O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), classificou como legítima a operação do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) que deixou 15 mortos nas comunidades da Coroa, Fallet Fogueteiro e dos Prazeres, em Santa Teresa e no Catumbi, na última sexta-feira (8). Moradores das regiões contestaram a versão oficial e denunciaram ao Ministério Público os sinais de tortura e de execuções das vítimas.
“Aproveitei para reafirmar minha confiança na nossa PMERJ e dizer que a ação no Fallet Fogueteiro foi uma ação legítima da polícia para combater narcoterroristas que colocam em risco a vida da nossa população”, comemorou o governador, que aparece ao lado do Coronel Figueredo, secretário estadual de Polícia Militar do Rio.
Segundo a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, sete pessoas foram mortas dentro de uma casa, dois irmãos em outra e outros dois irmãos numa terceira casa, todas no Fallet. Um outro homem foi morto na comunidade do Fogueteiro e mais um nos Prazeres. No domingo, dois foram encontrados na mata. “Quinze pessoas mortas numa operação policial não pode ser comemorado, precisa ser apurado e investigado como foi esse procedimento”, declarou o ouvidor da Defensoria, Pedro Strozemberg.
A perícia verificou, inicialmente, que pelo menos 11 dos 15 mortos durante operação policial foram atingidos por disparos de curta distância, no peito e na cabeça.
Segundo fontes citadas pelo jornal “O Dia”, os 11 corpos foram atingidos por mais de dois tiros cada. Os exames teriam indicado ‘orla de tatuagem’ nas vítimas, ou seja, resquícios de pólvora provenientes do cano da arma, o que indicaria que os tiros foram disparados de perto. A maioria dos jovens, entre 15 e 22 anos, seriam negros, acrescentou a perícia.
A corporação disse também que a operação foi planejada para intervir em uma guerra entre facções rivais, que disputam o controle de território naquela região, “tendo como principal preocupação a preservação de vidas”. Ainda segundo a PM, o confronto foi iniciado pelos suspeitos, que foram encontrados feridos após o cessar-fogo.
A Polícia diz que a ação foi planejada a partir de denúncias e informações do Setor de Inteligência, foi feito vasculhamento em alguns pontos da comunidade do Fallet e policiais do BPChq haviam sido recebidos a tiros, o que teria causado confronto.
MORADORES CONTESTAM VERSÃO POLICIAL
Em reunião, aberta à imprensa, convocada pela Defensoria Pública do Estado esteve na comunidade do Fallet para conversar com moradores e familiares das vítimas, na última terça-feira (12), a versão inicial da Polícia Militar, de que as mortes teriam acontecido durante confronto armado, foi contestada.
De acordo com a população local, nove dos mortos estavam em uma casa. Os agentes chegaram ao local e, em vez de fazer as prisões, teriam torturado e executado os suspeitos.
Os moradores contaram que, primeiro, os rapazes foram baleados em pontos não vitais. “Atiraram para não morrer e depois fizeram sofrer pra morrer”, denunciou uma moradora. Em seguida, sofreram agressões, facadas no peito e na barriga, e foram mortos. “A pena de morte existe no Brasil, mas sem julgamento”, completou.
De acordo com o portal “Ponte”, “Tatiana Antunes Carvalho, de 38 anos, mãe de Felipe Guilherme Antunes e tia de Enzo Sousa Carvalho, dois dos assassinados na operação do Bope, considerada a tropa de elite da PM do Rio, os danos da chacina ainda perduram. Um de seus filhos mais novos, de apenas oito anos de idade, ouviu de um dos policiais envolvidos na chacina a seguinte ameaça, feita logo após a ocorrência: ‘Bem feito que matei seu irmão. Cresce que eu te mato também’, teria dito o PM, segundo contou o filho à mãe”, revelou.
Mãe de dois mortos, de 16 e 22 anos, contou que foi à padaria, e ao retornar encontrou os filhos baleados e muito sangue em sua casa. Ela preferiu não ser identificada. “Eles estavam dormindo, e fui comprar pão. Quando voltei estavam sendo arrastados para o carro. Me desesperei”, disse.
Os jovens chegaram a ser levados para o Hospital Souza Aguiar, mas não resistiram. A mãe acredita que o mais velho tinha sinais de enforcamento e três tiros, um no tórax. O caçula, que ela chama de “pequenininho”, teria sido baleado no peito e esfaqueado nas pernas. “Não consegui voltar pra casa, ainda não estou acreditando. Eles gritaram ‘socorro’, mas os policiais jogaram spray de pimenta nos vizinhos. Fecharam a porta, executaram meus filhos, e enrolaram os corpos no meu próprio tapete”, relatou.
Questionada se os filhos tinham envolvimento com o tráfico de drogas, a moradora do Fallet não soube responder. “Não posso te afirmar que sim ou não, pois o mais velho vivia conversando com eles (traficantes). Isso não quer dizer que os policiais tinham o direito de executá-lo, se viram ou pegaram algo deveriam ter levado ele preso. Mas o caçula eu tenho certeza que nunca”.
“O que vimos hoje foi um cenário de muita tensão, de acúmulo de testemunhos de violações”, avalia Pedro Strozemberg. Para o especialista em direitos humanos, inclusive, os relatos indicam de forma quase uníssonora a ocorrência de execuções extrajudiciais. “Há diversos vídeos e pessoas que viram o que aconteceu. Agora resta que a Divisão de Homicídios (da Polícia Civil fluminense) e o Ministério Público façam o seu trabalho de forma célere”, cobra.
A Defensoria representará as famílias das 15 vítimas. “Vamos pedir laudos de necropsia para verificar as circunstâncias em que eles foram mortos. E faremos contato com os órgãos de Segurança, como Ministério Público e Delegacia de Homicídios, que acompanham o caso”, ponderou Strozenberg.
UMA MORTE POR DIA
Um levantamento publicado pelo jornal Extra através de números da PM divulgados pelo Ministério Público expõe que, até agora, morreram 42 duas pessoas em operações policiais em 2019, uma média de um morto por dia.
“Ano passado já tivemos o nossa maior taxa histórica de letalidade institucional e esses números agora preocupam muito, porque o que se espera é um modelo que preserve a vida”, reflete Pedro Strozemberg, da Ouvidoria da Defensoria Pública do Rio. A Delegacia de Homicídios (DH) da Capital abriu cinco inquéritos para investigar as mortes nos morros dos Prazeres e Fallet. A Polícia Civil afirmou que testemunhas e familiares estão sendo ouvidos e a unidade aguarda o resultado dos laudos periciais.