Em meio às tensões da guerra comercial e tecnológica desencadeada pelo governo dos EUA, o presidente Xi Jinping afirmou que a China se defronta com “nova Longa Marcha”, diante das “importantes oportunidades estratégicas para o desenvolvimento”, mas tendo que superar riscos e desafios “internos e internacionais”. Ele também conclamou o povo chinês a aprender com as lições das dificuldades do passado.
A Longa Marcha do Exército Vermelho de 10 mil quilômetros, desde Jiangxi, no sul, até o pé da Grande Muralha, em Yenan, em 1934-1935, liderada por Mao Tse Tung, episódio decisivo da Revolução Chinesa, permitiu que o PC chinês reorganizasse suas forças numa remota base rural, depois de romper o cerco do Kuomitang, sustentasse a resistência patriótica à invasão japonesa e chegasse à vitória e fundação da República Popular da China em 1949. A declaração do presidente Xi foi feita durante visita de três dias à província de Jiangxi.
“Devemos estar conscientes da natureza complexa e de longo prazo de vários fatores desfavoráveis em casa e no exterior e nos prepararmos adequadamente para várias situações difíceis”, afirmou o presidente chinês, pouco mais de três dias após decisão do regime Trump de banir o fornecimento de semicondutores e de software de procedência norte-americana à gigante chinesa das telecomunicações e dos smartphones, a Huawei.
Como Xi advertiu, “nosso país ainda está em um período de importantes oportunidades estratégicas para o desenvolvimento, mas a situação internacional é cada vez mais complicada”. “Agora há uma nova Longa Marcha, e devemos nos preparar para fazer um novo começo”.
Posto o novo cerco – o bloqueio à tecnologia intentado pelo governo de Trump -, o presidente Xi sublinhou a importância da alta tecnologia para o soerguimento em curso da China, rumo a um futuro compartilhado de toda a Humanidade, e ressaltou que a “inovação é a força vital” das empresas.
Xi acrescentou que “somente tendo propriedade intelectual e tecnologia de base é possível produzir produtos que possuam competitividade, e só então uma posição invencível pode ser alcançada em meio à competição acirrada”.
A China precisa dominar mais tecnologias essenciais e chegar ao topo no desenvolvimento industrial, enfatizou Xi. Ele também visitou uma fábrica de terras-raras, estratégico componente da eletrônica avançada que move a digitalização da economia no mundo inteiro, e cuja produção é 80% chinesa.
“INTIMIDAÇÃO TÍPICA”
Por sua vez, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, chamou as pressões do governo Trump contra a Huawei de “intimidação econômica típica”. “O uso do poder dos EUA para reprimir as empresas privadas da China, como a Huawei, é uma típica intimidação econômica”, afirmou. Ele também sinalizou que o país está aberto para negociações comerciais, mas jamais aceitará “acordos desiguais”.
As agências de notícias registraram novos lances do regime Trump contra o desenvolvimento tecnológico chinês e em especial, sua vitrine, a Huawei, que na tecnologia de alta velocidade 5G – que é a base de toda a digitalização em nuvem dos processos produtivos e da conectividade em massa de dispositivos – deixou para trás todas as empresas norte-americanas e sozinha detém 40% das patentes concernentes. Como afirmou o presidente da Huawei, Ren Zhengfei, a empresa chinesa está de “dois a três anos” à frente das concorrentes, e sua unidade básica custa 10 mil euros a menos. Também a empresa de equipamentos de vigilância por vídeo Hikvision Digital Tecnology será submetida &ag rave; lista negra de Trump, e proibida de comprar componentes e software de procedência norte-americana.
LAÇOS COM A EUROPA
Em Bruxelas, ao apresentar o “caminho europeu do 5G”, o representante-chefe da Huawei, Abraham Liu, afirmou que o equipamento tem sido desenvolvido “em conjunto com europeus e personalizado para as necessidades e os desafios da Europa”.
Ele agradeceu à recusa da União Europeia de ser arrastada para o bloqueio à Huawei de parte do governo dos EUA e acrescentou que a empresa vem sendo “vítima de bullying”. “Não é apenas um ataque à Huawei, é um ataque à ordem baseada em regras”.
Atualmente, a Huawei opera 23 centros de pesquisa e desenvolvimento em 14 países europeus e testou as tecnologias 5G em bancos de ensaio em Munique, na Alemanha; na Universidade de Surrey, na Grã-Bretanha; e em Bari, na Itália.
MERCADO INTERNO
A Huawei também conta com o peso do gigantesco mercado interno chinês. “Na semana passada, em licitações públicas da China Mobile, ganhamos contratos para construir redes 5G para 37 das 40 cidades”, ressaltou. É por isso que a trégua de 90 dias anunciada por Trump foi considerada pelo presidente da Huawei como sem relevância – embora sirva de respiro para as corporações dos EUA impedidas de vender aos chineses.”
Como revelou Ren, a capacidade de produção em massa da Huawei “é enorme e não diminuirá muito com as restrições dos EUA”. Assim, não se repetirá com a Huawei o que Washington fez com a ZTE, que teve sua produção parada por meses após Trump proibir a venda de componentes norte-americanos, até a empresa pagar multa de US$ 1,4 bilhão e mudar a diretoria.
“CORTINA DE FERRO TECNOLÓGICA?”
O El País advertiu sobre uma “cortina de ferro tecnológica”, com empresas ocidentais ameaçadas para se sujeitarem às ordens de Trump quanto ao 5G e o Plano Made In China de autossuficiência em tecnologia de ponta, da computação quântica à inteligência artificial.
Mas as coisas “podem não seguir o caminho que os que decidem em Washington têm em mente”, destacou o China Daily.
A ZTE era dependente de “tecnologia externa”, mas a Huawei é “um tipo de empresa radicalmente diferente”. Cujo Plano B acaba de ser revelado – “uma série de chips de desenvolvimento próprio”. A confiança da Ren está na capacidade da Huawei de atender seus clientes sob “quaisquer circunstâncias”, registrou.
CORRIDA PARA O FUNDO
Empreendedores e banqueiros do circuito EUA- China, ouvidos pela publicação chinesa, se mostraram céticos quanto ao sucesso da investida. “A corrida para o fundo em uma guerra tarifária prejudicaria os dois países e seu povo, e não resolveria os problemas em questão”, afirmou Roberta Lipson, diretora do Conselho de Negócios dos EUA.
Esperançosa, ela assinalou como nos últimos 40 anos grandes progressos foram conseguidos nas relações EUA-China, com “muitos problemas difíceis resolvidos por diálogo e esforços concentrados”.
“Nunca foi um jogo de soma zero, para começar”, afirmou Emmanuel Daniel, presidente do The Asian Banker. “Quando os EUA bloqueiam a Huawei, também bloqueiam sua própria exportação de chips para a China, o que, por sua vez, mantinha os preços dos chips baixos”, reiterou.
O australiano Daryl Guppy afirmou que, sob uma estimativa conservadora, o início do 5G “pode aumentar o PIB global entre US$ 152 bilhões-565 bilhões. “Não vejo como os EUA possam frustrar as perspectivas de crescimento nessas áreas, exceto para proteger o fracasso de seu próprio setor corporativo de influenciar o processo”.
Guppy lembrou ainda que a China contribui com 27% do crescimento econômico mundial, o dobro dos EUA, enquanto o único grande plano de investimento em infraestrutura disponível hoje no planeta é o BRI (Iniciativa Cinturão e Estrada), a nova Rota da Seda proposta pela China.
De acordo com o Relatório da ONU sobre Situação Econômica e Perspectivas, a guerra comercial entre os EUA e a China já causou uma queda de 15% no comércio bilateral desde setembro do ano passado, quando a segunda rodada de tarifas entrou em vigor. Como dano colateral, a expectativa de crescimento do comércio global caiu para 2,7% este ano, em comparação com 3,4% de 2018.
ANTONIO PIMENTA