O ministro do Exterior da Rússia, Sergei Lavrov, foi recepcionado pel presidente Xi Jinping em sua visita a Pequim. Os dois líderes enfatizaram o crescimento do comércio entre China e Rússia e repudiaram as manobras norteamericanas recriando o clima de Guerra Fria na fracassada busca de um hegemonismo dominador e excludente dos demais povos
O presidente chinês, Xi Jinping, recebeu em Pequim na terça-feira (9) o ministro das Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov, em visita de dois dias à China, que reafirma a parceria estratégica e abrangente entre Rússia e China, apesar da pressão norte-americana, no ano em que se comemora 75 anos das relações diplomáticas entre a República Popular da China e a Rússia.
Xi pediu a Lavrov que transmitisse suas sinceras saudações ao presidente russo, Vladimir Putin, reeleito em março, e destacou que a China e a Rússia embarcaram em um novo caminho de coexistência harmoniosa e cooperação ganha-ganha entre os principais países e vizinhos, o que beneficiou a ambos os povos e contribuiu com sabedoria e força para a equidade e justiça internacionais, registrou a agência de notícias Xinhua.
“Em conexão com o 75º aniversário da fundação da República Popular da China, gostaríamos de expressar o nosso mais elevado apreço e admiração pelos sucessos alcançados ao longo destes anos, especialmente durante a última década sob a sua liderança”, afirmou, por sua vez, Lavrov.
“Eles sinceramente nos deixam felizes porque esses são os sucessos dos nossos amigos. Vemos que nem todas as pessoas no mundo partilham esta atitude e estão tentando de todas as formas restringir o desenvolvimento da China e da Rússia”, ele acrescentou.
“Em 1949, a URSS foi o primeiro Estado a reconhecer a nova China. Desde então nos tornamos camaradas. Estes três quartos de século mostraram quão importantes são para nós e para o mundo inteiro a confiança mútua, a boa vizinhança, a amizade, a igualdade e a parceria mutuamente benéfica, que, como enfatizaram você e o Presidente Putin, é superior em eficácia aos blocos da era da Guerra Fria e não se dirige a terceiros”, sublinhou o chanceler russo.
Lavrov disse que é graças ao entendimento dos dois líderes que “as relações russo-chinesas demonstram estabilidade, bem como capacidade de adaptação a quaisquer condições (mesmo as mais difíceis). A base das relações russo-chinesas é o apoio mútuo em questões que afetam os interesses fundamentais dos nossos Estados”.
“O volume de negócios comercial está batendo novos recordes. O projeto Ano da Cultura Rússia-China já começou. O ‘pacote’ de política externa de Moscou e Pequim é a locomotiva de esforços que estão ganhando cada vez mais apoiadores para formar uma ordem mundial multipolar mais equitativa e garantir a segurança no continente euroasiático”, assinalou o chefe da diplomacia russa.
“Trabalhamos no âmbito da Organização de Cooperação de Xangai (OCX). A cooperação entre a União Econômica Euroasiática (EAEU) e o projeto chinês “Um Cinturão, Uma Estrada” está se desenvolvendo ativamente. As atividades dos BRICS estão chegando à vanguarda da política mundial moderna, fortalecendo a sua autoridade, e continua crescendo o número daqueles que querem aderir a esta associação de uma forma ou de outra, o que também contribui para a consolidação dos países do Sul Global”.
O presidente Xi chamou ambos os países a unir “os países do Sul Global no espírito de igualdade, abertura, transparência e inclusão”, a promover “a reforma do sistema de governança global” e a liderar vigorosamente “a construção de uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade”.
No mês passado, assim que sua vitória foi confirmada, o presidente Putin confidenciou que estava considerando a China para sua primeira viagem ao exterior, atendendo a sugestão do líder comunista russo Gennady Ziuganov.
COMUNIDADE DE SEGURANÇA NA EURÁSIA
Lavrov também se reuniu com seu homólogo chinês, Wang Yi, tendo realizado ao final do encontro uma coletiva de imprensa em que se estenderam sobre os principais temas da pauta comum, entre esses, a urgência em criar um sistema de segurança para a Eurásia, no contexto de Washington estar promovendo aceleradamente alianças político-militares fechadas, com clara orientação antirrussa e antichinesa.
“A tarefa de formar a segurança euroasiática está convocada. O presidente Putin mencionou isso em seu discurso à Assembleia Federal. Nossos amigos chineses e eu concordamos em iniciar um diálogo, com a participação de outros países de mentalidade semelhante, sobre essa questão,” disse Lavrov, ao lado de Wang.
O chefe da diplomacia russa assinalou que o objetivo é fortalecer a segurança na Eurásia, enquanto as plataformas existentes de segurança euroatlântica, a Otan e a OSCE, “se esgotaram como estruturas relevantes capazes de qualquer negociação significativa baseada no equilíbrio de interesses”.
Wang enfatizou que a China é contra a interferência da Otan na Ásia-Pacífico e se opõe à promoção do confronto de blocos dentro das regiões.
“É necessário buscar a verdadeira multipolaridade e se posicionar contra ‘círculos estreitos’ engajados no confronto de blocos, o que é especialmente atual para a região da Ásia-Pacífico onde estamos localizados. A Otan não deve estender as mãos à nossa casa comum”, disse Wang.
Lavrov disse ainda que, quanto a Taiwan, Rússia e China estão unidas na rejeição de qualquer interferência externa.
“Sobre Taiwan, que é parte integrante da China, estamos unidos a Pequim para rejeitar qualquer interferência externa, pois este é um assunto interno da China”, disse Lavrov.
No período recente, o aceno ao Japão para expandir a aliança Aukus, que inclui EUA, Reino Unido e Austrália, assim como manobras militares conjuntas EUA-Japão-Coreia do Sul-Filipinas e uma série de provocações no Mar do Sul da China, mais o anúncio, por Washington, da intenção de instalar mísseis de alcance intermediário (500-5000km) na Ásia, deixaram explícito a ameaça que vem sendo gestada à segurança, estabilidade e paz da região.
Na coletiva de imprensa conjunta, Wang lembrou que este ano a Rússia ocupará a presidência do Brics, enquanto a China assumirá a presidência rotativa da OCX. “Os dois lados apoiarão a presidência um do outro e iluminarão o momento da governança global do Sul”.
Ainda segundo o chefe da diplomacia chinesa, “como membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e dos principais países emergentes, a China e a Rússia respondem ativamente às aspirações comuns e às preocupações legítimas dos povos de todos os países, defendem um novo caminho de relações Estado-a-Estado, caracterizando o diálogo e a parceria, em vez de confronto e aliança, e promovem ativamente a construção de uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade”.
CRISE NA UCRÂNIA
As duas partes também debateram a resolução da crise ucraniana, com Wang destacando que a China espera ver um “cessar-fogo e o fim da guerra o mais rapidamente possível”.
A China – ele apontou – apoia “a convocação oportuna de uma conferência internacional reconhecida tanto pela Rússia quanto pela Ucrânia, com participação igual de todas as partes, e uma discussão justa de todas as opções de paz”.
“Nós e nossos amigos chineses afirmamos claramente a necessidade de levar em conta as preocupações legítimas de todas as partes envolvidas [na crise ucraniana], sobretudo na área de segurança”, disse Lavrov, se referindo a que uma das causas primordiais da ação russa foi a expansão da Otan às suas fronteiras e rompimento da condição de nação neutra pelo regime de Kiev. (A outra é a nazificação do país e a perseguição à população de fala russa)
“Neste contexto, meus colegas chineses e eu confirmamos a conclusão de que não há perspectiva de quaisquer eventos internacionais que não levem em conta a posição da Rússia, mas a ignorem completamente, que promovam a fórmula de paz completamente vazia e baseada em ultimatos de Zelensky e, portanto, estejam completamente descolados de quaisquer realidades”, enfatizou.
Na semana passada, em Moscou, ao se reunir com embaixadores de mais de 70 países, Lavrov observou que foi a China que propôs até aqui “o plano mais claro e razoável para um acordo em torno da Ucrânia”.
REPULSA AO ATAQUE TERRORISTA
“A China reiterou mais uma vez sua condenação ao ataque terrorista em Moscou e suas condolências e apoio à Rússia”, disse Wang.
“O povo chinês também é vítima do terrorismo, e o terrorismo sempre foi uma ameaça comum enfrentada pela humanidade. A comunidade internacional deve combater resolutamente todas as formas de terrorismo com uma atitude de ‘tolerância zero’, apoiar firmemente os esforços de todas as partes para manter a segurança e a estabilidade nacionais, fortalecer a cooperação internacional antiterrorista, coordenar o desenvolvimento e a segurança e eliminar os criadouros do terrorismo”, observou Wang.
“Quero agradecer à China por suas condolências em conexão com o ataque terrorista na região de Moscou em 22 de março e por seu apoio à luta da Rússia contra o terrorismo”, disse Lavrov.
NÃO ÀS SANÇÕES UNILATERAIS
O chefe da diplomacia chinesa classificou as sanções unilaterais como um ato de intimidação, enfatizando que China e Rússia são contra esse mecanismo e que todos os países devem se unir para se opor a ele.
“As sanções unilaterais são um ato típico de intimidação, que viola o direito internacional, a ordem internacional justa e legítima, e também vai contra a tendência de desenvolvimento e progresso mundial”, disse Wang.
Lavrov também afirmou que Rússia e China pretendem resolver questões relacionadas a sanções no âmbito do BRICS e da Organização de Cooperação de Xangai (SCO).
“O meu homólogo falou detalhadamente sobre as lacunas econômicas específicas que são criadas como resultado da política ilegal de sanções unilaterais e que iremos resolver no âmbito dos BRICS, dentro da OCX”, assinalou Lavrov.
A visita de Lavrov coincidiu com a passagem da secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, que, entre outras coisas, ameaçou com sanções empresas chinesas que supostamente “cooperem” com o ataque militar russo à Ucrânia.
Embora a mídia chinesa em geral haja considerado as reuniões com Yellen “produtivas”, não faltou – o que também aconteceu entre observadores no mundo inteiro – a percepção de que Lavrov foi, literalmente, recebido com “tapete vermelho”, enquanto a recepção à secretária do Tesouro foi bem mais comedida.
Indagado por um jornalista se Moscou e Pequim estavam planejando ações conjuntas para se contrapor à pressão do ‘Ocidente coletivo’, Lavrov respondeu dizendo que não ia “revelar um grande segredo – o ministro Wang Yi inventou ontem a fórmula da dupla contra-ação contra a dupla contenção”, declaração que levou Wang a rir.
“Lembramo-nos de como os nossos líderes formularam a tarefa de ficarem costas com costas, ombro a ombro, no caminho das tentativas de abrandar o curso objetivo da história… Todos compreendem que o Ocidente provou que o sistema de funcionamento das finanças globais e os laços econômicos que criou e propôs ao resto do mundo não são confiáveis”, continuou Lavrov, enquanto, segundo o registro do jornal russo Konsomolskaya Pravda, o chanceler chinês assentia com aprovação.
Também é de Wang Yi a declaração de que China e Rússia “somos guiados pela eterna boa vizinhança e amizade. Criamos, em contraste com os estereótipos da Guerra Fria, um padrão completamente novo de relações entre as grandes potências”. E concluindo: “apoiaremos resolutamente o desenvolvimento estável e o renascimento da Rússia sob a liderança do Presidente Putin”.