Associação Yanomami Hutukara confirmou a morte de duas crianças Yanomami na comunidade de Palimiu, em Roraima, vítimas dos ataques de invasores da terra indígena
Desde a última semana, indígenas da etnia Yanomami são alvos de tiros disparados por garimpeiros que invadiram o território para mineração ilegal. O aumento da violência na região voltou a ser denunciado nesta segunda-feira, 17, pela Associação Yanomami Hutukara. No sábado (15), a associação confirmou a morte de duas crianças Yanomami na comunidade de Palimi ú, em decorrência do conflito. Os Yanomami denunciam o abandono pelo governo federal que compactua
O vice-presidente da associação, Dário Vitório Kopenawa Yanomami, enviou nova carta a autoridades, para alertar sobre a situação e pedir apoio emergencial.
“No dia 16 de maio, pela noite, às 21h40, recebemos ligação da comunidade de Palimi ú comunicando novo ataque de garimpeiros à comunidade. Segundo disseram os Yanomami, eram 15 barcos de garimpeiros se aproximando contra a comunidade”, afirmou Dário, no documento.
“Os Yanomami disseram que, além dos tiros, havia muita fumaça e que seus olhos estavam ardendo, indicando o disparo de bombas de gás lacrimogêneo contra os indígenas. Os Yanomami estavam muito aflitos, e gritavam de preocupação ao telefone. Ao fundo, era possível escutar o som dos tiros”, declarou.
“Reiteramos o pedido aos órgãos que atuem com urgência dentro de seu dever legal para impedir a continuidade da espiral de violência no local e garantir a segurança para a comunidade Yanomami de Palimiu, antes que conflitos de mais grave natureza ocorram”, diz a Associação Yanomami Hutukara.
Os indígenas pedem a instalação de um posto avançado emergencial na comunidade de Palimi ú, com o objetivo de manter a segurança no local e no Rio Uraricoera, por onde os garimpeiros têm chegado à margem das comunidades. Eles solicitam que o Exército, por meio da 1ª Brigada de Infantaria da Selva, dê apoio logístico imediato para ações dos demais órgãos públicos, para garantir a segurança no local.
Os ataques de garimpeiros aos indígenas ocorrem desde o dia 27 de abril, quando um grupo Yanomami interceptou cinco invasores que subiam pelo Rio Uraricoera em uma embarcação carregada de combustível para avião e helicóptero. Os indígenas apreenderam a carga de 990 litros de combustível e expulsaram os cinco garimpeiros. “Assistindo o ocorrido, outros sete garimpeiros, que desciam o rio em direção a Boa Vista, reagiram disparando três tiros contra os indígenas, acima do posto de saúde local, a que os Yanomami responderam com mais tiros. Felizmente, não houve feridos”, escreveu a associação Hutukara.
Os ataques se repetiram com os invasores armados circulando pelos rios e atirando contra as aldeias. No dia 12 de maio, uma equipe da Polícia Federal também foi recebida a tiros pelos garimpeiros. Os indígenas denunciam ainda que os garimpeiros estariam se aliando à facção criminosa PCC, que controla as rotas de tráfico na região.
Na sexta-feira, 14, a Funai chamou de “suposto conflito” o relatado pelos yanomamis e declarou que acompanha o caso, junto às autoridades policiais.
A Justiça Federal de Roraima determinou à União a manutenção de efetivo armado de forma permanente na Comunidade Palimiú para evitar novos conflitos e garantir a segurança de seus integrantes, bem como exigiu que a Funai auxilie as forças de segurança no contato com os indígenas e no gerenciamento das relações interculturais. Sobre o assunto, a fundação informou que “está à disposição dos órgãos citados na decisão para integrar as equipes e prestar todo o apoio necessário, inclusive logístico, por meio de suas bases na região”.Em nota, a “Funai ressalta, ainda, que não compactua com qualquer conduta ilícita, bem como com juízos açodados, emitidos antes que seja concluída a rigorosa apuração dos fatos pelos órgãos competentes. Por fim, a fundação esclarece que não comenta decisões judiciais.”
Mortes de crianças
A associação Hutukara Yanomami confirmou a morte de duas crianças Yanomami na comunidade de Palimi ú, após os tiroteios de garimpeiros contra a comunidade. Segundo a associação, no dia 12, às 15 horas, os indígenas encontraram os corpos dos dois meninos na água, já sem vida. “As crianças estavam afogadas. Uma criança tinha 01 ano e outra de 05 anos”, afirmou a associação.
“Nós Yanomami queremos viver em paz na nossa terra, com a floresta. As autoridades brasileiras precisam cumprir sua responsabilidade e agir urgentemente para garantir a segurança dos Yanomami e dos Ye’kwana, e para proteger a Terra Indígena Yanomami e a floresta do garimpo ilegal”, declarou a associação.
Os constantes ataques que as Lideranças Yanomami estão sofrendo desde o dia 10 de maio resultaram em mais duas crianças encontradas mortas após a investida armada de garimpeiros contra a comunidade Palimi ú. Para se proteger do intenso tiroteio que aconteceu na segunda-feira (10), os indígenas, assustados, se refugiaram na mata. Dois meninos de 1 e 5 anos,
Segundo as lideranças Yanomami, os menisnos se perderam e, embora a comunidade tenha realizado buscas nos dias seguintes, seus corpos só foram encontrados boiando no rio Uraricoera no dia 12 de maio. “No dia 11, eles começaram a procurar as crianças. Acharam várias, mas sobraram duas. Então no dia 12 as duas crianças começaram a boiar no rio grande (rio Uraricoera)”, disse Dário Yanomami.
Os corpos das crianças estão no mato, no jiral, secando, de acordo com o ritual dos povos Yanomami. O relato das mortes foi feito pelas lideranças ao Ministério Público Federal (MPF), na tarde de sábado (15), em Boa Vista, capital de Roraima.
Os indígenas Yanomami da comunidade Palimiú falaram à imprensa pela primeira vez em uma coletiva na sede da Caritas Diocesana de Roraima. Eles foram até a capital para pedir proteção às autoridades e relatar os ataques que estão sofrendo, cada vez mais violentos.
A própria vinda de uma comitiva de oito lideranças de Palimi ú (cinco homens e três mulheres) foi cercada pelo pânico. Antes de sair da comunidade para pegar o voo de uma hora com destino à Boa Vista, os indígenas relataram que precisaram se esconder quando garimpeiros armados invadiram a comunidade às margens do Uraricoera.
Timóteo Palimithëri disse que são os próprios Yanomami que precisam proteger Palimi ú de novos ataques, já que não há a presença de forças federais na comunidade. Ele pediu proteção urgente.
“Nós mesmos, Yanomami, de segurança, estamos lá. Nós mesmos. Não é Exército, Polícia Militar. Não estão mesmo. Por isso estamos aqui falando, vocês tem que aproveitar isso para ter segurança lá, hoje mesmo, tem que mandar. Nós, Yanomami, mesmo estamos vigiando as crianças, os idosos, para toda maloca”, disse Timóteo.
“Estamos com sono, não estamos quase aguentando, por favor, urgente, vocês vão ver agora, tá? E Polícia Militar também, Funai também tem que ter força e atender o nosso sofrimento”, acrescentou Timóteo. “Se não tiver Exército, Polícia, vai morrer bastante indígenas, vai morrer mesmo, com certeza, e nós não queremos.”
Ricardo Palimithëri disse que o clima na comunidade é de permanente tensão. Ele destacou que os garimpeiros envolvidos nos ataques a tiros são “seguranças” de garimpeiros e andam com armamentos pesados. “Eles começam sete horas da noite, carregando os karts. Têm muitas armas, assim, não sei quando eles voltam, na mesma hora, eles voltam de novo de noite. Eles não têm armas leves não, arma pesada. Eles são arma pesada”, descreveu Ricardo.
Na língua Yanomami, Fernando Palimithëri, outra liderança de Palimi ú, afirmou que a comunidade tenta proteger mulheres e crianças, retirando-as da margem do rio Uraricoera, por onde passam os garimpeiros armados. “Não queremos que eles morram na frente do tiroteio, que as metralhadoras matem nossas crianças. É direito à vida”, disse, conforme a tradução de Dário Yanomami. Fernando é pai do menino de 5 anos que morreu depois da invasão de garimpeiros.
As três mulheres Yanomami presentes na coletiva, que foi acompanhada por representantes do Instituto Socioambiental, também falaram. “Não queremos mais tomar água suja (poluída pela atividade do garimpo). Eu estou muito revoltada, muito brava, essa é a minha mensagem”, disse Celia Yanomami, em sua língua nativa, também com tradução de Dário.