
De costa a costa, americanos foram às ruas no sábado (30) condenar a desumana política da Casa Branca, que prende imigrantes em massa e separa suas famílias com o sequestro de seus filhos
Aos brados de “vergonha!” e “onde estão as crianças?”, centenas de milhares de pessoas repudiaram no sábado (30) nos EUA, em 700 cidades de costa a costa, a desumana e xenófoba política do regime Trump de encarceramento em massa de imigrantes indocumentados e refugiados, separação forçada das crianças de seus pais para enfiá-las em jaulas, instalação de campos de concentração para imigrantes em quartéis e deportação sumária de hispânicos.
Rechaçada prontamente no mundo inteiro, a crueldade cinicamente denominada pela Casa Branca de “política de tolerância zero” foi com toda justiça descrita pelos organizadores da manifestação como “política de humanidade zero”. Ou, na versão mais direta, expressa em um dos muitos cartazes, feitos à própria mão pelos manifestantes: “deixem ficar as crianças e deportem os racistas”. A Marcha “Famílias Devem Ficar Juntas” foi organizada pela União Americana de Liberdades Civis, pela MoveOn e mais dezenas de entidades.
Arrancar 2 mil crianças de seus pais – o que é isso, senão sequestro? Como se deporta uma hondurenha humilde, que sequer pode se despedir, e seu filho lhe é subtraído, roubado, tornado órfão de mãe viva? “Este protesto é para salvar a alma da América”, disse a cantora Alicia Keys. Foi o que levou tanta gente – famílias inteiras, artistas, personalidades, dirigentes sindicais, intelectuais, estudantes, parlamentares – a marchar em 50 estados.
Os protestos também rechaçaram o remendo anunciado por Trump para parar de separar as famílias – que é manter as crianças presas junto com a família – e demonstraram à Suprema Corte que sua decisão (por 5 a 4) de abençoar a proibição de entrada de pessoas de cinco países muçulmanos é torpe e hipócrita. Muitos manifestantes usavam camisetas com os dizeres “eu me importo. Você, não?” – numa referência à estranha exibição de moda da primeira dama ao visitar um abrigo no Texas.
30 mil pessoas participaram na capital, Washington, marchando da Praça Lafayette, em frente à Casa Branca, até o Capitólio. Acompanhado pela multidão, o ator, cantor e compositor de origem porto-riquenha, Lin-Manuel Miranda, autor e estrela do musical “Hamilton”, cantou à capela “Dear Theodosia”, um ode aos filhos de um dos pais fundadores dos Estados Unidos, Alexander Hamilton. “Estes pais não podem cantar canções de ninar para seus filhos, então vou cantar uma canção de ninar que escrevi”, disse Miranda.
Em Nova Iorque, os manifestantes se concentraram na Praça Foley, ao sul de Manhattan, percorreram a Ponte do Brooklyn e encerraram na Praça Cadman, junto de um tribunal federal. Em San Francisco, a cantora Joan Baez participou do protesto. Em Chicago, na Praça Daley, a multidão gritou: “Si, se puede!”. Em Boston, a senadora Elizabeth Warren, no ato na Praça da Prefeitura, relatou que mães imigrantes, que tinham sido separadas de seus filhos, lhe disseram que “à noite elas podiam acreditar que ainda podiam ouvi-los chorar. Isso não é sobre política, é sobre seres humanos”.
Em Denver, os manifestantes usavam aquela manta aluminizada que é distribuída às crianças nas jaulas de Trump. Em Atlanta, as pessoas levavam gaiolas com bonecas dentro e em Houston a multidão gritava: “não às baby jails”. Em Dallas, centenas de manifestantes exigiram “um plano claro” para reunificar as famílias. Em Indianápolis, milhares protestaram em frente à sede do governo no estado natal do vice Mike Pence. Em Los Angeles, o cantor John Legend se apresentou. Atos também em Nova Orleans, Newark, Tampa, Atlanta, Troy, Portland, Raleigh, Albuquerque, Salt Lake City, Detroit, El Paso, Burlington, Louisville e Berkeley.
Multidões também repeliram a “Gestapo da fronteira” de Trump, a assim chamada Agência de Alfândega e Imigração (ICE, na sigla em inglês), que não passa de uma tropa de deportação, exigindo que seja abolida imediatamente. Em vários estados, desencadeou-se o movimento “Occupy ICE”. Protestos também diante dos centros de detenção de imigrantes, como o que ficou tristemente famoso em McAllen, no Texas. E mais cartazes: “Nenhum humano é ilegal” e “sem jaulas, sem muro, sem proibição”.
FORA DA LEI
Além de Trump, também seu procurador-geral (‘ministro’ da Justiça) Jeff Sessions foi particularmente execrado pelos manifestantes. Foi ele que em maio oficializou a política de imputar criminalmente qualquer um que entre sem documentos nos EUA, apesar de não ser crime pela lei internacional. E ainda quis justificar dizendo que agia de acordo “com a Bíblia”.
Na quinta-feira passada, manifestação em defesa das famílias imigrantes e das crianças apartadas de seus pais, que ocupou um prédio do Senado na capital, foi reprimida, com mais de 500 prisões, inclusive da atriz Susan Sarandon. Na terça-feira, em Los Angeles, religiosos de várias crenças – padres, pastores e rabinos – foram às ruas rechaçar a desumana política de Trump e de Sessions. De mãos dadas, prestaram solidariedade aos refugiados e imigrantes, defenderam as crianças e as famílias, bloqueando o trânsito, e acabaram presos.
Toda essa brutalidade do regime Trump é parte também da chantagem para aprovar o quanto antes o financiamento para o muro. Foram as guerras sujas dos EUA na América Central que criaram o êxodo até o norte. Depois os chefes de esquadrões da morte a soldo de Washington viraram chefes das “maras”, cuja violência segue expulsando milhares e mais milhares. Também foi Washington que impôs o neoliberalismo, que empurra outros tantos.
No protesto de Washington, uma menina de 12 anos, Leah, filha de imigrantes indocumentados, deu seu testemunho sobre viver com medo de “perder minha mãe para a deportação”. “Não consigo dormir, não posso estudar. Eu tenho medo que eles levem minha mãe embora enquanto ela está no trabalho, dirigindo ou em casa. Eu não entendo porque este governo não apoia as mães que apenas querem uma vida melhor para seus filhos”.
ANTONIO PIMENTA