O poeta maior Aldir Blanc nos deixou na madrugada desta segunda-feira (4), aos 73 anos, vítima do Covid-19.
Suas letras geniais, que tão bem definem a complexidade humana e social, e misturam o sonho e a realidade, o sofisticado romantismo à mais escrachada visão popular da vida, “frio em minha alma” com “Band-aid no calcanhar”, humor e doçura, nos deixa o legado, nesse nosso Brasil tão fértil de grandes compositores, de um dos maiores de todos os tempos.
E nos faz lembrar, nesse tempo grave por que passa o Planeta e, em particular, o nosso país, governado, nesse momento de gravidade, por um boçal, que “chora a nossa pátria”, que “choram Marias e Clarices”, mas que a “esperança” é “equilibrista” e que “o show de todo artista tem que continuar”.
As citações são da sua música mais famosa, em parceria com João Bosco, “O bêbado e a equilibrista”, que fala das viúvas dos mortos pela Ditadura, dos exilados, e se tornou um hino de resistência que, infelizmente, volta novamente a ser tão atual no Brasil em tempos de coronavírus e Bolsonaro.
A obra musical de Aldir Blanc é vasta e seu repertório passa por preciosidades feitas em parceria com dezenas de músicos, mas alguns encontros de vida, como com João Bosco, Elis Regina e Moacyr Luz, foram marcantes na trajetória do artista.
Embora já tivesse na bagagem uma história de sucessos em festivais da canção, no movimento universitário e músicas gravadas por artistas como Clara Nunes e MPB-4, a primeira música de Aldir em parceria com João Bosco, “Agnus Sei” (Ah, como é difícil tornar-se herói/ Só quem tentou sabe como dói/ Vencer Satã só com orações), de 1981, já trazia na veia o protesto e a consciência histórica e social que marcariam algumas canções da dupla e a história da MPB, como a já citada “O bêbado e a equilibrista” e “O mestre-sala dos mares”, além de canções de humor único e satírico, crônicas suburbanas afiadas na navalha, a ironia do mundo romântico, mas tão cruel, como em “Dois pra lá dois pra cá” ou “Bala com bala”.
E aí entra a grande Elis Regina que, afoita, sensível e certeira como era ao desbravar compositores e suas músicas magistrais, profundas e intensas, não deixou escapar quase nenhuma da dupla de artistas e as imortalizou como ninguém mais poderia fazer.
Passando por parcerias não menos importantes e de talentos inestimáveis, como Guinga, Cristóvão Bastos – de “Resposta ao tempo” (Respondo que ele aprisiona/ Eu liberto/ Que ele adormece as paixões/ Eu desperto) – Carlos Lyra, Maurício Tapajós, Edu Lobo, Sueli Costa, Paulinho da Viola, Djavan, Ivan Lins, Vitor Martins, Silvio da Silva Júnior, entre outros, a dupla com Moacyr Luz foi uma das mais profícuas.
Amigos, vizinhos do mesmo prédio no tradicional bairro de Vila Isabel, no Rio, Aldir e Moacyr Luz deram asas ao talento em mais de cem canções, como “Anjo da velha-guarda”, “Feito o mar” e “Medalhas de São Jorge”.
Ao saber da morte do parceiro, Moacyr Luz declarou que Aldir “era imortal”, e definiu: “Sabia de tudo do vagabundo e do professor”. Para João Bosco, “não existe João sem Aldir”. E completa: “perco o maior amigo, mas ganho, nesse mar de tristeza, uma razão para viver. Quero cantar nossas canções até onde eu tiver forças. Estou aqui para fazer o espírito do Aldir viver. Eu e todos os brasileiros tocados por seu gênio”
ANA LUCIA
Excelente