Com faixas e cantos, mais de 7 mil indígenas, de 200 povos de todas as regiões do país, marcharam na quarta-feira (6) em defesa da demarcação dos territórios e contra a agenda contra os indígenas do governo Bolsonaro.
O ato fez parte da programação do 18º Acampamento Terra Livre (ATL) 2022 , localizado na área externa do Complexo Cultural Funarte, no Eixo Monumental, em Brasília.
O destino final da marcha foi o Congresso Nacional, onde tramitam projetos que violam os direitos dos povos originários, como o Projeto de Lei 191/2020, que dá abertura para a exploração das terras desses povos, e o PL 490/2007, que inviabiliza, na prática, a demarcação de terras indígenas.
CARTA ABERTA
Em plenária na terça-feira, marcando o segundo dia de mobilização indígena, o Acampamento Terra Livre (ATL) lançou carta aberta contra o Projeto de Lei (PL) 191/2020, que libera o garimpo em terras habitadas pelos povos originários. O encontro levou a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas (FPMDDPI), do Congresso Nacional, para uma plateia de oito mil povos.
Durante a leitura do manifesto, a indígena Joênia Wapichana, deputada federal por Roraima, pelo Partido Rede Sustentabilidade, fala sobre a luta indígena contra qualquer tipo de exploração contra os povos originários e a garimpagem ilegal que acontece em terras (indígenas) Yanomami.
“A exploração e a cobiça do homem, tem levado a vida dos povos indígenas. Dói muito ver e ouvir notícias de crianças sendo tragadas por maquinários de garimpos; ter os povos indígenas comendo peixes contaminados com mercúrio”, denunciou a parlamentar indígena. “A gente vê a luta dos povos indígenas, que estão sofrendo com a consequência de hidrelétricas, por isso, nós não queremos ver essa história se repetir. É preciso barrar esse projeto da destruição.”. conclui a deputada.
Presentes à plenária, os deputados federais Vivi Reis (PSOL- Pará), Nilto Tatto (PT-SP), Célio Moura (PT-TO), Fernanda Melchionna (PSOL/RS), José Ricardo (PT/AM), Ivan Valente (PSOL/SP), Marcon (PT/RS), e também a ex-ministra do meio ambiente, Marina Silva, além das entidades sociais e indigenistas, também participaram da leitura da carta. Carta Aberta contra o PL 191/2020
“A floresta está viva, só vai morrer se os brancos insistirem em destruí-la, se conseguirem, os rios vão desaparecer debaixo da terra, o chão vai se desfazer, as árvores vão murchar e as pedras vão rachar com o calor. Davi Kopenawa: ‘A queda do céu, a palavra de um xamã Yanomami’. O povo brasileiro tem o dever de conhecer os graves impactos econômicos, sociais e ambientais que podem decorrer da aprovação do PL número 191 de 2020; Não somente para os povos indígenas, mas para todos nós”, diz o documento.
“O PL libera a mineração nas terras indígenas, que faz parte do pacote da destruição do governo Bolsonaro; é um projeto que atropela a constituição federal e ataca mais uma vez os direitos dos povos originários do Brasil. Por essa razão, nós parlamentares e instituições parceiras da frente parlamentar mista, em defesa dos direitos dos povos indígenas, manifestamos o nosso posicionamento contra a sua aprovação; lembrando que já no dia 11 de fevereiro de 2020, uma comissão formada por representantes do congresso, da sociedade civil e lideranças indígenas entregou um pedido ao então presidente da câmara dos deputados, para que o projeto fosse devolvido ao poder executivo”, prossegue o texto.
O manifesto rebate a argumentação do governo Bolsonaro da urgência para aprovar o projeto por conta do conflito no Leste Europeu, envolvendo a Rússia e a Ucrânia, que prejudicou a importação de insumos para produção de fertilizantes. “Não procede a justificativa usada contra o governo Bolsonaro para pedir justificativa de urgência para esse projeto, de que a guerra na Ucrânia poderia ameaçar a agricultura brasileira, uma vez que a Rússia é uma das principais fornecedoras de fertilizantes para o Brasil. Conforme estudos realizados pelo laboratório e gestão de serviços ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), cerca de 2 / 3 das reservas nacionais de potássio, principal insumo para a produção de fertilizantes, não estão na Amazônia legal e representam cerca de 98% das Terras Indígenas homologadas em nosso país”.
O documento cita também que nenhum dos grandes depósitos de potássio da região está situado nos territórios onde o PL de Bolsonaro pretende liberar a garimpagem. “Segundo a pesquisa da UFMG, as jazidas que já estão disponíveis e situadas fora de terras indígenas poderiam suprir a nossa demanda mineral por mais de 80 anos, de modo que é uma mentira a exploração em terras indígenas”, argumenta outra parte do documento.
A meta é chegar a um milhão de assinaturas e ser entregue ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com um pedido para que o PL não seja pautado. “O PL 191/2020 apresenta evidentes problemas jurídicos e de inconstitucionalidade, desconsidera tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, e afronta o próprio Regimento Interno da Câmara dos Deputados”, diz outro trecho da carta.
O PL do governo libera todo tipo de exploração em terras indígenas, entre elas a mineração, o garimpo, a extração de petróleo e gás, a construção de hidrelétricas, agropecuária e turismo. A proposta favorece mineradoras, madeireiras, o garimpo ilegal, o agronegócio e grandes empreendimentos, à custa de graves ataques ao meio ambiente e as comunidades que vivem no entorno.
A matéria está entre as prioridades estabelecidas pelo governo federal para aprovação no Congresso este ano. No dia 9, mesmo sob protestos de artistas, lideranças políticas e diversos representantes da sociedade civil, a Câmara dos Deputados aprovou regime de urgência para tramitação da proposta.
APROXIMAÇÃO COM DEPUTADOS
Para a fundadora do Movimento da Juventude Indígena, Txai Suruí, este é o momento de aproveitar o diálogo com os parlamentares. “O que estamos observando é que tudo que vai para a Câmara passa. É estratégica essa aproximação. Com a Câmara para ver se conseguimos segurar um pouco e com o Senado por ser o próximo passo. Geralmente, todos pensam em política com uma aversão. A gente entendeu a importância de estar nesses espaços, dialogando, até porque é de onde os ataques estão vindo”, defendeu.
A liderança indígena levantou questões trazidas pelos 16 povos do estado de Rondônia que ela conseguiu atrair para a mobilização. Como a problemática com o garimpo, que tem sido responsável pela morte de crianças da etnia Yanomami por desnutrição e mulheres do povo Munduruku não quererem mais ter filhos por causa da contaminação com o mercúrio. Na opinião dela, a mudança de comportamento é comparável a um genocídio indireto.
O Acampamento Terra Livre teve início na segunda-feira (04) e prossegue até o dia 14. O objetivo da carta aberta é obter um milhão de assinaturas e que parlamentares da frente sejam os porta-vozes dos indígenas no Parlamento.