“Absurdo, eu não sabia”, disse Pâmela Arruda, ao falar da tentativa do Planalto. “Dizer que houve briga de duas pessoas e afirmar que o cara que morreu teria jogado pedra antes no bolsonarista e uma afronta”, acrescentou Leonardo Arruda, filho da vítima
Depois que um homem invadiu uma festa de aniversário, no último fim de semana, gritando “aqui é Bolsonaro”, e matou a tiros Marcelo Arruda, tesoureiro do PT de Foz do Iguaçu, Bolsonaro, que vem insuflando suas milícias a atos violentos, tentou se eximir do crime. Disse que não tinha nada com isso.
De forma estarrecedora, seu líder na Câmara, Ricardo Barros, disse que era uma “briga de trânsito” e o vice, Hamilton Mourão, afirmou que era um “fato corriqueiro, que acontece todo fim de semana.”
IMAGENS NÃO DEIXAM DÚVIDAS
A divulgação das imagens do bolsonarista, primeiro provocando os participantes da festa e, depois, invadindo o local com a arma na mão e atirando à queima roupa em Marcelo Arruda, que comemorava seu aniversário de 50 anos usando temas referentes à campanha do ex-presidente Lula, chocou o Brasil inteiro e desmoralizou a narrativa de Bolsonaro, de que não foi crime político. Seu discurso de ódio, sua cruzada para espalhar armas e sua insígnia de “vamos acabar com os petistas e a esquerda” havia obtido os primeiros resultados.
Segundo relato de Leonardo, filho mais velho de Marcelo, Jorge Guaranho chegou ao local da festa gritando o nome de Bolsonaro e discutiu com seu pai. “Ele [Marcelo] falou: ‘Cara, sai fora daqui. Essa aqui é minha festa, eu sou ‘polícia’. Deixa eu curtir a minha festa em paz’, e o homem [Guaranho] sacou uma arma e apontou”, contou o filho.
Desgastado pela repercussão do crime, Bolsonaro resolveu fazer um jogo macabro, típico de um psicopata, de dividir a família enlutada de Marcelo Arruda e tentar faturar politicamente.
Ligou para dois irmãos do líder petista assassinado. Fez isso depois de saber que seriam seus apoiadores. Tentou jogar uma parte da família contra a outra. Ele não ligou para o filho, nem para a viúva de Marcelo. Não houve qualquer atitude de solidariedade ou mesmo de pesar pela perda do marido e do pai. Bolsonaro só pensou em como tirar proveito eleitoral da tragédia, ou em como criar uma narrativa falsa de que o crime era culpa da esquerda e que ele não tinha nada com isso.
CRIME POLÍTICO
A versão construída por Bolsonaro junto com os irmãos da vítima seria a de que o episódio não tinha nada a ver com a eleição e que teria ocorrido apenas uma briga comum. Os dois irmãos de Marcelo, que não estavam na festa na noite do assassinato, receberam o enviado de Bolsonaro, o deputado Otoni de Paula (MDB-RJ) no Paraná. O parlamentar tentou envolver os dois, José e Luiz Arruda, na versão de que o que houve foi um crime comum. Otoni mostrou a eles uma mensagem de vídeo de Bolsonaro.
Segundo a viúva de Marcelo Arruda, Pâmela Suellen Silva, os irmãos dele não podem dizer o que aconteceu no local, porque eles não estavam lá. ‘Perdemos o Marcelo pela ignorância e pelo ódio’, diz a companheira que tentou o tempo todo, e com muito heroísmo, impedir a desgraça.
“Não era um conhecido, não era convidado, não era nada. Essa pessoa invadiu a festa gritando ordens de política. O Marcelo pediu para que ele se retirasse de forma passiva, conversando, eu também tentei intermediar, por isso me identifiquei como policial, que sou, mas ele estava transtornado”, contou Pamela.
Na mensagem, Bolsonaro lamenta a morte do petista e acusa a esquerda de politizar o crime. Em seguida, convida os dois irmãos de Marcelo para participarem de entrevista em Brasília para “mostrar o que aconteceu”.
A manobra indignou a viúva de Marcelo. “Absurdo, eu não sabia”, disse ela. Pâmela criticou Bolsonaro por estar desrespeitando o sofrimento da família e tentando dividir os irmãos numa hora dessas para tirar proveito político da tragédia. “Acredito que Bolsonaro está preocupado com a repercussão política, porque, tanto no vídeo que fez no cercadinho como no que conversa com os irmãos do Marcelo, ele diz que estão tentando colocar a culpa nele.”
A GENTE NÃO ODEIA NINGUÉM, DIZ FILHO DE MARCELO
O filho de Marcelo, Leonardo de Arruda, de 26 anos, também mostrou indignação com a tentativa de Bolsonaro de responsabilizar seu pai pelo crime. “Dizer que houve briga de duas pessoas e afirmar que o cara que morreu teria jogado pedra antes no bolsonarista e um absurdo”, disse ele. “O ódio não está em mim, na nossa família. A gente estava comemorando, não foi a gente que procurou isso. Não foi a gente que matou. A gente não odeia ninguém”, afirmou Leonardo. Em entrevista, Leonardo criticou o uso político do episódio por parte de aliados de Bolsonaro.
Na mesma terça-feira (12), ou seja, apenas dois dias após o assassinato, Bolsonaro seguiu instigando o ódio de seus seguidores. Afirmou, no cercadinho do Palácio da Alvorada, que “o que está em jogo é o futuro do país” e “vocês sabem muito bem o que devem fazer, e tem que fazer antes das eleições”, conclamou. Como uma mensagem cifrada de incitamento à violência, ele acrescentou: “uma andorinha não faz verão, mas o verão começa com uma andorinha”.
Ou seja, ele não podia ser mais direto no incitamento à continuidade das perseguições políticas, assim como na ampliação dos atos de selvageria bolsonarista na campanha eleitoral.
E, como se não bastasse, Bolsonaro ainda saiu em defesa do assassino de Marcelo. Segundo ele, o assassino teria sido agredido na festa. Ele afirmou que “esses petistas vão responder por homicídio” caso o homem que assassinou Marcelo Arruda em Foz do Iguaçu no domingo (10) morra de traumatismo craniano.
“O outro [Jorge Guaranho] foi ferido e caiu no chão e então o pessoal da festa, todos petistas, encheram a cara dele de chute. Se esse cara [Guaranho] morre de traumatismo craniano, esses petistas vão responder por homicídio”, ameaçou o psicopata.
Jorge Guaranho, defendido por Bolsonaro, tinha acabado de atirar em Marcelo Arruda e ainda estava com a arma na mão quando outros integrantes da festa tentaram neutralizá-lo para que ele não seguisse atirando e matando mais pessoas. O filho de Marcelo, Leonardo Arruda, chegou a afirmar que seu pai tinha sido um herói ao balear o assassino, porque, segundo ele, teria sido uma chacina, se ele não fosse abatido por seu pai. O tesoureiro do PT, já ferido e no chão, ainda conseguiu atirar no criminoso.
ERRO GRAVE E TIRO NO PÉ
Como disse o colunista do G1 Valdo Cruz, Bolsonaro está fazendo um jogo perigoso e cometendo um grande erro político ao tentar dividir a família de Marcelo Arruda. Até mesmo integrantes do comando da campanha, segundo Valdo, alertaram que ele, que vive apregoando ser um defensor da família, vai ser muito criticado por estimular uma divisão na família de Marcelo, exatamente num momento de dor e sofrimento como este, causado pela perda de um ente querido.
Nem mesmo os irmãos de Marcelo, convidados por Bolsonaro para participar da encenação em Brasília, parecem dispostos a tão brutal manobra política. “Foi feito um contato. A gente não deu um retorno definitivo se a gente vai ou não. A gente está conversando com os filhos do Marcelo, esposa, sobrinhos, a gente vai conversar para ver o que a gente vai decidir”, disse Luiz de Arruda. Segundo ele, a família ainda não avaliou o tom da conversa. “A gente falou algumas coisas, o presidente não se posicionou ainda, então a gente não tem como ter uma avaliação definitiva”, completou.