Em sessão tumultuada, uma comissão especial da Câmara dos Deputados não conseguiu votar o projeto de lei 6299/2002 que afrouxa o controle do uso de agrotóxicos no país. A proposta original foi apresentada em 2002 pelo então senador Blairo Maggi, do Progressistas, que hoje é o ministro da Agricultura. Profissionais da área da saúde e ambientalistas denunciam que o projeto pretende diminuir o controle do governo sobre o uso de pesticidas no país, que já é o maior consumidor do mundo.
Na reunião da comissão, na última terça-feira (8), o relator Luiz Nishimori (PR) defendeu a substituição da atual lei dos agrotóxicos afirmando que a legislação está defasada e impõe “muita burocracia” ao setor. Para ele a liberação dos pesticidas deveria ser facilitada. Hoje, o processo é centralizado pelo Ministério da Agricultura, que libera o uso de agrotóxicos após análise e pareceres da Anvisa e do Ibama.
O projeto de lei abre a possibilidade de registro de substâncias que tenham características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, ou provoquem distúrbios hormonais e danos ao sistema reprodutivo. A proibição de registro é substituída pela expressão “risco inaceitável” para os seres humanos ou para o meio ambiente, o que na prática autoriza o registro em situações em que o uso permanece inseguro mesmo com a implementação das medidas de gestão de risco.
O pesquisador da Fiocruz, Guilherme Franco Netto, afirma que as mudanças propostas são um perigo à saúde de quem trabalha no campo e também dos consumidores. “Os agrotóxicos têm na sua conformação substâncias químicas que são agressivas a saúde humana e ao meio ambiente, isso já é uma comprovação de largo conhecimento e produção na literatura científica internacional”, explica.
A proposta também define que os agrotóxicos passem a ser chamados de “defensivos fitossanitários” e dispensa os vendedores de advertir os consumidores sobre os malefícios decorrentes do uso de agrotóxicos, o que é inconstitucional.
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), em nota técnica, “a eventual substituição pelo termo ‘fitossanitário’ visa estabelecer um caráter inofensivo a substâncias que, manifestamente, não o são”.
Já Marina Lacôrte, do Greenpeace, desataca que “do jeito que o projeto está vamos comer ainda mais veneno do que já comemos diariamente. O que temos hoje como lei, confere uma certa proteção para a sociedade, falta fiscalização e falta controle, mas a lei confere uma proteção. Esse novo pacote vai tirar absolutamente e vai nos deixar mais exposto aos agrotóxicos”.
Com aproximadamente 40% do legislativo, a bancada ruralista, maior interessada na aprovação do PL, não conseguiu arrancar um acordo na comissão. O relator não conseguiu apresentar a proposta já que houve pedido de vista coletivo, adiando a discussão e a votação para a próxima semana.
REALIDADE
Nos países europeus, atualmente, a água potável pode conter 0,1 miligramas por litro de glifosato (o herbicida mais vendido no mundo), enquanto no Brasil, o limite é 5 mil vezes maior. No caso do feijão e da soja, por exemplo, a lei brasileira permite o uso no cultivo de quantidade 400 e 200 vezes superior ao permitido na Europa.
Aqui, todos os anos são utilizados 7,3 litros de agrotóxico por habitante. Em 2017, de acordo com um estudo da Fiocruz, houveram 11 registros de intoxicação por dia, e, pelo décimo ano consecutivo, o Brasil foi o primeiro no ranking de maiores consumidores de agrotóxicos.
Ainda segundo o estudo 164 pessoas morreram após entrar em contato com a substância e 157 ficaram incapacitadas para o trabalho, isso não contabilizando as intoxicações que evoluíram para doenças crônicas, como câncer e impotência sexual. Também entrou na conta a subnotificação, que a Organização Mundial da Saúde estima que seja de 50 casos reais para cada um registrado.