“Novo apagão demonstra que Maduro não pode governar o país. Chega de desculpas e mentiras”, afirmou Rafael Ramírez – que já exerceu as funções de presidente da PDVSA e foi ministro de Energia e Petróleo de Hugo Chávez – quando o país mergulhava no terceiro dia de um novo apagão sem previsões para a recuperação para a distribuição de energia e com novas acusações governamentais de que a catastrófica situação se deve a nova rodada de sabotagens.
“O povo sofre a indolência e incompetência de Nicolás Maduro. Essa fala de sabotagem é conto puro. Até quando? ”, acrescenta o ex-ministro.
Mais de 17 estados da Venezuela entram no quarto dia de apagão nesta quinta-feira (28), 18 dias depois do começo do maior blecaute da história do país, quando os venezuelanos ficaram 100 horas sem energia.
DANO É GENERALIZADO
“As mercadorias estragam, não há água, o transporte quase não funciona, não há comunicação. Não sei o que acontece com a minha família, a insegurança aumenta”, afirmou à AFP Néstor Carreño, gerente de uma pizzaria de Caracas que teve que fechar as portas.
Durante as noites de terça e quarta-feira panelaços e buzinaços ecoaram pela capital do país.
Com a falta de energia que se prolonga, Ramírez questiona: “Cadê o tempo recorde para a volta da energia prometido pelo ministro da mentira [referindo-se ao ministro da Comunicação], Jorge Rodriguez?”
“A crise elétrica”, diz o ministro de Chávez, “escapou das mãos do regime de Maduro. A população, em questão de duas semanas, vê a energia desaparecer e sobrevir novo apagão que, segundo especialistas, é mais dramático desde o ponto de vista técnico do que o que começou na quinta-feira, 7 de março e se estendeu por 100 horas”.
“Maduro deverá responder não apenas pelas novas mortes que está acarretando nos hospitais e pronto-socorros, também pelo desgaste e insegurança aos quais está submetendo 32 milhões de cidadãos, esgotados por uma crise econômica de dimensões dantescas e uma qualidade de vida similar à dos países em guerra”, acrescentou.
MADURO É RESPONSÁVEL
Ramírez tem insistido em que Maduro e sua equipe são os únicos responsáveis pela situação precária do setor elétrico que vem dando mostras de incapacidade para atender uma demanda mesmo a retraída pela resseção prolongada que aflige o país e que para sair da crise é necessário que “uma Junta Patriótica comprometida com o povo assuma o governo da Venezuela”.
Durante o primeiro apagão ele já destacava que “este colapso sucede apesar de que a demanda elétrica nacional teve uma queda significativa, de um máximo de 18.600 MW em 2011 a menos de 13.600 MW atualmente, justamente pela retração da economia acumulada em mais 50% do PIB neste período, de tal forma que, se estes sistemas estivessem bem mantidos, deveriam ser suficientes para garantir ao menos esta demanda reduzida”.
Com base em seu conhecimento sobre o funcionamento do sistema, Ramírez adverte que o mais grave é que estes tipos de situações tendem a repetir-se e, inclusive, podem chegar a um colapso que condene o país a um apagão muito mais prolongado e posteriores racionamentos cada vez mais severos.
“O terrível é a irresponsabilidade com a qual o madurismo maneja uma crise tão grave, já que só se limita a dar explicações ridículas, como a da sabotagem eletromagnética, para eludir sua exclusiva culpa pelo que está acontecendo. O regime não explica ao país o que realmente ocorre e se há planos de contingência para gestionar as consequências desta debacle”, denuncia o ex-ministro chavista.
ÊXODO DE ENGENHEIROS E TÉCNICOS DA CORPOELEC
Ele também ressalta que mais de 50% do pessoal, especialmente engenheiros e técnicos, saíram da empresa estatal de energia, a Corpoelec, “em um êxodo massivo” pelos baixos salários e deterioração da empresa e das condições de trabalho, inclusive alguns já estão exilados. “A Corpoelec tornou-se uma bomba-relógio, não apenas pelo desconhecimento dos que ficaram nos postos de mando, como pela direção de um ministro incompetente e desconhecedor da matéria”, esclarece.
Ao suspender as atividades de trabalho e escolares por novo período, Maduro disse repudiar outros supostos “ataques terroristas” acontecido na terça-feira, pela tarde, prejudicando o sistema de telecomunicações e o metrô da capital. “O sistema elétrico nacional sofreu dois vis ataques terroristas por mãos violentas que trouxeram profunda perturbação à população”, declarou Maduro em comunicado ao país.
Segundo ele o “governo está envidando todos os esforços para que o serviço elétrico do país será restituído assim que seja possível e ordenou todas as manobras para conduzir à manutenção da segurança cidadã e a tranquilidade pública”.
A SUPOSTA ‘SABOTAGEM’
Maduro afirma ainda que “um evento desta natureza jamais havia acontecido na história do sistema eléctrico venezuelano” e responsabilizou “cúpulas belicistas que formam um emaranhado militar, financeiro e midiático dos que exercem o poder nos Estados Unidos”.
A sabotagem é possível, ainda mais com o que se sabe da atuação norte-americana quando quer derrubar um governo, o que tem sido repetidamente afirmado pela Casa Branca. Mas ocorre que Maduro não explica como, uma subestação que é órgão decisivo no funcionamento do sistema elétrico do país, fica exposta, com todo o sistema da empresa Corpoelec sob vigilância militar, como anunciou o próprio presidente. Como teria sido possível logo depois de uma suposta “sabotagem cibernética de origem em Houston, nos Estados Unidos”, uma nova sabotagem, desta vez com explosivos no local. O governo venezuelano também não mostrou nada dos equipamentos usados para acionar os explosivos, ou coisa que o valha.
ENGENHEIRO DE SISTEMAS CORROBORA RAMÍREZ
Na denúncia das bem mais plausíveis causas do colapso do sistema elétrico venezuelano – falta de manutenção preventiva, o que é obrigatório para a preservação de sistemas elétricos destas dimensões em funcionamento – juntou-se a Ramírez, o engenheiro José Aguilar, que foi coordenador do programa de doutorado em Ciências Aplicadas da Faculdade de Engenharia da Universidad de Los Andes, ULA, (2012 – 20016), chefe do Departamento de Computação da Escola de Engenharia de Sistemas da Faculdade de Engenharia da ULA (2011-2014) e atuou como professor de engenharia de sistemas da ULA neste período e atua hoje como analista de geração de energia elétrica e consultor de risco.
Aguilar desmente categoricamente a tese da sabotagem. Ele explica que “a falha registrada foi ocasionada por um incêndio na hidroelétrica de Guri e se deveu a que não foi substituída uma peça de reposição que estava em um depósito da Corpoelec. “A peça”, diz ele, “vale cerca de 15 mil dólares, mas o custo da reposição de todo o transformador, além de outras partes danificadas em uma das principais subestações que atendem ao sistema de Guri deve ter um custo de 5 milhões de dólares”.
O engenheiro qualificou o dano de uma “falha catastrófica” que causou o incêndio do transformador e chamou a atenção para enquanto não se faz a reposição total, “não podem agora falhar os outros transformadores que nos restam e permitem passar energia das unidades de Caruachi e Macagua. É torcer para que estas subestações não falhem, pois enquanto se está consertando a que está danificada, não se pode fazer manutenção nestas duas outras”.
“Compatriotas, respeitosamente senhor ministro Jorge Rodriguez, penso que o senhor está desinformando acerca do mecanismo da falha que é outro daquilo que está descrevendo [referindo-se à alegação de sabotagem]. Por não substituir uma peça no valor de US$ 15 mil, agora se perde equipamento de US$ 5 milhões”, declara o engenheiro.
“O GATO SUBIU NO TELHADO”
“Quero deixar claro que esta não é uma análise política. Sempre me oponho às coisas malfeitas, seja quem quer que as façam. Quando fizerem bem as coisas eu reconhecerei”, acrescenta, para finalizar dizendo que “agora se perde um equipamento valioso e a Venezuela fica sem luz por falta de manutenção. O gato subiu no telhado. Quantas falhas mais e quantas mortes em hospitais ainda precisam ocorrer?”
Permito-me aqui observar que a afirmação da necessidade de reposição de peça a que se refere José Aguilar é uma conclusão crível e só pode ser detectada através de testes de uma rotina especificada pelo fabricante.
Se estas rotinas não são realizadas nos tempos e nas especificações previstas, a subestação passa a correr riscos, inclusive de explosão, como – de acordo com o engenheiro – foi o que aconteceu em Guri.
De fato, basta isso para causar um dano das dimensões do que ocorreu por lá. Ocorre que, se não houver manutenção preventiva cuidadosa, não precisa de nenhuma sabotagem para detonar o sistema. A falta de manutenção preventiva já configuraria, por si só, uma sabotagem.
Portanto, tais verificações é que vão detectar, entre outras fontes de risco, o nível da resistência dielétrica do óleo isolante no qual ficam mergulhados os rolamentos do transformador; o correto e preciso funcionamento dos relés Bucholz, específicos dos transformadores e que – na presença de gases formados por pequenos curtos-circuitos no interior do transformador – são acionados e desligam o transformador prevenindo a sua explosão; assim como deficiências no isolamento da fiação que compõe o rolamento do transformador.
Sobre estes testes de rotina, basta o exemplo dos realizados com o transformador desligado, e que ocorriam periodicamente nas subestações do Polo Petroquímico de Camaçari, e eram feitos por uma equipe sob minha supervisão, no período em que trabalhei na empresa. Estes e outros testes no sistema elétrico, incluindo verificação de funcionamento dos relés de proteção nos painéis das entradas de energia das 52 fábricas do Polo Petroquímico de Camaçari eram realizados sob a coordenação da equipe de engenheiros e técnicos da Ceman, Central de Manutenção de Camaçari. Nunca houve uma explosão que danificasse qualquer parte do complexo e sensível sistema elétrico do Polo Petroquímico de Camaçari.
NATHANIEL BRAIA