O vice-presidente do parlamento alemão, o liberal Wolfgang Kubicki, pediu ao ministro das Relações Exteriores, Heiko Maas, que imediatamente declare o embaixador norte-americano em Berlim, Richard Grenell, “persona non grata” por suas repetidas interferências nos assuntos internos da Alemanha.
“O fato de que o embaixador dos EUA mais uma vez interfere em questões políticas da soberana República Federal não pode mais ser tolerado”, afirmou Kubicki. “Qualquer um que, como diplomata dos EUA, aja como alto comissário de uma potência de ocupação deve aprender que nossa tolerância também tem limites “, postou no Facebook.
Na véspera, Grenell havia criticado Berlim por se afastar da meta de Trump para Otan de gasto de 2% do PIB em defesa, diante do orçamento anunciado para o próximo ano. “Reduzir suas já inaceitáveis contribuições à prontidão militar é um sinal preocupante da Alemanha para os 28 aliados da Otan”, tuitou o discípulo de Trump na capital alemã.
Pela proposta do orçamento do governo Merkel, apresentada pelo ministro das Finanças Olaf Scholz, o gasto com defesa irá subir para 1,37% do PIB no curto prazo, mas voltará a declinar no médio prazo.
A exigência de ampliar o gasto militar na Otan para 2% do PIB dos países membros é parte da política de Trump de forçá-los a pagar mais pela ocupação, especialmente comprando armas de fabricação norte-americana. Afinal, se o aumento do gasto militar não for usado na compra de armas norte-americanas, qual a graça para o complexo industrial-militar sobre o qual o presidente Eisenhower já advertira? A outra medida em estudo por Washington é cobrar o “custo das tropas” + 50%.
Empossado embaixador em maio do ano passado, Grenell deflagrou um escândalo poucas horas depois de assumir o cargo, ao exigir das empresas alemãs com negócios no Irã que encerrassem “imediatamente as operações” – logo após Trump haver rasgado o tratado com Teerã 6 +1 aprovado pelo Conselho de Segurança da ONU e fiscalizado pela Agência Internacional de Energia Nuclear.
“Conforme o @realDonaldTrump disse, as sanções dos EUA visarão setores críticos da economia do Irã. Companhias alemães que fazem negócios no Irã deveriam encerrar as operações imediatamente”, tuitou Grenell.
Desde então, não parou de interferir nos assuntos alemães, da ameaça de sancionar as empresas alemães que participam do projeto do gasoduto Nord Stream 2 às pressões contra a Rússia, passando pelo apoio explícito à extrema direita europeia.
Em maio de 2018, Wolfgang Ischinger, um enviado alemão aos EUA aposentado, já o alertara sobre a inconveniência de tal atuação.
“Meu conselho, depois de uma longa carreira de embaixador: explique as políticas do seu próprio país e faça lobby no país anfitrião”, tuitou o diplomata, acrescentando: “Mas nunca diga ao país anfitrião o que fazer se quiser ficar longe de problemas”.
Com 35 mil soldados norte-americanos em solo alemão desde o final da II Guerra Mundial, dezenas de bases e até bombas nucleares, Grenell deve ter achado dispensável os conselhos de Ischinger .
O ex-primeiro-ministro alemão, Gerhard Schroeder, também classificou de “insultante” o tratamento dado pelo enviado de Trump ao país anfitrião. “Não podemos aceitar ser tratados como um país ocupado. Quando vejo o comportamento do embaixador dos EUA na Alemanha, tenho a impressão de que ele se vê como um oficial de ocupação, em vez de um embaixador em um país soberano”, sublinhou.
Outro dirigente da coalizão no poder na Alemanha, o social-democrata Carsten Schneider, acusou Grenell de manter um tom e estilo intoleráveis entre aliados próximos. “Tudo lembra a postura de um capanga”, apontou, chamando-o de “desastre diplomático total”. Schneider acrescentou que o embaixador norte-americano, com suas “repetidas e toscas provocações”, prejudica “as relações transatlânticas”.
Em outro episódio, carta enviada por Grenell a várias empresas alemães, ameaçando com sanções por apoiarem o gasoduto Nord Stream 2, foi descrita pelo ministério alemão das Relações Exteriores como uma “provocação”, segundo o jornal Handelsblatt. A pressão é para forçar os alemães a desistirem do gás seguro e barato russo via gasoduto, em favor do gás norte-americano mais caro e transportado por navio.
No início do mês, a mídia registrou que Grenell havia advertido o ministro da Economia alemão, Peter Altmaier, de que Washington limitaria o compartilhamento de dados com o governo alemão se a gigante de telecomunicações chinesa Huawei não fosse banida da disputa das redes de alta velocidade 5G.
A própria primeira-ministra Angela Merkel precisou vir a público dizer que a Alemanha não irá excluir a Huawei ou outras empresas das redes 5G. Ela afirmou que os europeus não pensam em excluir um provedor “per se”, porque vem de um determinado país. “Você quer dar a todos uma chance – mas também não pode o só se for ‘de olho azul’. Até agora, muitos países usaram a tecnologia da Huawei, apesar de na tecnologia 5G os sistemas serem muito mais complicados”.
Na entrevista, o veterano Schroeder pediu ainda laços mais estreitos entre a Alemanha e a China, dizendo que isso ajudaria a combater as agressivas políticas comerciais de Trump. Ele advertiu contra a demonização de Pequim e argumentou que, para os europeus, os investimentos chineses eram preferíveis ao “gafanhoto” americano – um termo usado por seu companheiro de partido, Franz Muentefering, para descrever as empresas financeiras dos EUA.
Da vizinha França, a ministra francesa da Defesa, Florence Parly, também rechaçou as pressões do governo Trump. Ela afirmou que “a cláusula de solidariedade da Otan é chamada artigo 5, não artigo F-35”. O que é uma referência à exclusão do caro e problemático F-35 da disputa para a renovação da frota de caças europeus de última geração, o que contraria Washington. Parly acrescentou que a Otan não deve estar “condicionada ao fato de que os aliados compram este ou aquele equipamento”.
A.P.