Até hoje ainda há em nosso país quem não tenha compreendido a fundo o caráter revolucionário desta data e o quanto ela representa de avanço na formação da nação brasileira
O 7 de Setembro de 1822 representou uma grande ruptura política ocorrida no país. Foi o desfecho de uma longa trajetória que culminou com a conquista da independência pelo povo brasileiro. O fato representou o primeiro grande salto de qualidade na formação da nação brasileira. Pouco mais de 30 anos após a Inconfidência Mineira, o Brasil deixou de ser formalmente uma colônia espoliada e humilhada por Portugal e passou a ser uma nação livre, independente e dirigida por brasileiros.
SALTO DE QUALIDADE
A trajetória até chegar a essa data, quando se rompem os laços do colonialismo europeu, representa um período heroico da história brasileira. Como em tudo na vida, essa trajetória não seguiu em linha reta. Foram obtidas conquistas importantes e também houve muitos revezes. Na linha do tempo que se traçou desde a chegada dos portugueses até o momento em que o Brasil se livrou do domínio colonial, muitas pessoas deram a vida, muitas batalhas ocorreram, muitas execuções e exílios, mas a vitória finalmente chegou.
Até hoje ainda há no Brasil quem não tenha compreendido a fundo o caráter revolucionário desta data e o quanto ela representa de avanço para a formação da nação brasileira. Mandar o colonialismo português às favas, como fizeram os brasileiros liderados pelos irmãos Andradas, foi chave para que o Brasil se tornasse uma grande nação. Por não compreenderem adequadamente a importância estratégica da conquista da independência política no 7 de Setembro, algumas pessoas subestimam a importância de comemorar a data.
As classes que dominavam a “colônia” brasileira até o “7 de Setembro” eram classes portuguesas. Elas foram derrubadas. Comerciantes na sua maioria, financiados pela burguesia europeia, e aventureiros de todos os tipos. Os financiadores da colonização brasileira vislumbraram ganhos enormes com a exploração das riquezas do país recém descoberto. No início era apenas a extração de madeira e outros bens rudimentares da floresta, depois veio a fase do tráfico de escravos e da produção açucareira no Nordeste.
A nascente burguesia comercial portuguesa, bem como suas congêneres do “velho mundo”, como Inglaterra, Espanha, Holanda e outras, assim que puderam, lançaram mão da escravidão negra. Para isso, elaboraram e difundiram aos quatro cantos a ideologia criminosa da “raça inferior” dos habitantes do continente africano. Os negros foram arrancados de suas terras e trazidos para trabalhar para eles como escravos no “novo mundo”. Um verdadeiro genocídio ocorreu durante o período histórico que Marx chamou de acumulação primitiva do capital.
Inicialmente se utilizou a mão de obra escrava no Brasil para a produção açucareira na região Nordeste e, posteriormente, a escravidão se estendeu para a extração de ouro e diamantes nos leitos dos rios e nas montanhas de Minas Gerais.
AS PRIMEIRAS GERAÇÕES
A resistência mais forte ao domínio português começou a ser sentida assim que surgiram as primeiras gerações de pessoas nascidas nas terras conquistadas. Em 1645 tem início a Insurreição Pernambucana, uma luta ferrenha de produtores brasileiros de açúcar contra o domínio holandês. Até 1640, Portugal esteve sob o controle da Espanha e os holandeses, que tiveram uma certa “permissão” dos portugueses para explorar o açúcar no Nordeste brasileiro, entraram em conflito com brasileiros, portugueses espanhóis e resolveram permanecer no Nordeste.
Os “nacionais”, ou seja, os brasileiros, expulsaram os holandeses sem o apoio de Portugal. A Coroa portuguesa, assim que se desligou da União Ibérica, queria manter uma espécie de “acordo” com os holandeses. Os brasileiros não aceitaram a presença holandesa. Posteriormente os inconfidentes de Minas usariam este fato como argumento para afirmar que, se o Brasil já havia expulsado sozinho os holandeses, à revelia da Metrópole, podia fazê-lo também em relação aos portugueses. Quem assim dizia, durante a Inconfidência Mineira, era o Cônego Vieira (Luis Vieira da Silva), padre da Diocese de Mariana e um dos companheiros de Tiradentes.
Dois outros fatos importantes marcaram esse período da luta heroica pela liberdade do Brasil. O primeiro foi o surgimento, durante as batalhas contra os holandeses, de um manifesto convocando a luta pela libertação do Brasil e que, pela primeira vez, se dirigia ao povo utilizando o chamamento à “Nação brasileira”. Este era um conceito novo, que já denota o sentimento nativista que embalava os integrantes desta empreitada libertária. Não se falou em “nação portuguesa”, mas sim na “nação brasileira”.
O segundo fato importante foi a liderança do movimento ter sido exercida por brasileiros de várias raças. Os líderes eram um branco, um índio e um negro. André Vidal de Negreiros, um luso-brasileiro que já vinha liderando a insurreição pernambucana, o índio potiguar Felipe Camarão, e Henrique Dias, um negro brasileiro, filho de escravos libertos. É desta luta – particularmente da exitosa Batalha dos Guararapes – ocorrida na região metropolitana de Pernambuco nos anos 1648/9, que surge o glorioso Exército Brasileiro.
ZUMBI DOS PALMARES
Nesta mesma época nascia na Serra da Barriga, Capitania de Pernambuco, atual União dos Palmares, Alagoas, o líder negro Zumbi, no ano de 1655. Nasceu livre, num quilombo, mas foi capturado e entregue ao padre missionário português Antônio Melo quando tinha aproximadamente seis anos. Batizado ‘Francisco’, Zumbi recebeu os sacramentos, aprendeu português e latim.
Algum tempo após Zumbi ter assumido a liderança do Quilombo dos Palmares, o bandeirante paulista Domingos Jorge Velho foi chamado para organizar a invasão do quilombo. Em 6 de fevereiro de 1694 a capital de Palmares foi destruída e Zumbi ferido. Em 20 de novembro de 1695 ele foi morto.
Nesta época, os escravos fugiam e formavam os quilombos, o mais distante possível dos senhores de escravos. Alimentavam a esperança de voltar para sua terra natal. O quilombo era a forma de luta que eles usavam para se defender. Só mais à frente, no movimento abolicionista, a luta pela libertação dos escravos passou a ser uma luta política geral, que envolveu os negros e toda a sociedade. Foram mais de 60 anos de luta desde a Independência até que as classes escravistas fossem definitivamente derrotadas no Brasil em 1888/9.
Os negros que fugiam para os quilombos eram perseguidos pelas autoridades da época porque a estrutura econômica da sociedade era escravista. Existiam leis feitas para defender a “propriedade” de escravos. Ou seja, acima da estrutura econômica escravista, implantada no Brasil pelo colonialismo europeu, se erguia uma superestrutura ideológica, legal, religiosa, etc, para sustentar a escravidão dos negros. Eram leis aprovadas para garantir a propriedade de escravos. A ideologia que sustentou a escravidão era a ideologia racista, baseada numa inexistente “superioridade” da raça branca europeia.
MALDIÇÃO DE CAM
Para sustentar o regime escravista, a Igreja Católica atuou ideologicamente. Ela buscou na bíblia uma justificativa para o genocídio. Baseou seu apoio à escravidão negra com uma passagem do livro do Gênesis sobre a “Maldição de Cam” (na verdade colocada sobre Canaã, filho de Cam). Esta “maldição” foi imposta pelo patriarca Noé após um episódio de embriaguez no qual seu filho o teria visto nu. A “maldição de Cam” fez Canaã ficar negro e maldito por castigo. Esta “interpretação” foi o que respaldou em 1455, com a promulgação da Bula Romanus Pontifex, a escravização e a exploração da África pelo Reino de Portugal.
Com o fim formal da escravidão, em 1888, acabaram as leis escravistas, acabaram os “direitos” dos senhores de escravos, mas perdurou, e ainda perdura na sociedade, a ideologia do racismo, que é alimentada pelo antigo e o novo colonialismo e pelo imperialismo contemporâneo.
REVOLTA DE VILA RICA
Em 1720, outra rebelião explode contra o domínio e a ganância portuguesas no Brasil. Desta vez, já nas Minas Gerais, em Vila Rica, local de onde Portugal extraía ouro e diamante numa quantidade tão grande que era suficiente para que a Corte vivesse de forma suntuosa e perdulária e ainda transferisse boa parte do ouro brasileiro para a Inglaterra a título de pagamento de dívidas. Esse endividamento era fruto da submissão imposta a Portugal pela Inglaterra através do tratado de Methuen, de 1703. Este tratado impediu a industrialização portuguesa.
O ouro brasileiro, extraído pela mão de obra escrava das Minas Gerais, ia parar nas mãos do governo inglês que soube utilizá-lo no financiamento de sua revolução industrial.
O levante de Vila Rica foi liderado por um produtor brasileiro de ouro, Felipe dos Santos, e envolveu mais de 2 mil pessoas. O movimento foi derrotado pela ação violenta do Conde de Assumar, que então dirigia a província mineral. É dele a frase, dita aos seus superiores, depois de massacrar o levante: a de que “em Minas Gerais só se pensa em revolução”.
INCONFIDÊNCIA MINEIRA
Confirmando o que dizia Assumar, surge, então, em 1785 a Inconfidência Mineira. A exploração do ouro em Minas Gerais gerou, no coração do Brasil, uma economia mais dinâmica do que a exploração canavieira agrária e semifeudal do Nordeste. Houve em Minas uma intensa urbanização e a presença de homens livres em grande quantidade, gerou um mercado consumidor pujante que integrou várias regiões do país. Natural que fosse ali onde a contradição com as amarras retrógradas do colonialismo português mais se agudizasse.
A revolta surge com a proibição, pela Coroa, de qualquer produção no país que não fosse a extração de ouro e diamante para enviar a Portugal. Era uma ordem dada pela Inglaterra a Portugal para que proibisse a fabricação de tecidos em suas colônias. Nessa época a Inglaterra ainda brigava para destruir qualquer concorrência para só então virar o “baluarte do livre comércio” no mundo. Já havia destruído a nascente indústria têxtil na Índia e obrigou Portugal a impedir qualquer vestígio de produção de panos no Brasil.
As primeiras movimentações dos inconfidentes se dão em Vila Rica e no Rio de Janeiro, lideradas pelo alferes de cavalaria José Joaquim da Silva Xavier, conhecido por Tiradentes, e em Coimbra, onde se encontravam vários estudantes brasileiros. Já em 1786, um ano após a proibição da Rainha I, se realizou nesta cidade portuguesa um encontro secreto de 12 brasileiros, liderados pelo estudante de medicina Joaquim da Maia. A reunião secreta contou com a presença de José Bonifácio, então estudante em Coimbra. O encontro, conhecido como “Pacto dos 12”, visava buscar apoio internacional para a independência do Brasil.
O movimento se inspirou no exemplo da expulsão dos holandeses, ocorrida há mais de cem anos, e da independência americana, ocorrida em 1776. As ideias iluministas, que redundaram na Revolução Francesa, tiveram também forte influência sobre os revoltosos brasileiros. O plano dos inconfidentes era expulsar os portugueses, decretar a independência, construir indústrias, implantar o ensino público, criar universidades e mudar a capital para o interior. Tiradentes já defendia a República e a abolição, mas essas ainda não eram bandeiras que pudessem unir todos os que lutavam pela independência.
INDEPENDÊNCIA E ABOLIÇÃO
Esta é uma questão importante. Nem todos os que lutavam contra o colonialismo português defendiam a mudança do regime escravista implantado no Brasil. Depois, com a independência, foi amadurecendo a necessidade de superação deste modo de produção pré-capitalista adotado no Brasil. Novas forças se constituíram para cumprir essa tarefa histórica de superar a escravidão. O vigoroso movimento Republicano/Abolicionista se desenvolveu e foi vitorioso em 1888, num outro salto de qualidade vivido pelo país.
Podemos fazer dois paralelos para compreender bem esta questão dos objetivos históricos e de quais forças políticas foram incumbidas e puderam conquistá-los. O primeiro exemplo é a ampla frente anti-imperialista que se formou no Brasil os últimos anos, e que vem atuando na garantia da democracia. Vários integrantes desta frente são anti-imperialistas, são democratas, mas ainda não abraçam a tarefa histórica da substituição do regime capitalista no país.
A tarefa da superação do caráter dependente do capitalismo brasileiro é hoje o que está na ordem do dia e é o que pode unir toda essa frente. É este o problema concreto que impede o avanço das forças produtivas do país. Assim que essa dependência econômica, que asfixia o Brasil, for rompida, as transformações econômicas, sociais e políticas no sentido de um economia planejada, solidária e consciente tendem a ocorrer com maior celeridade.
Um outro exemplo, também neste sentido, e que mostra que nem todos os que lutam contra o imperialismo defendem a superação do capitalismo é o caso que ocorre nos dias de hoje na Rússia, um país que já foi socialista e que retrocedeu ao capitalismo. Há um enfrentamento agudo deste país com o imperialismo norte americano – inclusive com uma guerra violenta de agressão da OTAN contra ele – e, no entanto, a direção do país, capitaneada pelo presidente Vladimir Putin e seu partido, Rússia Unida, ainda acredita que pode manter o regime capitalista no país eurasiático.
Mas, voltando à nossa Inconfidência Mineira. Houve a pérfida traição de Silvério do Reis, que se vendeu à Coroa, e o movimento foi derrotado. Tiradentes foi enforcado e esquartejado e os demais revoltosos, exilados. A crise revolucionária que se abriu com a proibição da produção de tecidos e ferramentas no Brasil e a repressão violenta que se impôs ao país somados à insubordinação que tomou conta dos brasileiros, criou uma situação em que os de cima não conseguiam governar e os de baixo não se deixavam dominar.
Esta situação revolucionária só teve um desfecho 30 anos depois, com a vitória da luta pela independência. A crise de dominação também se agravou com a invasão napoleônica e a transferência da Corte para o Brasil.
A REVOLTA DOS ALFAIATES
Só seis anos após o enforcamento de Tiradentes, explode a Revolta dos Alfaiates, na Bahia. Um movimento político libertário ocorrido em Salvador, em 1798. Tinha também como objetivo a Independência de Portugal. Teve um caráter marcadamente popular e já defendia a abolição da escravatura. Influenciada pela Revolução Francesa e pela Revolução Haitiana, a Conjuração Baiana foi fortemente reprimida. Seus membros foram presos e, em 1799, os líderes do movimento foram condenados à morte ou ao exílio. Neste episódio foi preso o médico Cipriano Barata, que depois seria eleito para as Cortes de Lisboa, infernizando os deputados portugueses.
Reprimida a rebelião, as prisões sucederam-se e o movimento foi desarticulado. Foram presas 49 pessoas, das quais três eram mulheres, nove escravizados e outros homens livres que exerciam profissões como alfaiates, barbeiros, soldados, bordadores e pequenos comerciantes. Os principais envolvidos foram julgados e condenados à morte. No dia 8 de novembro de 1799, um ano e dois meses depois dos acontecimentos, os acusados foram declarados culpados por traição.
Desta maneira, receberam a pena de morte por enforcamento e depois esquartejados: Luís Gonzaga das Virgens, Lucas Dantas, João de Deus e Manuel Faustino dos Santos Lira. Os corpos foram expostos em diversos locais da cidade de Salvador para servir de exemplo a possíveis ‘subversivos”.
A vinda da Corte Portuguesa – fugindo de Napoleão – para o Brasil em 1808 não arrefeceu a crise que vinha se gestando no país desde o final do século anterior. Pelo contrário, ao ser elevado à condição de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, em 1815, o país almejou ainda mais a sua independência política. As contradições entre a espoliação portuguesa e as aspirações dos brasileiros só aumentaram e se tornaram mais agudas.
REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA
Em 1817 explode a Revolução Pernambucana. A Capitania de Pernambuco, então a mais lucrativa da colônia, era obrigada a enviar para a Corte no Rio de Janeiro grandes somas de dinheiro para custear a Coroa. Os revolucionários, oriundos de várias partes da colônia, tinham como objetivo principal a conquista da Independência do Brasil.
A repressão também foi violenta. Quatorze revoltosos foram executados pelo crime de lesa-majestade (a maioria enforcados e esquartejados, enquanto outros foram fuzilados), e centenas morreram em combate ou na prisão. Antônio Carlos Andrada, irmão de José Bonifácio, líder maior da independência, foi preso durante a rebelião e passou quatro anos numa cela antes de se somar ao irmão mais velho na luta vitoriosa pela independência do Brasil.
A prisão de Antônio Carlos em Pernambuco fez com que José Bonifácio tentasse apressar a sua volta ao Brasil, mas ele só chega ao país em 1819. Ele ficara em Portugal por orientação do então Ministro de Assuntos Ultramarinos, Martinho de Melo e Castro que o considerava um brasileiro muito “perigoso”. “Se ele, estando aqui já nos causa tantos problemas, imagine se retornar ao Brasil”, disse o ministro a um auxiliar, ao solicitar que Bonifácio aprofundasse seus estudos de mineralogia viajando para diversos países da Europa.
OS IRMÃOS ANDRADAS E A INDEPENDÊNCIA
José Bonifácio participou do “Pacto dos 12” em Coimbra. Ele, no entanto, achava que os caminhos para a libertação do Brasil deveriam ser diferentes do que foi defendido pelos inconfidentes naquela ocasião. Bonifácio era um defensor ferrenho da abolição da escravatura e considerava que a monarquia era o melhor regime para garantir a unidade nacional brasileira. Sua estratégia de luta pela independência passava, pelo menos nas fases iniciais, pela manutenção da monarquia. A diferença com os inconfidentes estava numa ruptura “um pouco menos abrupta” – preferida por Bonifácio – com a Coroa portuguesa.
Até mesmo a condição de Reino Unido era avaliada por ele como um caminho possível para a conquista da independência política do Brasil. A “traição” das Cortes de Lisboa, constituídas após a Revolução do Porto, e a tentativa por parte dos deputados portugueses de recolonizar o Brasil, levou José Bonifácio a reavaliar esta estratégia. Ele, seu irmão Martim Francisco e Antônio Carlos, este libertado em 1821, mergulharam de cabeça na luta para derrotar as cortes portuguesas e suas artimanhas contra a independência do Brasil.
Em 1821, enquanto no Brasil os diversos estados, influenciados pelos ares constitucionalistas nascidos da Revolução do Porto, elegiam suas assembleias, essas mesmas Cortes de Lisboa exigiam que D. João VI retornasse a Portugal e jurasse fidelidade a uma constituição que ainda nem havia sido escrita. Quando ficou claro que os “constitucionalistas” de Lisboa estavam tentando impor ao Brasil uma espécie de desforra e de reconquista, o clima se agitou no país. Principalmente depois da partida de D. João VI para Portugal em 24 de abril de 1821.
José Bonifácio conseguiu unir São Paulo e, com seu irmão Martin Francisco, se tornaram as principais lideranças de um estado que enfrentou as artimanhas de Lisboa e fortaleceu o poder central sediado no Rio de Janeiro. Seis deputados paulistas foram eleitos para participar do “Soberano Congresso” em Lisboa. Entre eles estavam Antônio Carlos, recém saído da prisão, Padre Diogo Antônio Feijó, futuro regente do Império e Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, depois senador e membro da Regência Provisória de 1831.
CORTES DE LISBOA E A RECOLONIZAÇÃO
O “Patriarca” foi o redator do documento que serviu de guia para os deputados paulistas. Nele estava um vasto programa levando em conta vários problemas a serem enfrentados pelo Brasil em seus primeiros passos como nação independente. Nesta altura, Bonifácio ainda trabalhava com a ideia, constituída em 1815, de Reino Unido. Havia uma grande preocupação com a unidade territorial. As Cortes de Lisboa não deram a menor atenção ao conteúdo das propostas dos brasileiros.
Antônio Carlos fez vários pronunciamentos combatendo a prepotência lusitana e passou a informação a José Bonifácio de que as Cortes de Lisboa estavam com as piores intenções. Os brasileiros eram desprezados e humilhados pelos portugueses, que demonstravam empenho em cortar qualquer autonomia do Brasil.
Bonifácio percebeu que havia uma obstinada tentativa de recolonizar o Brasil. Em verdade, as medidas votadas sucessivamente pelos deputados de Lisboa tinham sempre o mesmo objetivo: desunir e desarticular o Brasil, fazê-lo novamente a colônia que fora durante três séculos de domínio e exploração. O “patriarca” viu na atitude dos portugueses a centelha que desencadearia o impulso definitivo da emancipação brasileira.
MOBILIZAÇÕES NO RIO DE JANEIRO
As mobilizações se intensificaram. O Rio de Janeiro pensou em declarar a independência já em 1821. O povo na rua encurralou as tropas portuguesas que se haviam rebelado contra o governo. Na Bahia havia uma junta pró-Portugal, que posteriormente seria derrotada pelos heróis de Pirajá, e em Pernambuco, o sentimento independentista era muito forte. Minas seguia Rio e São Paulo na posição pela independência.
No afã de tomar medidas contra o Brasil, os legisladores portugueses extinguiram a Regência e exigiram que D. Pedro I deixasse imediatamente o Brasil e fosse para Portugal. Resolveram extinguir também totalmente os tribunais do Rio de Janeiro. Quando se teve notícia, no Rio, da abolição da Regência e da exigência da partida de D. Pedro, cresceu intensamente a mobilização entre os patriotas brasileiros. Em outras províncias, as reações foram as mesmas.
Em carta redigida pelos paulistas e endossada por outras províncias, endereçada a D. Pedro, José Bonifácio mostra toda a sua indignação com as atitudes dos portugueses e diz ao monarca: “apenas fixamos nossa atenção sobre o primeiro decreto das Cortes acerca da organização dos governo das províncias do Brasil, logo ferveu em nossos corações uma nobre indignação, porque vimos nele exarado o sistema de anarquia e da escravidão (…) o segundo nada menos pretende do que desunir-nos, enfraquecer-nos e até deixar-nos em mísera orfandade (…)”
“Como agora esses deputados de Portugal, sem esperarem pelos do Brasil, ousam já legislar sobre os interesses mais sagrados de cada província e de um reino inteiro? (..) como ousam desmembrá-lo em porções desatadas e isoladas, sem lhe deixarem um centro comum de força e união? (…) V.A. Real deve ficar no Brasil quaisquer que sejam os projetos das Cortes Constituintes não só para o nosso bem geral, mas até para a independência futura do mesmo Portugal”. Com a carta de Bonifácio e a decisão de ficar no Brasil, D. Pedro I dava o primeiro passo até a ruptura completa.
EXPULSÃO DOS PORTUGUESES
José Bonifácio foi nomeado ministro do Reino e dos Estrangeiros. Nesta condição, ele teve um papel de destaque nas batalhas decisivas que levaram à independência do Brasil. Tropas portuguesas tentaram reagir à decisão de D. Pedro de se negar a ir para Portugal. A decisão tomada em 9 de janeiro de 1822 gerou uma tentativa de levante. Não se acovardaram os brasileiros. Milhares de pessoas tomaram o centro do Rio de Janeiro e expulsaram as tropas portuguesas. Depois disso, já sob o comando de Bonifácio, foi dada a ordem de que nada vindo de Portugal deveria ser obedecido.
Em 26 de janeiro, um grande comício foi realizado no Paço. Era a entrega da representação da província de São Paulo dando respaldo às decisões do monarca. Durante o ano foi convocada a Constituinte e províncias antes rebeldes, como Pernambuco, aderiram à independência e a D. Pedro. Bonifácio montou tropas para combater as forças portuguesas que se haviam transferido para a Bahia e se recusavam a obedecer ordens do governo central com sede no Rio de Janeiro. O general Madeira (Inácio Luís Madeira de Melo) e seus asseclas faziam o jogo sujo de Portugal.
Na condição de ministro, José Bonifácio tomou medidas fundamentais para a defesa da Independência do Brasil. Declarou inimigas quaisquer tropas que Portugal mandasse para o Brasil. Baseado nesta medida, D. Pedro baixou o decreto de 1º de agosto praticamente declarando guerra a Portugal. Este decreto foi interpretado como uma indireta declaração de independência. Em 6 de agosto é lançado o manifesto aos povos do mundo, redigido por Bonifácio, onde o Brasil já se apresenta ao mundo como uma nação independente. Daí ao “7 de Setembro” foi só uma questão de tempo.
JOSÉ BONIFÁCIO EXILADO
As propostas dos Andradas, particularmente as de José Bonifácio, para a Assembleia Constituinte, que havia sido convocada como consequência das conquistas políticas obtidas até então, mostraram que a abolição da escravatura, defendida enfaticamente por José Bonifácio, não era ainda majoritária entre as forças que estavam unidas pela independência. Aliás, a realidade mostrou que esta ideia era ainda minoritária.
As forças unidas na luta pela Independência defendiam a permanência da escravidão. Eles envolveram D. Pedro I que passou a agir para isolar as posições dos Andradas. A Constituinte acabou fechada e os irmãos Andradas exilados por longos seis anos. Mas este é um assunto para ser tratado em outro momento. A Independência do Brasil já estava conquistada.
SÉRGIO CRUZ
Os povos indígenas foram as primeiras vítimas, não só pelas Guerras contra eles, pela escravidão, pela imposiçao religiosa e cultural de então e até hojem, pela expulsão de suas terras, pelas doenças, pela nao demarcaçao de terras, pela tentativa de impor o Marco Temporal.