A ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, encerrou, em Brasília, a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI), destacando que o encontro traçou um caminho promissor para o futuro científico no Brasil.
“Ao final dessa jornada de muito debate e mobilização, a primeira palavra é de agradecimento. Esta conferência é fruto daqueles que acreditam no Brasil, oferecendo sua inteligência, energia e força física para construir um país inclusivo e justo,” declarou a ministra.
Luciana Santos ressaltou a participação de mais de 100 mil pessoas, entre presenciais e online. “Há 14 anos sem uma conferência dessa natureza, a participação massiva reflete a vontade e a disposição de implementar uma política pública arrojada,” afirmou a ministra.
Luciana ainda informou que houve 5.300 inscritos presenciais, 4 mil inscritos online e mais de 21 mil visualizações no YouTube, totalizando 30 mil participantes.
“Nós estamos virando a página do negacionismo no Brasil. Essa é uma tarefa nossa, uma luta de ideias que precisamos afirmar com uma política pública assertiva”, disse a ministra.
Ao longo de três dias, cientistas, pesquisadores, gestores de universidades e políticos debateram propostas para a elaboração de uma nova Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI), que deve vigorar até 2030, com recomendações para os próximos 10 anos.
“Os quatro eixos que definimos buscam compor um caminho de expansão e recuperação da estrutura de pesquisa no Brasil, atuando em áreas estratégicas e promovendo o desenvolvimento social e a reindustrialização do país,” explicou a ministra.
A CNCTI não acontecia há 14 anos, e esta edição destacou as políticas para o fortalecimento da indústria brasileira em bases sustentáveis e inovadoras. A conferência também serviu para entregar o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), que havia sido encomendado ao Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT) no início do ano pelo presidente Lula, que participou da abertura da 5ª CNCTI.
O resultado desta conferência embasará a formulação da nova Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI), que direcionará o setor até 2030. “Os desafios são muitos. Agora precisamos tirar do papel o que foi discutido aqui. O trabalho está apenas começando. Nós estamos virando a página do negacionismo no Brasil”, disse a ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos.
A previsão é que, nos próximos dez dias, já seja apresentado um documento inicial com a compilação do que foi discutido na 5ª CNCTI. Para a elaboração, será utilizado o recurso da inteligência artificial. “Temos um material muito rico desses três dias, que contou com participação ativa das pessoas. Todas as salas estavam cheias e foram levantadas questões de extrema relevância. O balanço é extremamente positivo”, afirmou Anderson Gomes, diretor do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e secretário-adjunto da 5ª CNCTI. O documento final deve ser entregue pela subcomissão de Sistematização ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) em 30 dias.
Ao encerrar seu discurso, a ministra transmitiu uma mensagem de esperança e união. “O Brasil é grande e potente, e precisamos apresentar essa esperança ao povo brasileiro, transformando a realidade. Vamos caminhar juntos, ninguém vai largar a mão de ninguém,” concluiu Luciana Santos.
PROPOSIÇÕES DA CONFERÊNCIA
Na abertura do evento, o presidente Lula lançou o primeiro Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, que prevê investimentos de R$ 23 bilhões em quatro anos e um supercomputador para o Brasil. Ao longo da conferência, as discussões sobre um país que precisa caminhar para ser cada vez mais inovador, sustentável e justo também envolveram 54 sessões de debates, abertas à participação da audiência remota, nove agendas simultâneas pela manhã e à noite e sete plenárias com os maiores expoentes da ciência nacional.
Foram discutidos temas atuais e urgentes como transição digital, mudanças climáticas, energia renovável, infraestrutura para um novo ciclo de industrialização, financiamento à ciência, entre muitos outros.
“O Brasil está de volta e a ciência está de volta para o Brasil”, disse a ministra Luciana Santos na cerimônia de abertura, quando destacou a recomposição pelo novo governo das linhas de financiamento à C&TI – que no ano passado investiu R$ 10 bilhões e este ano deve ultrapassar R$ 12 bilhões.
A ciência voltou a ter relevância e teve seu papel destacado para o sucesso do planejamento estratégico do país para os próximos anos. Antes da conferência, 221 eventos preparatórios de norte a sul do país tiveram a participação de cerca de 100 mil pessoas, entre estudantes, cientistas, empresários e representantes da sociedade civil, que propuseram os temas prioritários que seriam a pauta da 5ª CNCTI.
Em plenária, especialistas debatem desafios do ensino superior
Em um exemplo da amplitude dos debates, o último dia da conferência foi marcado por discussões sobre diferentes temas urgentes para o país.
O panorama traçado por especialistas na plenária “As universidades públicas no Brasil: presente e futuro” aponta que o Brasil obteve avanços nas últimas décadas, com expansão do número de brasileiros que chegam ao ensino superior. Ao mesmo tempo, ainda está longe dos índices de países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e precisa garantir um fluxo contínuo de recursos às universidades públicas para aumentar a oferta de vagas e reduzir as altas taxas de evasão.
Um dos maiores desafios é formar mais mestres e doutores, passo fundamental para um salto no desenvolvimento do país.
A presidente da Capes, que esteve no evento representando o ministro da Educação, Camilo Santana, Denise Carvalho, exibiu um quadro geral da situação do ensino superior, mostrando que atualmente 23% dos brasileiros de 25 a 34 anos acessam as universidades. O percentual, no entanto, ainda fica muito abaixo da média da OCDE, de 47,2%.
Denise citou que o Brasil teve avanços nos últimos anos graças a políticas como o Reuni (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), que aumentou a oferta de vagas no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, promovendo ainda a interiorização do ensino. Mas observou que a pandemia de Covid-19, o negacionismo científico e o subfinanciamento à ciência no governo passado comprometeram o alcance de resultados mais expressivos.
Segundo Denise, o mesmo ocorre na formação de mestres e doutores. “Ainda não há mestres e doutores suficientes, assim como não há graduados suficientes”, afirmou. “O Brasil está muito abaixo da média de mestres da OCDE”.
Ela ainda chamou a atenção para o crescimento indiscriminado de cursos de graduação a distância, que hoje representam 47% das matrículas e se concentram em universidades privadas, muitas vezes, sem a qualidade necessária.
Para resolver o problema, o MEC trabalha em um novo marco regulatório para EAD, que será lançado ainda este ano. Denise observou que o país enfrenta outros desafios importantes, como diminuir a evasão e criar mais cursos de graduação noturnos, que garantam o aumento do acesso de trabalhadores às universidades.
A necessidade de ampliação do acesso de brasileiros ao ensino superior foi ressaltada por outros participantes da plenária na 5ª CNCTI.
“Apesar de toda a importância do ensino técnico, é fundamental aumentar a população no ensino superior”, afirmou Rodrigo Capaz, professor da UFRJ e diretor do CNPEM. “Precisamos gerar vagas aos milhões, e não aos milhares. Precisamos sair da caixa e achar formas de resolver esse problema”.
Alfredo Gomes, reitor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), frisou que, apesar da recuperação das verbas destinadas às universidades, ainda há desafios. “A realidade em que nos encontramos ainda é de subfinanciamento.” Ele ressaltou que, nas últimas décadas, graças a ações afirmativas, as universidades deixaram de ser um “sistema de elite” para se tornarem um “sistema de massa”.
A avaliação foi compartilhada pela presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), Manuela Mirella. “Tivemos vitórias importantes, como o reajuste de bolsas de pesquisa, que não ocorria há dez anos, a recomposição orçamentária, além do aperfeiçoamento da lei de cotas, para que filhos dos trabalhadores continuem entrando nas universidades”.
Manuela propôs um projeto de reforma das universidades. “Precisamos de um projeto robusto de ensino superior que repense a universidade em sua concepção. Esse projeto não combina com metas fiscais irreais”, criticou, acrescentando que, ao contrário, é preciso garantir um fluxo robusto de investimentos para as universidades brasileiras.
Os palestrantes também discutiram o tamanho do Estado para investir em CT&I.
Já na plenária sobre “O Estado necessário ao desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil”, houve consenso entre os palestrantes de que, para garantir avanços significativos no setor, é necessária maior efetividade na colaboração entre diferentes esferas governamentais – fortalecendo a inovação e a competitividade do Brasil no cenário global.
“A discussão não é Estado maior ou menor. Precisamos de foco para chegar a um modelo de Estado de fato estratégico, parceiro e comprometido com a resolução dos problemas nacionais. E isso está totalmente associado com a nossa produção de ciência. Só a constância e a firmeza do Estado podem financiar os avanços científicos e tecnológicos para colocar o Brasil em outro patamar”, disse Alexandre Colares, secretário de governança e gestão estratégica da Advocacia Geral da União (AGU).
Na visão da ministra interina de Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Cristiana Mori, “a ideia do estado mínimo é uma falácia”. “O Estado sempre esteve ligado ao desenvolvimento econômico, sobretudo de tecnologia, inovação e ciência, inclusive no Brasil. Há muita participação do Estado mesmo nos lugares mais liberais do mundo, como nos Estados Unidos”, apontou a doutora em política social pela Universidade de Brasília (UnB).