Pessoas que lidaram na época com os trâmites da Organização apontam que nunca houve resposta do governo diante do pedido para visto
O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) boicotou a tentativa da Organização das Nações Unidas (ONU) examinar a situação de genocídio no Brasil.
Segundo Jamil Chade, do portal UOL, em 2022 a representante especial do secretário-geral da ONU para a Prevenção de Genocídio, subsecretária geral Alice Wairimu Nderitu, tinha viagem planejada para o País.
Todavia, pessoas que lidaram na época com os trâmites da organização apontam agora que nunca houve resposta por parte do governo diante do pedido para visto.
A visita ocorreria no âmbito do debate sobre “crimes atrozes” no país — e o que não falta no Brasil são crimes atrozes —, realizado em abril do ano passado, entre as cidades de Belém (PA) e Rio de Janeiro. Assistentes da representante chegaram a fazer a viagem. Mas sem o status oficial de missão da ONU.
Poucos meses antes, pela primeira vez, ela havia citado o Brasil num dos informes dela enviados a todos os governos do mundo. Numa reunião do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em meados de 2021, a situação dos indígenas foi apontada como alarmante.
GOVERNO BOLSONARO IGNOROU CHAMAMENTO
Wairimu Nderitu afirmou estar preocupada com povos indígenas nas Américas e mencionou o Brasil como um dos exemplos. “Na questão indígena, não podemos enfatizar mais”, disse.
“Na região das Américas, estou particularmente preocupada com os povos indígenas. No Brasil, Equador e outros países, eu peço aos governos para proteger comunidades em risco e garantir justiça para crimes cometidos”, insistiu.
A referência ao Brasil pela representante da ONU que lida com a prevenção de genocídio foi tratada como ameaça dentro do governo Bolsonaro. O ex-presidente havia sido denunciado em fóruns internacionais por entidades, como a Comissão Arns, e líderes, como Raoní, sobre a situação dos povos indígenas.
NECROPOLÍTICA DE BOLSONARO
A partir das reuniões realizadas sem a presença da representante da ONU, informe foi preparado por entidades como a ACT Aliiance.
O documento chegou a algumas conclusões sobre o cenário sob o desgoverno de Jair Bolsonaro:
- há ataques sistemáticos contra a população civil que defende os direitos humanos, maior distribuição das riquezas, demarcação de territórios quilombolas e indígenas; entre outros;
- há grupos sistematicamente atacados e um exemplo é o povo mundurucu;
- percebe-se projeto necropolítico contra a população negra e indígena;
- nestes últimos anos, o Estado brasileiro forçou e forjou fortemente um Estado Miliciano (ex. RJ) — a ida do governo anterior para o poder “levou a milícia para o Planalto”;
- grupos se estruturaram para a “realização de crimes atrozes” (grupo Dom Bosco); braço armado do agronegócio e do garimpo gera muitos crimes atrozes — o Estado que deveria proteger é o agente da violência por inação e por ação também;
- temos debilidade muito grande por parte do Estado, seja pelo aparelhamento, pelo esvaziamento, pela não fiscalização;
- limitação muito grande do sistema ONU – governo se põe contra a ONU e isto não tem gerado efetivamente impacto algum no atual governo — política externa totalmente alinhada com países ditatoriais e autocratas ao nível global e o Brasil ainda paira para o sistema como democracia saudável; e
- no atual contexto há avanço da criminalização sobre sociedade civil. Esta criminalização passa por vários fatores, como inviabilização da atuação, fragilização, pressão permanente.
VITÓRIA DE LULA MUDA CENÁRIO
A situação, porém, mudou com a derrota nas eleições de Jair Bolsonaro. Numa das primeiras conversas com líderes estrangeiros, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ouviu do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, preocupação em relação aos povos indígenas, inclusive sobre a contaminação de pessoas e terras pelo mercúrio.
A atitude do novo governo de lidar com a crise, denunciar a situação do povo yanomami e aceitar missões internacionais foi aplaudida por Guterres.
Agora, a ONU vai mandar ao Brasil representante para a prevenção do genocídio.
Diante da situação do povo yanomami e da crise com as instituições de Estado legadas por Bolsonaro, o novo governo passou a dialogar com agências internacionais para avaliar a possibilidade de respaldo estrangeiro.
M. V.