“Foi muito complicado. Eu precisava pagar contas e não tinha como pagar”, lembra professora
Reportagem de Arthur Guimarães, da revista Piauí, publicada nesta terça-feira (17), traz depoimentos de vítimas da quadrilha de Pablo Marçal em Goiás, estado de origem do forasteiro que disputa hoje a prefeitura de São Paulo.
As declarações mostram o drama de pessoas que tiveram todo o seu salário roubado e desmentem a afirmação feita pelo meliante, durante o debate onde apanhou, de que nunca tinha tirado dinheiro de ninguém.
No relato, a mulher, vítima de Marçal descreve que saiu do trabalho e foi até o endereço físico da instituição reclamar de quatro transações financeiras. No documento escrito à mão, A.C.F., hoje com 68 anos, registrou: “Venho contestar as transações abaixo discriminadas”. Depois, complementou com ar de espanto: “Por terem sido feitas por mim, nem sei como isso pode ter ocorrido”. Foram quatro desfalques de seu salário: de R$ 2 mil, R$ 1 mil, R$ 340 e outro de R$ 1.310.
A reportagem da Piauí diz que a Polícia Federal (PF) acabou descobrindo que a retirada online do dinheiro da conta da docente potiguar foi feita por uma quadrilha especializada em fraudes bancárias, cujo núcleo ficava em Goiânia, cidade onde atuava Marçal e sua quadrilha.
“Foi muito complicado. Eu precisava pagar contas e não tinha como pagar. Pegaram quase todo meu salário”, lembrou a professora.
O texto dá detalhes das manobras de Marçal para fugir da pena de 4 anos e cinco meses por roubo qualificado e formação de quadrilha. Hoje ele disputa a prefeitura de São Paulo por um partido acusado de ligações com a facção criminosa PCC.
“Fiquei muito nervosa”, contou a educadora, localizada na semana passada pela revista. Segundo ela, as operações que varreram R$ 4.650 de suas economias – R$ 13 mil nos dias de hoje, em valores corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA) – foram feitas de madrugada e notadas pela própria Caixa, que a chamou para ir até a agência, onde ela escreveu a carta, que terminava solicitando “ressarcimento e providências cabíveis”. A docente pediu que fossem usadas suas iniciais na reportagem, por receio de se expor.
A ligação entre o dinheiro que saiu da conta da docente e a quadrilha veio de um material apreendido com um alvo citado nos grampos como Jony. Ao aprofundar a apuração, os policiais descobriram que o nome dele não era Jony: era Jonatas Rodrigues Borges. Ele foi preso pela PF e confessou a participação no esquema. No dia da operação, ao encontrá-lo, a polícia revirou duas quitinetes em Aparecida de Goiânia.
Lá, estava uma série de aparelhos de informática em plena atividade, capturando endereços de e-mail pela internet e enviando mensagens, automaticamente e aleatoriamente, com programas maliciosos que infectavam computadores, roubando senhas e identificações bancárias. Eram essas as informações usadas, segundo a PF, para transferir dinheiro para outras contas comandadas pelos bandidos. Com Borges, segundo a Piauí, havia ainda um caderno espiral com uma lista de nomes, telefones e endereços.
Em seu depoimento no caso, Borges deu detalhes da participação de Marçal no esquema e dos diversos encontros com ele antes de ser preso. Segundo a investigação, Marçal chegou a morar em um apartamento na rua 68, no Centro de Goiânia, escritório de Danilo de Oliveira, chefão do bando, que mantinha ali uma base do grupo, inicialmente abrigando seis computadores.
Era a materialização do golpe, chave para levar o bando para o banco dos réus em primeira instância. O juiz Paulo Augusto Moreira Lima registrou que a motivação de Marçal foi o “ganho fácil de dinheiro”, o que trouxe consequências “graves”, “pois as instituições bancárias arcaram com o total do prejuízo” e as vítimas tiveram o “transtorno de ordem psicológica”, por terem que “passar pela desgastante e humilhante tarefa” de “dar explicações de que não foram elas a realizar tais pagamentos”.
Entre as pessoas físicas que tiveram os dividendos surrupiados, há pessoas pobres. G.M.G, de 71 anos, moradora do município gaúcho de Canoas, também confirmou ter sido alvo da quadrilha, que lhe tirou R$ 660 ou R$ 1,8 mil corrigidos pela inflação, montante que, disse à reportagem, fez falta naquele momento.
A investigação registra outra carta, de um correntista da cidade de Catalão, em Goiás, escrita em 24 de agosto de 2005 com caligrafia sinuosa e um português engasgado: “Eu descobri, depois que me ligaram falando que tinha voltado um cheque meu, ai eu tirei o extrato, e constatei que tinha sido feita uma transferência da minha conta”. O texto escrito por R.S.P reclamava por R$ 790, ou R$ 2,2 mil em valores corrigidos, deixando bem claro ao banco seu álibi, mas, especialmente, sua simplicidade: “E eu nunca fiz nenhuma transferência via internet ou em terminal”.