
O projeto do Novo Anel Rodoviário da Região Metropolitana de Belo Horizonte (Rodoanel), cujas obras estão previstas para começar no segundo semestre deste ano, abocanhou a maior fatia do Acordo de Reparação de Brumadinho: 25% dos recursos (mais de R$ 3 bilhões) enviados até agora para o caixa do governo do estado, segundo o próprio Portal da Transparência do Estado de Minas. Os recursos, usados como capital político garantiram a reeleição do governador Romeu Zema (Novo) em 2022.
“Houve negociações de recursos do acordo para atender demandas do governante de plantão e suas ambições político-eleitorais”, disse ao Sputnik Brasil o doutor em ciências sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (Conedh-MG), Robson Sávio.
A denúncia é reforçada pela deputada estadual Bella Gonçalves (PSol-MG), em entrevista ao HP. “O governador Zema enquanto não pagou a dívida pública do Estado, tem se beneficiando de uma situação fiscal muito confortável e ainda teve o recurso da Vale em Brumadinho para repartir entre os municípios”. “Anunciou projetos megalomaníacos como o Rodoanel – só que entregues à iniciativa privada, – a empresas construtoras da Itália, marcadas, inclusive, por alianças com à extrema-direita italiana”, continua Bella.
Um projeto que não atende às necessidades das comunidades atingidas pela tragédia-crime da Vale em Brumadinho e sobre o qual não foram consultadas. “Foi utilizado politicamente para costurar várias demandas de grupos de interesse [políticos e econômicos], em detrimento do atendimento às populações diretamente atingidas em toda a bacia do rio Paraopeba e à recuperação ecológica”, avalia Sávio.
“O projeto do Rodoanel é completamente desprovido de participação (social) e de consulta dos povos e comunidades tradicionais que vão ser afetados porque estão no curso da construção da rodovia”, avalia a deputada do PSol.
“O Zema usou o dinheiro das indenizações – porque passou recursos para todos os municípios de MG – para ganhar a eleição, o que o levou a ter uma grande credibilidade eleitoral”, disse o coordenador nacional do Movimento dos Atingidos Por Barragens (MAB), Joceli Andrioli, que também foi entrevistado pela Hora do Povo. Em outubro de 2022, Zema foi reeleito em Minas Gerais com 56,18% dos votos.
“E também, grande parte do acordo que foi para o estado de MG vai ser usado para as próprias mineradoras, como é o caso do Rodoanel, que vai atingir mais de 100 mil pessoas, destruir mais de 3 mil nascentes na Região Metropolitana de BH e cobrar um dos pedágios mais caros do Brasil que a população vai ter que pagar (R$ 0,35) por quilômetro rodado”, continua o coordenador do MAB.
“O governador Romeu Zema é um aliado de primeira hora da indústria da mineração, e isso não é novidade. Desde o rompimento da barragem, os interesses econômicos prevaleceram sobre os interesses públicos, sociais, ecológicos e das comunidades vítimas do rompimento”, afirma o presidente do Conedh-MG. “Nesse sentido”, prossegue, “houve negociações de recursos do acordo para atender demandas do governante de plantão e suas ambições político-eleitorais”.

PRIORIDADE ÀS PRIVADAS
Além do uso eleitoreiro do acordo de reparação de Brumadinho e os demais municípios da bacia do Paraopeba, Zema também atua para aumentar os lucros do setor privado. Entregue a empresas privadas em dezembro do ano passado, assim como Rodoanel, o metrô de Belo Horizonte vai receber parte dos recursos para as obras.
Ao todo, o governo de Minas destinará R$ 440 milhões para a expansão das linhas da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) Minas Gerais, leiloada por apenas R$ 26 milhões, mesmo sendo avaliada em R$ 900 milhões pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), segundo o Brasil de Fato. Até a Vale entrou na conta.
“No caso dos municípios, eles definiriam as obras e a Vale iria realizar. Pela denúncia dos prefeitos, a Vale começou a fazer (as obras) com valor de três – a cinco vezes mais – do que as obras licitadas pelo Poder Público”, diz Joceli. “Os prefeitos se revoltaram, se articularam e foram pressionar e aí existe esse debate (hoje) de mudar (de atribuir às prefeituras a responsabilidade das licitações e execução dos projetos de reconstrução)”, explicou.
Como responsabilização pelos danos causados, ficou definido o repasse de R$ 37,69 bilhões até 2026 para a realização de obras e projetos de infraestrutura, dos quais 81% desses recursos já foram pagos, mas apenas 21% das propostas concluídas.
Enquanto os atingidos penam para receber as indenizações e a reparação caminha a passos lentos, o governo flexibiliza a legislação ambiental e liberando licenças para novos projetos minerários. “A postura de Zema é avançar com qualquer empreendimento sem que se faça qualquer nível de debate sério sobre os impactos […] e acelerar os processos de licenciamento ambiental para aumentar a exploração mineral, atropelando os direitos da população”, comenta Juliana Deprá, da coordenação do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM) em entrevista ao Brasil de Fato.

Em Santa Bárbara, na região Central do estado, onde fica a barragem CDS II da AngloGold Ashanti, a população convive com o medo. Apenas nos últimos dois anos, o alarme da barragem foi acionado cinco vezes, causando terror nas famílias do município. Além disso, em maio deste ano, foi encontrada uma trinca de mais de 300 metros de comprimento na estrutura. Para Juliana, o risco constante de rompimento da estrutura da barragem traduz uma das faces mais cruéis do modelo predatório de mineração.
A CDS II está classificada como de alto risco pela Agência Nacional de Mineração (ANM). Junto ao medo, a realidade das famílias que vivem próximas a barragens é marcada pela falta de informação. “Vivemos com medo de todos os impactos causados pela exploração de minério. O medo vem da falta de informação e do risco da contaminação das áreas por metais pesados, que são nocivos à saúde”, relata Roseni Aparecida Ambrosio, que é moradora de Santa Bárbara.
“[..] O que mais choca é saber que um crime de tamanhas proporções não foi capaz de sensibilizar o governador de Minas e seu partido, nem provocar uma mudança de procedimento na liberação e fiscalização das atividades minerárias no Estado”, diz a representante do MAM. “Pelo contrário, nesses quatro anos de governo do Partido Novo, virou regra a legalização das atividades ilegais de mineradoras piratas através dos chamados Termos de Ajuste de Condutas (TACs), desrespeitando todos os procedimentos usuais para a liberação deste tipo de empreendimento”, denuncia.
Três anos depois do rompimento da Barragem Córrego do Feijão/Brumadinho, MG desativou só 5 de 54 barragens semelhantes a essa, exigência da “Lei Mar de Lama Nunca Mais” de 2019. A legislação instituiu um prazo de três anos para que todas as barragens a montante em Minas fossem desativadas por meio de um processo chamado de descomissionamento. Para facilitar para às mineradoras, o governo Zema estendeu o prazo para que isso que acabava em fevereiro de 2022.
Desde o crime de Brumadinho, em 2019, a mineradora Vale, privatizada em 1997, já lucrou R$ 235 bilhões. Ao mesmo tempo, atingidos pelo desastre ainda reclamam das indenizações pelo caso. Só no terceiro trimestre de 2023, o lucro da companhia foi de US$ 2,836 bilhões.
Apesar dos lucros, um levantamento da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria-Geral da União (CGU), citados em nota técnica da Agência Nacional de Mineração (ANM), apontam que a cada R$ 1 arrecadado em CFEM (Compensação Financeira Pela Exploração Mineral), R$ 1 é sonegado.
Com isso, o rombo da sonegação fiscal causada por mineradoras na taxa de compensação devida no Brasil pode ter atingido cerca de R$ 35 bilhões somente nos últimos 5 anos, de acordo com os dados de arrecadação da CFEM, que podem estar subestimados.
“As pequenas mineradoras não pagam. As empresas de faturamento médio reclamam que a burocracia do país é muito grande, começam sonegando e depois pagam o que elas acham que devem pagar, o que não inviabiliza o negócio”, explica Waldir Salvador, consultor de Relações Institucionais e Econômicas da Associação de Municípios Mineradores do Brasil (AMIG)”. “E as grandes fazem engenharia tributária e têm uma prática recorrente de interpor recursos dizendo que não concordam com a forma que a ANM e a lei impõem”, completa.
JOSI SOUSA
Romeu zema é o melhor governador que este estado já teve mas tem gente aqui com saudades do pilantrel né?
Não sabemos sobre essas saudades, leitor. Mas achar que o Zema é o melhor governador que Minas Gerais já teve, é coisa de maluco.