante dirigir seu futuro nesse mercado e ter autonomia sobre suas instalações”. No caso Embraer/Boeing a maior parte das instalações passaria para o controle direto da Boeing, “o que evidencia não se tratar de uma joint venture, mas sim da aquisição do segmento comercial da Embraer, com vantagens explícitas para a Boeing e uma nuvem de incertezas sobre as consequências para a Embraer”, afirma o Dieese.
O documento que explicita os termos no negócio Boeing/Embraer, afirma que a golden share permanece na brasileira – golden share é uma ação diferenciada que dá à União a prerrogativa de veto a transações de transferência do controle acionário da Companhia. Porém toda aviação comercial deixa a Embraer e passa a ser vinculada a uma nova empresa (‘joint venture’) com sede no Brasil, mas que responderá diretamente à presidência mundial da Boeing. Isso significa que “o governo (brasileiro) não terá influência alguma sobre a nova empresa”, apontou o Dieese.
A instituição aponta ainda que o controle da Boeing do setor comercial e da Embraer do setores de aviação executiva e de defesa, “colocam em questão a possibilidade de sobrevivência do que restará da Embraer. A participação do segmento de defesa no faturamento da Embraer, em 2017, foi de 16%, enquanto o segmento comercial representou 58% e a avião executiva, 26%”.
Com a forma da aquisição proposta não fica definido se a Embraer terá um novo projeto próprio desde a “prancheta” até o vôo. “Caso isso não esteja garantido, trata-se, evidentemente, da extinção da aviação comercial no Brasil”, aponta o Dieese.
Outro ponto destacado é que a segmentação na verdade inviabiliza a Embraer na aviação executiva e de defesa, pois à medida compromete a busca da inovação. “Serão suficientes os 20% de participação da Embraer na joint venture para sustentar a aviação executiva, cujos projetos são tão caros quando os da aviação comercial e o custo das aeronaves é muito menor? Esse percentual será suficiente para manter o segmento de defesa relacionado diretamente à soberania nacional?”, questiona a instituição.
“Os 49 anos de investimentos da empresa em inovação não serão adquiridos gratuitamente por outra companhia, que, inclusive, é extremamente zelosa com suas próprias tecnologias, como pôde constatar o governo brasileiro quando decidiu pela compra de caças da empresa sueca SAAB, em detrimento dos caças FX da Boeing, pois esta se recusou a transferir tecnologia”, relembra o Dieese.
“A venda da Embraer não é inevitável. O governo brasileiro, como detentor da golden share, tem poder de veto”, além disso o Dieese analisa que o governo se “esquiva em aparecer como parte da negociação, ainda que lhe caiba a palavra final sobre a transação” e que “os trabalhadores, sindicatos e demais interessados nessa questão não têm podido contar com as autoridades públicas do executivo, legislativo ou judiciário – a despeito das inúmeras solicitações dos sindicatos e dos esforços do Ministério Público do Trabalho – para prover informações e estabelecer entendimentos em defesa dos empregos, da soberania e dos investimentos já realizados na produção de tecnologia”.