Aquilo que o WikiLeaks e Assange sempre denunciaram sobre o impasse em seu asilo na embaixada do Equador, que havia um processo judicial secreto contra o editor em curso nos EUA pelas denúncias dos crimes de guerra e ameaça de extradição, acaba de ser confirmado por vazamento inadvertido em outro processo, através do copiar-colar, que tal ação existe e vai ser “mantida em segredo até Assange ser preso”.
O que explicaria porque o governo britânico, mesmo após a Suécia ter dado a acusação inicial por encerrada, se recusa a deixá-lo ir e a negar que queira extraditá-lo.
Conforme ressaltou o WikiLeaks, “O Departamento de Justiça dos EUA acidentalmente “revelou a existência de acusações sob sigilo contra o editor do WikiLeaks, Julian Assange, em um aparente erro de recortar e colar em um caso não relacionado, também no Distrito Leste da Virgínia”. O site também anexou uma fotocópia desse documento.
De acordo com o Washington Post, no documento vazado o promotor adjunto Kellen Dwyer insta um juiz a manter a questão sob sigilo, assinalando que “por causa da notoriedade do acusado e da publicidade em torno do caso, nenhum outro procedimento poderia manter em segredo” o fato de que Assange foi acusado. Mais tarde, Dwyer registrou que as acusações “devem permanecer seladas” até que Assange “não possa mais fugir ou evitar a prisão e a extradição neste assunto.”
Não se sabe quais dos fatos atribuídos ao WikiLeaks e a Assange embasam tal perseguição, se os arquivos das operações do Pentágono no Iraque e Afeganistão, entregues pelo então soldado Manning (o que inclui o famoso vídeo do ‘Assassinato Colateral’, que mostra um helicóptero ianque metralhando civis iraquianos), ou os e-mails do Diretório Nacional Democrata de favorecimento da candidata Hillary e sabotagem de Bernie Sanders, ou o ‘Cofre forte da CIA 7’, que expôs como a CIA faz guerra cibernética e implanta pistas falsas para responsabilizar outros países.
Um dos mais destacados perseguidos políticos do planeta por divulgação dos crimes do império, no caso, o grampo em massa da NSA, Edward Snowden, advertiu pelas redes sociais que “você pode abominar o WikiLeaks e tudo que propugna. Mas não pode apoiar que um editor seja processado pelo que publica sem restringir os direitos básicos de que todos os jornais dependem”.
“Processar o WikiLeaks por suas atividades de publicação apresenta uma profunda ameaça à liberdade de imprensa”, reiterou. O WikiLeaks ajudou Snowden a tornar públicas suas denúncias no planeta inteiro e integrantes do site o auxiliaram na fuga de Hong Kong, evitando sua captura por órgãos de repressão dos EUA, e a chegar a Moscou quando todos os demais destinos se fecharam.
Kenneth Roth, da Human Rights Watch, tuitou que “é profundamente preocupante se o governo Trump, que demonstrou pouca consideração pela liberdade de imprensa, acusar Assange de receber um funcionário do governo e publicar informações classificadas – exatamente o que os jornalistas fazem o tempo todo”.
A advogada de Assange, Jeniffer Robinson, em entrevista a Amy Goodman e seu programa de rádio independente Democracy Now, chamou o vazamento acidental de “confirmação de tudo que estamos falando desde 2010”. “Isto confirma que há um risco muito real de que os EUA procurem processá-lo por suas atividades de publicação e potencialmente procurem extraditá-lo, e que se houvesse uma acusação seria secreta, e não saberíamos até o momento em que já estivesse sob custódia”. O vazamento, acrescentou, “confirma a razão pela qual ele recebeu asilo”.
Como destacou Robinson, as revelações do WikiLeaks sobre os crimes de guerra no Iraque e Afeganistão, reproduzidas pelos principais jornais do mundo, foi o que desencadeou, ainda no governo Obama, a abertura do processo secreto contra Assange.
A advogada advertiu sobre o precedente criado não apenas contra a imprensa doméstica dos EUA, mas ainda a tentativa de “exercer jurisdição sobre editores em todo o mundo”. “Isso significa que os EUA poderiam tentar processar um editor que estiver publicando informações do exterior em matérias sobre os EUA? Iriam Rússia, China, Arábia Saudita começar a seguir o exemplo? Isso levanta questões não apenas para Assange”.
“Em relação aos materiais da CIA, o WikiLeaks fez o que outras organizações de mídia podem e devem fazer o tempo todo, o que é receber informações classificadas e publicá-las no interesse público. E o WikiLeaks não fez nada diferente de qualquer outra organização de mídia na publicação desse material”, assinalou a advogada. “Com relação a ajudar Edward Snowden, ele recebeu asilo. E as revelações feitas por Snowden demonstraram ser de interesse público. Vimos decisões sobre o direito constitucional dos americanos à privacidade, mostrando que a conduta do governo americano era inconstitucional. E eu acho que o mundo viu e foi grato pelas publicações feitas por Snowden”, destacou Robinson.
“Agora, alguém deveria ser processado por ter ajudado um denunciante, por ter publicado informações de interesse público? Eu acho que os americanos deveriam estar se fazendo essas perguntas”, acrescentou.
A advogada também se referiu às famosas declarações de Mike Pompeo, quando era diretor da CIA, que chamou o WikiLeaks de “serviço de inteligência hostil e não-estatal”, que tem como missão “o autoengrandecimento pessoal através da destruição dos valores ocidentais”. Na mesma ocasião ele asseverou que o WikiLeaks não estaria coberto pelas proteções da 1ª Emenda, que garante a liberdade de expressão.
“Isso corta o cerne das proteções constitucionais à liberdade de expressão, que protegem publicar e receber informações de interesse público, até mesmo informações classificadas”, assinalou Robinson, apontando que, sob a concepção de Pompeo, “qualquer editor poderia vir a ser chamado de agência de ‘agência de espionagem hostil não-estatal’”.
Sobre a suposta “participação do WikiLeaks” no suposto “complô contra Hillary para eleger Trump”, nas eleições de 2016, Robinson lembrou que Assange reiterou que os e-mails não foram recebidos de uma “fonte estatal”, eram informações de interesse público e demonstravam a corrupção dentro do Comitê Nacional do Partido Democrata e por isso foram publicadas – o próprio New York Times disse que teria publicado, se tivesse recebido. Aliás, na época, Assange comparou a escolha na eleição “entre Trump ou Hillary” a optar entre “gonorreia ou sífilis”.
Encerrando, a advogada ressaltou que a confirmação agora obtida mostra que “a decisão de Assange de pedir asilo foi a correta e a decisão do Equador de conceder foi a correta”. “Agora, deve um editor ficar preso dentro de uma sala por anos a fio por causa de um possível processo judicial por parte dos EUA por publicar informações de interesse público? A resposta é não, absolutamente não.”
A.P.