Nesta quinta-feira (25), uma das maiores tragédias ambientais do Brasil completa cinco anos: o rompimento da barragem da mineradora privada Vale na cidade mineira de Brumadinho, em Minas Gerais.
Atos públicos e protestos marcaram a data do desastre de Brumadinho, ocorrido em 25 de janeiro de 2019, quando o rompimento da Barragem do Córrego do Feijão, da mineradora Vale, deixou 272 mortos e um rastro de lama de rejeitos de minério de ferro ao longo do rio Paraopeba.
O rompimento da barragem liberou no ambiente o equivalente a aproximadamente 180 mil contêineres de metais em forma de lama tóxica que chegou a 26 municípios da Bacia do Paraopeba impactando nas condições de saúde dos moradores até hoje. Para marcar a data, atingidos de toda a Bacia participaram de um ato após a V Romaria pela Ecologia Integral no município de Brumadinho.
Durante suas falas, familiares das vítimas lamentaram decisões tomadas recentemente na tramitação do processo criminal sobre o caso. As principais frustrações envolvem a federalização do caso que desconsidera as investigações realizadas até o momento pelo Ministério Público de Minas Gerais e o recente voto favorável ao habeas corpus apresentado pelo ex-presidente da Vale, Fábio Schvartsman.
No processo criminal, 16 pessoas respondem por homicídio doloso qualificado e por diferentes crimes ambientais. São 11 nomes ligados à Vale e cinco vinculados à empresa alemã Tüv Süd, que assinou o laudo de estabilidade da barragem que se rompeu. Schvartsman é um dos réus, mas sua defesa já apresentou diferentes pedidos de habeas corpus.
Participaram do ato representantes da Associação dos familiares das vítimas e atingidos pelo rompimento da barragem em Brumadinho-MG.- AVABRUM, de parlamentares, como os deputados federais Rogério Correia (PT/MG) e Célia Xakriabá,(PSOL/MG), de integrantes do MAB, entre outras organizações de atingidos.
Integrante da coordenação do MAB no território, Jefferson Macena também afirma que a punição dos responsáveis é essencial para pautar a atividade da mineração no estado e criar um marco no país. “Precisamos agora usar a Política Nacional de Direitos dos Atingidos por Barragens (PNAB), recém aprovada, como um instrumento para cobrar nossos direitos e proteger a vida de todos os atingidos”.
Protestos promovidos por organizações da sociedade civil ocorreram em nível nacional, com pedidos de punição para todos os responsáveis por esse crime socioambiental e reparação para as famílias das vítimas e para a região atingida.
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) promoveu atos pelas ruas do país e atividades nas redes sociais, como um “Tuitaço por Reparação e Justiça”. Também houve atos públicos em frente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp), na capital paulista, no Rio de Janeiro, entre outros.
Em Brumadinho, pela manhã, foi realizada uma coletiva com familiares das vítimas e membros da Associação. Logo em seguida, um ato reunindo parentes e amigos das vítimas e atingidos aconteceu no Letreiro da entrada da cidade, com a sirene tradicionalmente às 12h28, horário do rompimento da barragem. 272 balões de gás hélio com sementes de girassóis foram soltos. A ideia é que as sementes espalhadas germinem e floresçam pela cidade representando cada uma das vítimas.
Já na Avenida Paulista em São Paulo, ocorreu uma performance em frente ao Masp. Com música, poesia e fitas vermelhas, os manifestantes saíram em cortejo pela avenida. Também, às 12h28, o grupo soou uma sirene como símbolo de alerta e pedido de justiça.
Os prédios de seis capitais, Belo Horizonte, Maceió, Recife, Belém, Rio de Janeiro e São Paulo, ganharam projeções nessa noite com fotos e frases de apoio aos direitos dos familiares, alertando para a não repetição do crime e denunciando a impunidade dos possíveis responsáveis pelo colapso da barragem em 2019 que até o momento não foram julgados.
Segundo a Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos da Tragédia do Rompimento da Barragem Mina Córrego Feijão Brumadinho (Avabrum), nenhuma das 16 pessoas acusadas por homicídio doloso, duplamente qualificado, pelo Ministério Público de Minas Gerais foi a julgamento.
Em Brasília, 272 cruzes foram colocadas sobre o gramado em frente ao Congresso Nacional, em iniciativas de parlamentares. “Das 272 vítimas fatais, 269 foram localizadas, identificadas e entregues para suas famílias. Existem três ‘jóias’, que é como a gente carinhosamente apelida as vítimas ainda não encontradas. O trabalho do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais continua”, ressaltou o deputado Pedro Aihara (Patriota-MG), bombeiro que atuou diretamente nos resgates às vítimas.
O prédio do Congresso Nacional também recebeu uma projeção de vídeo em homenagem às vítimas do crime socioambiental.
O deputado Rogério Correia (PT-MG) foi a Brumadinho participar dos “atos de memória” e criticou o fato de a mineradora Vale permanecer impune e, segundo ele, “fazendo de tudo para não indenizar devidamente os atingidos”.
Correia destacou respostas legislativas ao crime de Brumadinho, como a lei batizada de “Mar de lama, nunca mais”, aprovada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e que prevê maior rigor no licenciamento ambiental. Do Congresso Nacional, o deputado citou a nova Lei de Segurança de Barragens (Lei 14.066/20), em vigor desde 2020, e a recente legislação de proteção aos atingidos por barragens (Lei 14.755/23), sancionada em dezembro.
“Nós já temos a Política Nacional dos Atingidos por Barragens e agora vamos saber quem são os atingidos, quais os seus direitos, como eles são reconhecidos e aquilo que é preciso que estados, municípios e a própria empresa deem de garantia a esses que sofreram o crime por parte de barragens”, disse Correia.
IMPACTOS
O crime socioambiental de Brumadinho foi alvo de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) na Câmara dos Deputados, que pediu o indiciamento da mineradora Vale e da empresa alemã Tüv Süd, responsável pelo laudo de estabilidade da Barragem do Córrego do Feijão.
Posteriormente, os desdobramentos da tragédia foram acompanhados por sucessivas comissões externas da Câmara, que também serviram para a fiscalização e o testemunho dos moradores atingidos.
Em reunião de uma dessas comissões, o líder comunitário no Parque da Cachoeira, em Brumadinho, Silas Fialho, lembrou que os danos causados pelo rompimento da barragem ainda persistem. “A gente tem um livro de danos. Um livro. Não é página”, declarou.
Também ouvido por comissão externa da Câmara, o morador de Brumadinho Marcos Rezende definiu a situação da cidade como caótica diante dos efeitos à saúde mental e da permanência de metais pesados espalhados por enchentes. “Problemas como ansiedade, depressão, várias tentativas de autoextermínio, além de problemas de pele e problemas respiratórios devido à poeira do minério de ferro”, relatou.
Já a líder Pataxó Cacilda Noho deu voz ao drama das aldeias às margens do rio Paraopeba. “As comunidades indígenas pedem socorro devido à devastação que o minério e a lama contaminada deixaram dentro de nossas comunidades”, afirmou.
Também em audiência da Câmara dos Deputados, Nívea Alves contou a situação de 22 comunidades rurais de Cachoeira do Choro, às margens do rio Paraopeba, em Curvelo, a quase 200 km de Brumadinho. “O crime não matou 272 pessoas. O crime continua acontecendo e matando pessoas todos os dias.”
O drama dos atingidos foi traduzido em números por assessorias técnicas independentes. Coordenadora da Associação de Defesa Ambiental e Social (Aedas), Yasmin Vieira citou o resultado de estudo sobre contaminação ambiental e riscos à saúde em Brumadinho. “Identificamos potencial risco à saúde humana por ingestão de água subterrânea com concentração de metais pesados em 19% do total das nossas amostras”.