O vereador bolsonarista Rubinho Nunes (União) deu início a mais uma ação higienista e aporofóbica na cidade de São Paulo. Depois da perseguição ao padre Júlio Lancellotti, ele aprovou em primeiro turno um projeto de lei que prevê multa de R$ 17 mil a quem doar comida a moradores de rua.
O PL 0445/2023, apresentado por Rubinho à Câmara Municipal em agosto do ano passado, cria uma série de barreiras, que, se aplicadas, inviabilizam as ações de ONG’s e de cidadãos que doam alimentos às pessoas em situação de vulnerabilidade na cidade de SP. As razões apresentadas pelo higienista ao comemorar a aprovação do projeto – em uma votação que durou 34 segundos – deixam claro o seu objetivo: perseguir os moradores de rua e aqueles que os auxiliem.
No caso de pessoas jurídicas, de acordo com o texto, apenas entidades formalmente constituídas com CNPJ e quadro administrativo informado à Prefeitura poderão distribuir alimentos aos sem-teto. As entidades, segundo o projeto, deverão fazer a limpeza do local onde será feita a entrega e terão que montar mesas e cadeiras.
Na justificativa do projeto, Nunes diz que a medida busca dar maior segurança, qualidade e transparência às ações assistenciais, e que a exigência de autorizações prévias para fazer as doações “garante que as atividades sejam realizadas por entidades idôneas”. Como se a idoneidade do vereador, que está sendo investigado pela Polícia Civil por abuso de poder, não fosse também questionável.
“Além do mais é dever do município cuidar da zeladoria urbana e a vedação de distribuição de alimentos impróprios para consumo, visando preservar a higiene e a saúde dos beneficiários”, afirma o parlamentar, mais uma vez demonstrando sua aversão aos pobres.
Em dezembro do ano passado, o parlamentar propôs a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as entidades sem fins lucrativos que atuam com a população em situação de rua na capital e que recebem recursos públicos da Prefeitura de São Paulo. Sem citar nominalmente o padre Júlio, a CPI, na verdade tinha o pároco como alvo. Lancellotti, da Pastoral do Povo Rua, desenvolve há anos ações de ajuda e acolhimento a essas pessoas. Seu trabalho já foi, inclusive, elogiado pelo Papa Francisco, que lhe telefonou para manifestar apoio.
O vereador acusa o religioso de fazer parte da “máfia da miséria” e de ganhar politicamente com as ações sociais que pratica. Criticada por diversos setores da sociedade, a CPI não foi aberta e resultou em um “tiro no pé” do proponente. A Polícia Civil abriu inquérito para investigar se Rubinho cometeu abuso de autoridade contra o religioso.
PROJETO APOROFÓBICO
O padre Julio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua de São Paulo disse em entrevista ao g1, que o projeto de lei é uma forma de tentar punir a população carente. “É mais um projeto aporofóbico, de punição aos pobres e daqueles que estão a seu serviço’.”
A votação do projeto sem qualquer discussão com os parlamentares foi alvo de repúdio nas redes sociais e pela oposição ao prefeito Ricardo Nunes na Câmara dos Vereadores. As bancadas do PT e PSol manifestaram seus votos contrários à política higienista.
A vereadora Luna Zarattini (PT), considerou o projeto inaceitável. “Nós da oposição estamos tomando as medidas necessárias para que esse projeto não seja levado para 2ª votação”, disse.
Em conversa com o HP, a voluntária Andrea Lago, que atua há mais de 10 anos no auxílio à população em situação de vulnerabilidade, disse que o projeto tem como objetivo dificultar o trabalho das ONGs e voluntários. “Eles querem que a gente faça um trabalho de zeladoria, monte mesas e cadeiras… Nós saímos de madrugada, não dá pra fazer isso”, explicou.
INCONSTITUCIONAL
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo disse nesta sexta-feira (28), por meio de nota, que a projeto é inconstitucional.
“Se todos são iguais perante à lei e aos poderes públicos constituídos, não pode o Município se sobrepor às relações humanas e às relações interpessoais. Desta forma, a Câmara não pode, em hipótese alguma, proibir que pessoas doem a outras pessoas, seja alimentos, bens ou afetos.”
A Comissão Permanente de Direitos Humanos da OAB-SP aponta que a proposta, configura ” uma ação de abuso de poder por parte da Câmara ao requerer que doadores e pessoas atendidas tenham que solicitar autorização para tal ato.”
Nas redes sociais, o repúdio ao projeto foi geral.