Controle soberano da economia, desenvolvimento baseado em investimentos públicos, ampliação do mercado interno e o trabalho como eixo central da economia. Esses são alguns tópicos das diretrizes debatidas pelo partido
O PCdoB vem realizando nos últimos dias, dentro das programações de seu XV Congresso Nacional, uma intensa discussão sobre quais os rumos que o país deve tomar para sair da grave crise econômica, política e social em que se encontra. Reuniões e palestras têm ocorrido por todas as regiões do Brasil e frentes de atuação do partido para debater as Diretrizes para uma Plataforma Emergencial de Reconstrução Nacional.
O Documento inicial surgiu como resultado de uma série de seminários realizados durante cinco meses pelo partido, numa iniciativa da Fundação Maurício Grabois (FMG), dirigida pelo ex-presidente nacional do PCdoB, Renato Rabello. Colaboraram nesta iniciativa a Cátedra Claudio Campos, do FMG, coordenada por Rosanita Campos e cujo titular é o economista e professor Nilson Araújo de Souza.
Além dos dirigentes do partido de todo o país, aliados, personalidades, especialistas e pensadores de diversas correntes de opinião e tendências políticas que atuam no Brasil contribuíram com a formulação das propostas que agora a direção do PCdoB está amadurecendo para apresentar ao país.
ENCONTRO DOS TRABALHADORES
No último dia 15 de setembro, foi a vez do encontro de militantes comunistas que atuam no movimento sindical brasileiro. O debate, conduzido pelo ex-deputado Nivaldo Santana, membro do Comitê Central e coordenador nacional do trabalho sindical do PCdoB, contou com a participação de mais de duzentas pessoas e teve como debatedores o professor Nilson Araújo de Souza, integrante da direção nacional do partido, e o médico e economista Sérgio Barroso, também membro do Comitê Central do PCdoB e diretor da FMG.
Nilson Araújo iniciou sua apresentação explicando que o documento contendo propostas emergenciais e diretrizes para a reconstrução nacional é um documento complementar ao projeto de resolução que está sendo debatido para ser aprovado no congresso. “O projeto de resolução prepara e estrutura o partido”, diz Nilson, “para travar a grande batalha que está colocada no momento atual, que é isolar e defenestrar Bolsonaro”. “Para isso, prosseguiu o professor, “é necessária a formação de uma ampla frente de pessoas comprometidas com a democracia e com a vida”.
“O projeto de resolução prepara e estrutura o partido”, diz Nilson, “para travar a grande batalha que está colocada no momento atual, que é isolar e defenestrar Bolsonaro”
“Está sendo realizado no país um verdadeiro desmonte da nação brasileira. O desmonte do Estado nacional, tanto do ponto de vista político como do ponto de vista econômico. Do ponto de vista político, nós estamos sob ameaça constante de ruptura institucional, de golpe de Estado, implantação de uma ditadura, como ocorreu no último dia 7 de Setembro. Na preparação do golpe, vêm sendo eliminados os mecanismos democráticos do Estado”, observou Nilson Araújo.
DESMONTE POLÍTICO E ECONÔMICO DO ESTADO
“Está sendo levado a cabo também o desmonte econômico do Estado, e o exemplo disso é o que está ocorrendo com Petrobrás. Está sendo feito o esquartejamento da Petrobrás”, denunciou o palestrante. “As empresas de petróleo têm que ser integradas, desde a pesquisa, a prospecção, extração, o refino e a distribuição. Eles estão esquartejando a Petrobrás, vendendo as refinarias, vendendo a distribuição e fazendo com que eles perca a capacidade de cumprir o seu papel de maneira mais racional”, destacou Nilson.
Sérgio Barroso, médico de formação, mas com especialização em economia e pós-graduação na Unicamp, e que substituiu Renato Rabelo no debate, chamou a atenção, durante sua apresentação, para a trajetória programática do partido e apontou que são necessários ajustes diante da nova realidade que vive o país.
Ele citou Lenin para lembrar que as novas questões colocadas pela realidade devem ser enfrentadas pelo partido. Barroso ressaltou a formulação feita em 2009, de que é através do fortalecimento da nação, conquistado com um Novo Plano Nacional de Desenvolvimento, que o país enfrentará seus problemas estruturais e seguirá o seu rumo em direção ao socialismo.
O economista, que integra a direção da Fundação Maurício Grabois, destacou ainda a importância da ascensão da China no cenário político e econômico internacional, além da relativa perda de protagonismo econômico por parte dos Estados Unidos, como fatores da realidade atual que favorecem a luta do Brasil na direção de superar a condição de país atrasado e periférico do capitalismo.
Barroso apontou ainda, citando as resoluções do partido de 2009, que a partir daquele momento houve uma nova formulação sobre as duas etapas da revolução brasileira. Ele destacou que elas estão unidas dialeticamente. “O caminho é o fortalecimento da nação e o rumo é o socialismo”, defendeu Sérgio Barroso.
“O caminho é o fortalecimento da nação e o rumo é o socialismo”, defendeu Sérgio Barroso
Na continuidade do debate, Nilson Araújo, falando ainda sobre a destruição do Estado, do ponto de vista econômico, destacou o fato do governo estar vendendo a Eletrobrás em plena crise hídrica, uma das maiores já vividas pelo país, e de estar propondo uma reforma administrativa que é um verdadeiro retorno à República Velha, quando não havia concurso público, quando não havia estabilidade no emprego. “Não prejudica apenas os servidores, prejudica o conjunto da nação porque retira capacidade de planejamento do Estado”, observou Nilson.
“Tudo isso”, prossegue o professor, “num quadro de crise social e desemprego que atinge 30 milhões de pessoas, entre desempregados e subempregados”. A pandemia, na opinião de Nilson Araújo não criou essa situação, mas ela agravou o quadro de crise que já vinha atormentando os brasileiros.
“Agora, por culpa do governo, o país além de estagnado enfrenta o problema da inflação que não tem nenhuma relação com a demanda, como diz o Planalto”, observa o economista. A inflação, segundo Nilson, é causada pelo fim da formação de estoques reguladores de alimentos pelo governo e pela indexação de produtos e serviços ao dólar, como é o caso dos combustíveis por exemplo.
“Este é o momento mais dramático de uma crise de longa duração. Desde o inicio da década de 80, o país cresce em média a 2% ao ano, mesma taxa de crescimento da população. Ou seja, estamos estagnados. Teve um ou outro momento que teve um crescimento maior. Lá no Plano Cruzado, teve um crescimento maior, no interregno do Itamar e em alguns anos do governo Lula. Mas o que preponderou foi o baixo crescimento, a estagnação ou a semiestagnação”.
MUDAR A ESSÊNCIA DO MODELO DEPENDENTE E SUBORDINADO
“Não bastasse isso, foi implantado em 1999, no governo Fernando Henrique o tripé macroeconômico. O Conselho Monetário Nacional estabelece uma meta de inflação, cabe ao BC garantir que essa meta seja atingida. O BC tende a praticar sempre juros altos para supostamente garantir a meta de inflação. O objetivo real não é combater a inflação, o que eles querem é atrair capital estrangeiro para financiar a dívida pública. Quando entra capital especulativo, valoriza a nossa moeda. Isso barateia o produto importado, na verdade você está subsidiando o produto importado. O resultado é a quebra da indústria nacional, da indústria instalada no país”.
Dentro do tripé há a necessidade de se fazer superávits primários para se pagar os juros do endividamento público. Se o superávit é usado para pagar juros, não há investimentos. O tripé macroeconômico inviabiliza o crescimento econômico. Então, se você não altera a essência do modelo e o tripé macroeconômico, a economia não pode voltar a crescer. “Nesses quarenta anos não se adotou um projeto nacional de desenvolvimento. Foram tomadas medidas tópicas para atacar uma ou outra área, mas não se adotou um projeto nacional de desenvolvimento”, apontou Nilson Araújo.
O documento debatido pelo PCdoB pretende encarar as causas de fundo de uma crise que é estrutural. A plataforma tem 38 pontos. Os primeiros 20 são emergenciais e os outros 18 são da reconstrução nacional. O programa é baseado na retomada do papel do Estado, do investimento público e da ampliação do mercado interno, através da melhoria dos salários e do poder de compra dos trabalhadores. Nele há o resgate do trabalho como eixo fundamental do desenvolvimento.
CICLO CIVILIZACIONAL
Sérgio Barroso falou sobre o primeiro ciclo civilizacional que, segundo ele, começa com a Independência e prossegue depois com a abolição e República. Já o processo que se inicia em 1930, prossegue Barroso, abre o que ele chamou de segundo ciclo civilizacional. Em sua opinião, esse ciclo vai até os anos 80. Segundo ele, “de 1930 até 1980 o Brasil sofreu transformações enormes”. Essa transformações, prossegue Barroso, “são tratadas no programa de 2009 como capitalismo tardio, deformado, desigual e sob dominação imperialista”.
Também se caracteriza esse segundo ciclo civilizacional, segundo Barroso, por uma inflexão do nacional desenvolvimentismo. “Essas duas palavras resumem bem o ciclo que vai de 30 até 80. Depois disso tivemos a década perdida e o grande endividamento externo do país”, afirmou Barroso. N\ opinião do economista “a crise do endividamento externo motivou o que se chama o fim do ciclo nacional desenvolvimentista. Ou o que se caracterizou como esgotamento do ciclo do nacional desenvolvimentismo”.
NORDESTE APONTA CAMINHOS PARA O BRASIL
No debate desta quarta-feira (22), realizado na região Nordeste do país, o tema das diretrizes para a reconstrução nacional foi debatido por Jorge Venâncio, membro do Comitê Central e da Comissão Política do PCdoB e por Inácio Arruda, ex-senador e também integrante da direção nacional do partido. Arruda atualmente é Secretário da Ciência, Tecnologia e Educação Superior do governo do Ceará.
Os trabalhos foram conduzidos por André Ramos, vice-presidente do partido no Ceará e pelo professor Enoque Feitosa, dirigente do PCdoB da Paraíba.
Jorge Venâncio apresentou uma síntese das diretrizes com destaque para a retomada da centralidade do desenvolvimento do país assentada no trabalho. Ele fez um diagnóstico da crise econômica e social e apontou três eixos para a retomada do desenvolvimento brasileiro. A retomada do papel do Estado na condução do país. O desenvolvimento puxado pelos investimentos públicos e a ampliação do mercado interno. Jorge defendeu a revogação das contrarreformas trabalhista e previdenciária que, segundo ele, jogam no sentido contrário ao do desenvolvimento ao restringirem o consumo da população.
Inácio Arruda concordou com as potencialidades de desenvolvimento do Brasil. Ele, no entanto destacou que é necessário travar a luta política para mudar a correlação de forças no país, que impede a aplicação de um programa de desenvolvimento no país. Ele citou experiências vividas durante o governo Lula em que foram tentadas medidas que destinassem recursos obtidos pelo superávit fiscal para os investimentos. Disse que em parte isso foi conseguido com a PAC, mas, segundo o ex-senador, muito aquém do que era necessário.
Arruda deu alguns exemplos de potencialidades de desenvolvimento do Nordeste e citou a área de energia. O ex-senador destacou as novas matrizes energéticas baseadas em energia eólica e solar. Segundo ele, a região hoje é exportadora de energia para o país. “De importadora de energia, passamos a exportar para o Brasil”, disse ele, revelando o grande potencial que há para projetos na área de energia na região.
Ele citou o exemplo de uma palestra recente de um representante do Vietnã na Federação das Indústrias do Ceará. Depois da explanação do representante do país asiático, os empresários perguntaram a ele o que o seu país importava do Ceará. Ele respondeu que o Vietnã importava pé de galinha. E, ao ser perguntado o que eles exportavam para o Brasil, ele respondeu que exportavam semicondutores para a indústria de informática. Arruda afirmou que é necessário e urgente a retomada do desenvolvimento.