Vínculos do bolsonarismo com o crime levaram à trama de Derrite para enfraquecer a Polícia Federal

Tarcísio de Freitas e Ney Santos, elemento ligado ao PCC - Foto: Pablo Jacob/Governo do Estado de SP

As últimas operações da corporação mostraram ligações entre organizações criminosas e o seu braço político nos estados e no Congresso

Recentemente o Brasil assistiu estarrecido a uma cruzada do bolsonarismo contra a Polícia Federal. O bolsonarista Guilherme Derrite, secretário de Segurança de Tarcísio de Freitas, se licenciou do cargo que ocupava no estado para assumir a Câmara dos Deputados com o único objetivo de deturpar completamente o projeto de lei do governo Lula de combate contra as facções criminosas que atuam no país.

MISSÃO ERA ESVAZIAR A PF

O alvo central de Derrite, que assumiu a relatoria do projeto do Planalto, por indicação de Hugo Motta, presidente da Câmara, foi exatamente manietar a Polícia Federal. Suas três principais metas eram, primeiro, impedir que a PF investigasse as facções sem autorização dos governos estaduais, segundo, tentou retirar recursos que garantissem o funcionamento da PF e blindou os bandidos atrapalhando o arresto de bens das organizações criminosas.

Muitas operações da PF eram exatamente contra os esquemas criminosos nos estados. Ter que pedir autorizações aos governadores para agir era sinônimo de parar as investigações. Nada mais favorável aos bandidos. Estrangular financeiramente a PF é outro sonho dos chefes das facções. Afinal, nos últimos meses a PF deu golpes duros no crime organizado, principalmente nos esquemas de lavagem do dinheiro dessas organizações. Atrapalhar o arresto de bens dos criminosos é praticamente um acumpliciamento com as facções. A PF estava incomodando muita gente nos últimos tempos.

Quando ficou claro o empenho dos bolsonaristas para enfraquecer a PF, o país se deu conta que aqueles mesmos políticos corruptos que queriam blindar os seus pares, dificultando e até impedindo a investigação dos crimes do colarinho branco, estavam agora empenhados de corpo e alma – como demonstrou a ação de Derrite – em proteger os chefões do crime organizado e enfraquecer a Polícia Federal. Não era por acaso o ódio à PF. As operações da PF estavam puxando os fios e trazendo a público os novelos das ligações dessas facções com os seus braços políticos.

IMPUNIDADE DO PCC

A rixa com a Polícia Federal por parte de grupos bolsonaristas já havia se intensificado após a exitosa operação Carbono Oculto, comandada pela corporação, que desmantelou o esquema financeiro do PCC (Primeiro Comando da Capital), facção que controla, sem ser muito molestada, os presídios, o tráfico, o contrabando e demais crimes em São Paulo.

Só para se ter uma ideia de como essa facção age impunemente no estado, recentemente um ex-integrante da facção resolveu delatar o esquema de lavagem de dinheiro do grupo e foi assassinado por integrantes da própria polícia, numa emboscada no Aeroporto de Guarulhos.

A Operação Carbono Oculto identificou um gigantesco esquema de lavagem do crime organizado envolvendo bancos, fundos e empresas de combustíveis. Na investigação das fraudes financeiras no Banco Master, durante a Operação Compliance Zero, constatou-se que o banqueiro fraudador Daniel Vorcaro, preso em seguida, recebeu investimentos de fundos investigados por elos com o PCC e de órgão estaduais.

Durante as investigações detectou-se também que houve uma doação de R$ 3 milhões para o então candidato a governador Tarcísio de Freitas feita pelo cunhado do dono do Banco Master, Fabiano Campos Zettel. O cunhado do banqueiro, que também é pastor, não só foi o maior contribuinte individual de Tarcísio de Freitas como também despejou mais R$ 2 milhões na campanha de Jair Bolsonaro à Presidência.

VORCARO E A LAVAGEM

As conexões financeiras de Vorcaro e seu cunhado com o crime organizado aparecem nas investigações do fundo Hans 95. O fundo é ligado a Vorcaro e se tornou alvo central da PF na Operação Carbono Oculto. A suspeita é de uso de uma rede de fundos para lavar recursos do PCC por meio de operações blindadas – fundos fechados, poucos cotistas e estruturas em cascata que escondiam os beneficiários finais.

Um dos eixos das investigações era a compra de ativos do Banco Master pelo fundo Hans 95 e fundos sob seu controle. Só o fundo Hans 95, da Reag, aplicou R$ 124 milhões em CDBs do Master em 2024. A estrutura se aprofunda com fundos subordinados: o Astralo 95 detinha R$ 622 milhões em títulos do Master em março de 2025, sendo 95% de suas cotas controladas pelo Hans 95. Desse total, R$ 436 milhões estavam em CDBs e R$ 186 milhões em crédito privado.

Aí surgem mais coincidências. Uma rede de fundos ligados ao Master adquiriu uma mansão para Vorcaro em Brasília. O fundo Termopilas, investigado por suspeita de ligações com o PCC, aportou R$ 1,65 bilhão na empresa Super Empreendimentos – empresa sem atividade conhecida – dona do imóvel calculado em R$ 36,1 milhões. Outra coincidência: o cunhado de Vorcaro, Fabiano Zettel, foi diretor da Super Empreendimentos entre 2021 e 2024. Ele nega que a empresa tivesse investimentos ligados ao fundo Hans 95 durante sua passagem pela diretoria, mas dados públicos mostram que o Hans 95 já dominava a maior parte do capital da Super em 2024.

GOLPE DE R$ 12,5 BILHÕES

As teias que ligam o bolsonarismo ao crime organizado não param por aí. Outros dois bolsonaristas de carteirinha tentaram interferir para garantir que o Banco Master, responsável por uma fraude gigante de R$ 12,5 bilhões, fosse vendido na calada da noite para o Banco Regional de Brasília (BRB), numa operação criminosa de “salvamento” do Master. Um terceiro personagem, o governador do Rio, o bolsonarista Cláudio Castro, autorizou que o fundo Rioprevidência, dos servidores estaduais, aplicasse R$ 1 bilhão em papéis do banco às vésperas da liquidação da arapuca.

O governador de Brasília, Ibaneis Rocha, que autorizou a operação do BRB com o Master, está devendo e até hoje não explicou porque autorizou uma negociata criminosa do banco público do DF com um banco fraudulento e quebrado. O outro bolsonarista envolvido no escândalo foi o senador Ciro Nogueira, do Piauí, que pressionou pela demissão do diretor do Banco Central após a negociata ter sido barrada.

Agora, a Operação “Poço de Lobato”, liderada pela Receita Federal e por órgãos estaduais paulistas e de diversos municípios brasileiros, deflagrada na quinta-feira (27), atingiu 190 alvos ligados ao Grupo Refit, dono da antiga refinaria de Manguinhos, no Rio de Janeiro. O grupo é apontado como um dos maiores devedores de impostos do país. A operação atingiu em cheio o esquema criminoso formado por sonegadores contumazes de impostos que lavavam dinheiro de facções. Os investigadores bloquearam mais de R$ 10,2 bilhões em bens dos envolvidos.

REFIT ERA LAVANDERIA

Ricardo Magro, o bilionário e magnata dos combustíveis, dono da Refit, tem uma mansão em Nova York. Em 13 de maio deste ano, no Fórum Veja Brazil Insights New York, promovido pela revista da Editora Abril, ele era o centro gravitacional no salão do evento do qual seu Grupo Refit era o patrocinador master. Suas ligações com a política ficaram escancarfadas.

O empresário, dono da Refinaria de Manguinhos, no Rio, assistiu às palestras sentado em uma mesa com seu advogado, Tiago Cedraz, o governador Cláudio Castro (PL), do Rio – estado ao qual as empresas de Magro devem bilhões de reais –, e Daniel Maia, presidente da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a entidade encarregada de regular o setor em que Magro atua há décadas.

Logo após a Operação Carbono Oculto, da Polícia Federal, contra o Primeiro Comando da Capital (PCC), ficou claro que o Grupo Refit também fazia parte do esquema criminoso de lavagem de dinheiro usado pelo crime organizado em vários estados. A Operação da PF, que apreendeu quatro navios e 180 milhões de litros de combustível, obrigou o Congresso Nacional a se mexer e apressar a tramitação de um projeto de lei reconhecendo a existência do “devedor contumaz”, figura que se diferencia do devedor eventual.

Os investigadores que deram continuidade à Carbono Oculto apontam que o PCC chegou a controlar 40 fundos de investimento, com patrimônio superior a R$ 30 bilhões, usados para lavar dinheiro, blindar patrimônio e financiar a compra de ativos estratégicos, como quatro usinas de álcool, 1.600 caminhões de transporte e mais de cem imóveis de alto valor.

SABOTAGENS NO CONGRESSO

A nova operação acabou, mais uma vez, desmascarando a sabotagem de setores políticos do bolsonarismo contra o país. O projeto contra o grande devedor contumaz estava engavetado na Câmara. O texto define como devedores contumazes aqueles contribuintes que têm dívida injustificada superior a R$ 15 milhões e correspondente a mais de 100% do seu patrimônio. Era fundamental a sua aprovação o mais rapidamente possível para a eficácia do combate à lavagem de dinheiro do crime organizado.

Em 30 de outubro, a pedido do governo Lula (PT), a Câmara havia aprovado a tramitação em regime de urgência do projeto, o que diminui o número de etapas necessárias para análise do texto. O projeto foi apresentado pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e aprovado pelo Senado em 2 de setembro, após a operação Carbono Oculto. Desde então, mesmo com a urgência aprovada, nem mesmo o relator havia sido indicado na Câmara dos Deputados, onde o projeto se encontra parado. Mais uma vez a blindagem ao crime estava funcionando.

Segundo os investigadores dos crimes do Grupo Refit, o esquema causou prejuízo de R$ 26 bilhões aos cofres estaduais e federal. A operação cumpriu mandados de busca e apreensão em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Maranhão, Bahia e Distrito Federal. No total, 621 agentes públicos participam da ofensiva, incluindo promotores, policiais civis e militares, auditores da Receita Federal e equipes das secretarias da Fazenda.

Outro aspecto revelado pelas operações, tanto a Carbono Oculto, como a Compliance Zero, assim como a última mega operação chefiada pela Receita Federal, foi a inconsistência do sistema regulatório vigente no mercado financeiro e no mercado de capitais. A movimentação de R$ 52 bilhões por uma facção criminosa infiltrada no mercado de combustíveis e no mercado de fundos de investimento sem que os órgãos de fiscalização nada digam sobre esse descalabro reflete inoperância e até conluio entre operadores e fiscalizadores. Bancos e fundos fazendo lavagem aberta para o crime, enquanto o Banco Central só pensa em aumentar os juros e asfixiar o país, é no mínimo o fim da picada.

SÉRGIO CRUZ

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