Depoimento foi para a Operação Skala
“Pacote” foi entregue por Funaro a pedido do ministro Padilha
Em depoimento à Polícia Federal (PF), José Yunes declarou que, após receber, a pedido de Eliseu Padilha, a visita de Lúcio Funaro – que levou R$ 1 milhão de reais, de uma propina da Odebrecht, ao seu escritório – relatou o fato a Temer.
Yunes foi assessor especial no Planalto durante sete meses – e disse à PF que é amigo de Temer há 50 anos.
Sobre a visita de Funaro, disse ele que “… detalhou para Michel Temer sobre o tal pedido [de Padilha], alguns dias depois; falou para Michel Temer que ficou estarrecido com a tal ‘figura delinquencial’, após tomar conhecimento através do Google sobre envolvimento em escândalos por Lúcio Funaro” (cf. SR/PF/SP, AC N° 4.381, Termo de Declarações de José Yunes, 31/03/2018, p. 2).
Funaro já era conhecido publicamente como escroque, desde a época do chamado “mensalão”. É muito difícil acreditar que, ao contrário de todo o meio político (e de boa parte da população do país), Yunes não soubesse de quem se tratava, e tivesse que procurar no Google o nome de Lúcio Funaro.
Mais difícil ainda era achar que Funaro fosse portador de algo lícito (literalmente, disse Yunes à PF: “achou que o documento que recebeu, a pedido de Padilha, poderia ser documento imobiliário, uma vez Padilha também atuava nessa área como advogado imobiliário, em Porto Alegre”).
Não era para coisas dentro da lei que a cúpula do PMDB – ou lá quem fosse – usava os serviços de Funaro (para que usar Funaro na entrega de um “documento imobiliário”? Mais fácil, nesse caso, era Padilha entregar o documento pessoalmente, ou mandar um office-boy postá-lo em alguma agência dos Correios, que pagar milhares de reais a Funaro, para ser mensageiro).
Aliás, é exatamente porque sabe qual o ramo de Funaro, que Yunes o chama de “figura delinquencial”. Porque Funaro era isso, inclusive publicamente: um delinquente que se movia nos interstícios da propina.
Funaro foi agarrado, pela primeira vez, no Caso Banestado, em 2003, interrogado por um juiz de nome Sérgio Fernando Moro. Na época, Funaro era um dos homens de Ricardo Sérgio, operador do PSDB no governo Fernando Henrique.
Depois, através de uma empresa de nome “Garanhuns” (nome do município em que Lula nasceu), Funaro operou para o PT, em parceria com Marcos Valério, e para o PL, do então deputado Valdemar da Costa Neto. Por fim, operou para Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima, Eliseu Padilha – e Temer.
E, antes que nos esqueçamos: Funaro também foi preso na Operação Satiagraha, que investigava os crimes do escroque Daniel Dantas.
O DINHEIRO
Era esse o sujeito que Yunes não conhecia – e que teve de pesquisar no Google para saber que se tratava de um bandido.
Mas, então, Yunes ficou calado.
Somente quando a propina da Odebrecht a Temer e sua trupe apareceu (nos depoimentos de Cláudio Melo Filho, diretor da Odebrecht, e do próprio Marcelo Odebrecht), é que Yunes, em fevereiro de 2017, revelou a visita de Lúcio Funaro ao seu escritório – e nos seguintes termos:
“Na verdade, eu fui um ‘mula’ involuntário. Por quê? O Padilha em 2014 pediu se poderia uma pessoa entregar um documento no meu escritório, que uma outra pessoa iria pegar. Falei: ‘sem problema nenhum’. Foi o que ocorreu. Agora, quem levou o documento, é o tal de Lúcio Funaro. Eu não o conhecia. Ele deixou lá o envelope e falou: ‘uma outra pessoa vai falar no nome do Lúcio e vai pegar o documento’. Uma pessoa foi no escritório e pegou o documento, que era um envelope, né? Essa é a realidade dos fatos”.
A realidade dos fatos é que dá-se o nome de “mula” ao sujeito que transporta drogas para traficantes, sobretudo em viagens internacionais.
Ninguém acha que é “mula” – ou é chamado de “mula” – quando o objeto transportado é algo lícito e honesto.
O “mula” é sempre alguém que transporta um objeto ou substância ilegal, ilícita.
Yunes sabe disso muito bem – além de advogado e professor de Direito, é um homem de vasta experiência e longa vida pública.
Portanto, quando relatou a Temer a visita de Funaro, ele sabia do que se tratava. E Temer também sabia do que se tratava. Até porque foi o próprio Temer quem pediu a propina da Odebrecht (v. o depoimento de Cláudio Melo Filho, confirmado por Marcelo Odebrecht).
A questão, naturalmente, é: por que Padilha combinou com Yunes – que não era seu amigo, mas de Temer – que recebesse o dinheiro, através de Funaro?
Por que era necessário que esse dinheiro fosse entregue no escritório de Yunes?
Quem foi a pessoa que, depois, passou no escritório de Yunes para receber o dinheiro que Funaro lá deixara?
Em suma: para quem era esse dinheiro?
NADA SABE
Não é muito difícil descobrir tal coisa – era através de “amigos” que Temer recebia as propinas. Os mais próximos eram, exatamente, Yunes e Batista Lima.
José Yunes não é uma pessoa estúpida, muito ao contrário. Mas é um sujeito peculiar.
Preso no último dia 28, na Operação Skala, ele depôs, no dia seguinte, na PF. A Operação Skala investiga, a pedido da Procuradoria Geral da República (PGR), a quadrilha de Temer.
Nesse depoimento, Yunes disse que não sabia de nada. Absolutamente nada. Por pouco não negou que conhecesse Temer – mas aí, também, já era demais.
Ironia à parte, em depoimento anterior à PF, ele esquecera de algumas transações: a venda de um imóvel para Temer, a sociedade com Temer em outro imóvel, uma casa que vendeu para Marcela Temer, comprada com dinheiro do marido, mais a venda, também para Temer, de “dois escritórios, uma casa e o andar de um prédio em áreas nobres de São Paulo, entre os anos de 2000 e 2010”.
Os policiais, agora, sabiam dessas transações, e, evidentemente, perguntaram por que, no depoimento anterior, Yunes não havia informado sobre elas.
Ele respondeu que “somente lhe foi perguntado sobre transações para Michel Temer enquanto pessoa física, assim como não lhe foi questionado sobre familiares”.
Apesar de amigo de Temer há 50 anos, Yunes, pelo que disse à PF, não é amigo dos amigos de Temer – nem de Padilha, com quem “tinha um relacionamento amistoso em consideração ao Presidente da República”.
No entanto, aceitou o pedido de Padilha de receber a encomenda (“se tratava de envelope lacrado grosso, da espessura de pouco mais de dois centímetros”) levada por Lúcio Funaro – aliás, declarou à PF que esse foi o único pedido desse tipo que lhe fizeram em toda a sua vida (“jamais havia recebido pedidos de outras pessoas para receber encomendas ou documentos em seu escritório”).
Por que Yunes aceitou o pedido de Padilha? Por “consideração ao Presidente da República”?
Yunes é, ou foi, sócio de Temer em uma incorporadora, mas, diz ele, não conhece os negócios de Temer.
PRAXE DA PROPINA
Assim foi o primeiro depoimento de Yunes, depois de preso.
Dois dias depois, ainda preso, Yunes foi, outra vez, ouvido pela PF.
Aparentemente, a prisão melhorou mais a sua memória do que faria um saco inteiro com pílulas de Memoriol. É verdade que ela foi devidamente estimulada pelas perguntas do delegado Cleyber Lopes, que dirigiu o interrogatório, e dos procuradores Luana Macedo e Hebert Mesquita.
Disse Yunes que “em 2014 recebeu um telefonema de Eliseu Padilha lhe perguntando se poderia receber um documento em seu escritório, tendo recebido tal pessoa que se apresentou como Lúcio Bolonha Funaro, tendo recebido o documento.
“… não sabia do que se tratava o documento, pois não abriu o envelope; nesta ocasião, cerca de 40 minutos após, uma pessoa compareceu em seu escritório para retirar o documento entregue por Lúcio, sendo que sua secretária Shirley entregou;”
Pelo menos até que Yunes diga quem passou no seu escritório para pegar o dinheiro, o que há de inverossímil nesse relato é tudo – exceto que Funaro entregou R$ 1 milhão de reais da propina da Odebrecht.
Funaro afirmou, também em depoimento à PF, que Yunes sabia que o conteúdo do “envelope grosso” era dinheiro.
Seu relato, aliás, é muito parecido com outro: o de Florisvaldo Caetano de Oliveira, que também entregou R$ 1 milhão para Temer.
A diferença é que, nesse caso, o dinheiro era parte de uma propina da JBS – e não da Odebrecht – e o local de entrega foi na empresa de outro receptador de Temer, João Batista Lima – e não no escritório de Yunes.
O depoimento de Florisvaldo de Oliveira foi confirmado pelo diretor de relações institucionais da JBS, Ricardo Saud, que anexou uma série de documentos, em seu depoimento à Procuradoria, sobre essa entrega de propina para Temer.
Exceto a origem do dinheiro e o local da entrega, o procedimento foi exatamente o mesmo nas duas propinas.
Yunes disse à PF que não conhecia Lúcio Funaro – e que não teve mais contato com ele.
No entanto, retorquíram os interrogadores, Funaro tinha o número do telefone de Yunes na agenda de seu celular.
Yunes respondeu que “não sabe dizer por que Funaro possuía o seu número de telefone na agenda de seu celular”.
Perguntado sobre por que Joesley Batista, da JBS, e Rocha Loures, o carrega-mala de Temer, em conversa gravada pela PF, se referiram a ele como receptador de “propinas para repassar a políticos no PMDB”, disse Yunes que “acredita que Joesley tentava criar fatos de modo a implicar o presidente Temer, pois a sua ligação com o presidente é notória”.
Tão notória que Temer, depois de ouvir o relato “detalhado” de Yunes, não fez nada.
Padilha continuou no círculo de Temer – hoje é ministro, quase em pânico pelo fim, inevitável, de seu “foro privilegiado”.
Yunes, que no passado verberava contra a corrupção de Paulo Maluf (escreveu até um livro denunciando Maluf), não rompeu com Temer por causa disso.
E Funaro continuou operando para Temer e a cúpula do PMDB – até que foi preso pela Operação Lava Jato.
Por fim, disse Yunes que transferiu sua incorporadora, agora chamada Yuny, para seus filhos.
Assim, “ficou sabendo pela imprensa notícias de que a Yuny havia firmado contrato e feito transferências de recursos para as empresas de Adir Assad, investigado e preso na Lava Jato. Seus filhos não comentaram o caso com o declarante, pois são muitos discretos”.
CARLOS LOPES