
Um projeto de lei apresentado pela vereadora bolsonarista Sonaira Fernandes (PL) visa proibir a Prefeitura de São Paulo de comprar alimentos produzidos por assentamentos da reforma agrária ou por cooperativas ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
A proposta, que tramita na Câmara Municipal sob o número PL 9/2025, tem como alvo direto os produtos provenientes dessas iniciativas, hoje importantes fornecedoras de alimentos para programas públicos da cidade.
Segundo o texto, ficaria vedada a aquisição de produtos agrícolas e pecuários oriundos de “terras ocupadas”, mesmo nos casos em que há produção organizada por famílias assentadas ou decisões judiciais que garantem a posse dos territórios. Na prática, o projeto ataca diretamente a agricultura familiar e os programas de fornecimento de alimentos saudáveis para a população, especialmente nas escolas públicas.
A justificativa apresentada por Sonaira segue o discurso ideológico da extrema-direita, alegando “respeito à propriedade privada”, “garantia da ordem jurídica” e “combate à insegurança no campo” — ignorando completamente a legalidade dos assentamentos da reforma agrária e a relevância das cooperativas populares na segurança alimentar da população urbana.
O projeto está atualmente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, sob relatoria do vereador Dr. Milton Ferreira (Podemos). Até o momento, não obteve votos suficientes para aprovação e encontra-se suspenso. Ainda assim, a proposta voltará à pauta no segundo semestre.
Desde 2015, durante a gestão de Fernando Haddad (PT), a Prefeitura de São Paulo passou a adquirir alimentos produzidos pela reforma agrária por meio de iniciativas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do governo federal. Naquela ocasião, foram comprados produtos de cerca de 600 agricultores familiares localizados em regiões como Parelheiros, Juquiá, Promissão, Guareí, Presidente Epitácio, Biritiba Mirim, entre outras.
A bancada de oposição, aponta que a medida é inconstitucional e fere o direito à alimentação. “A proposta de proibir a aquisição de produtos agrícolas ou pecuários produzidos em terras ocupadas, a meu ver, é inadmissível”, afirma o vereador Jair Tatto (PT). “Além disso, vai contra a legislação, levando-se em conta que está garantido que sejam utilizados alimentos orgânicos e de base agroecológica na alimentação escolar”.
Para o parlamentar, a iniciativa “afronta a quem está na luta contra a fome aqui na cidade”. Ele ressalta que “a agricultura familiar e os produtos da reforma agrária são meios importantes para solucionarmos esse grave problema”.
“Esse projeto visa criminalizar quem luta pela reforma agrária. Se aprovado, representará um grande retrocesso”, diz Sílvia Ferraro, da bancada feminista do PSOL. “Sobretudo para a agricultura familiar, que é uma importante fornecedora de alimentos para unidades escolares e é parte de processos de disputa e ocupação legítima de terras”, continua Sílvia.
A proposta está sob análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), com relatoria do vereador Dr. Milton Ferreira (Podemos). Caso receba parecer favorável, seguirá para votação no plenário da Casa.
Pelas redes sociais, a população também criticou a iniciativa ao repercutir uma reportagem do Metrópoles sobre o assunto. “Esse partido PL é só atraso na vida do povo”, disse um internauta. “PL só quer destruir o país”, apontou outra leitora. “Se a gente não fizer nada, o PL vai destruir o Brasil”, alertou mais uma internauta. Outro usuário defendeu a legalidade dos produtos advindos da agricultura familiar: “Se o produto é oriundo da reforma agrária, é algo respaldado na lei. Ninguém faz reforma agrária sem amparo legal”.
Projeto semelhante também está em análise na Câmara Municipal de Curitiba. Proposto pelo também bolsonarista vereador Eder Borges (PL) em fevereiro último, a iniciativa visa impedir a aquisição de alimentos produzidos por assentamentos do MST com recursos públicos. A alegação é de que as ocupações de terra podem se enquadrar em invasão de propriedade, citando o artigo 150 do Código Penal, que trata do tema. A proposta ainda está em análise nas Comissões de Direitos Humanos e de Constituição e Justiça antes de ser votada em plenário.
“O Poder Executivo não deve compactuar com organizações que buscam vantagens por meio de atos criminosos”, ataca o autor. “É de competência federal que as tratativas sobre a reforma agrária sejam efetivas, para, então, a partir da legitimidade jurídica, poderem contrair vantagens lícitas”, justifica Borges.
“Os movimentos sociais não invadem terras e, sim, ocupam terrenos considerados improdutivos, a fim de chamar a atenção para a democratização da terra, contribuindo para promover justiça social e a produção de alimentos saudáveis e orgânicos”, rebate Tatto.
Diversos programas de aquisição de alimentos, como o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) e o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), têm como base justamente a compra direta de produtores da agricultura familiar, com prioridade para assentamentos. O corte desses fornecedores teria impactos graves sobre a alimentação escolar, além de penalizar centenas de famílias que produzem de forma sustentável e legal.
As ações parlamentares que buscam impedir a compra de alimentos da agricultura familiar e de cooperativas ligadas ao MST pelo poder público têm impacto direto nas políticas de segurança alimentar e no abastecimento de programas públicos. Essas medidas afetam especialmente a população em situação de vulnerabilidade, enquanto privilegiam o agronegócio.
Organizações como o MST, o MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores) e diversas cooperativas têm desempenhado papel central na produção de alimentos livres de agrotóxicos e na construção de mercados locais, inclusive em parceria com prefeituras e escolas.