“O governo está pegando a nossa categoria para ser a cobaia no processo de destruição dos direitos dos trabalhadores para facilitar a privatização”, denunciou Peixe, dirigente do Sintect-SP. Decisão do TST sobre novo acordo coletivo será tomada no dia 21 de setembro
O presidente dos Correios, Floriano Peixoto, um ex-militar colocado no cargo por Jair Bolsonaro para privatizar a empresa, tendo em vista que o presidente anterior da estatal, o general Juarez Cunha, foi afastado pelo governo por ter se recusado a encaminhar a privatização da empresa, abriu o jogo, na quarta-feira (16), em entrevista à revista Exame, dizendo que o processo de privatização dos Correios “já está em andamento”.
PRIVATIZAÇÃO EM ANDAMENTO
Os funcionários da estatal já perceberam o que está em risco e estão em greve, numa luta para manter seus direitos retirados, mas, principalmente, uma luta heroica em defesa da empresa pública mais eficiente e mais querida do país.
Os funcionários aprovaram a greve no momento em que o Supremo Tribunal Federal aprovou em plenário a liminar concedida pelo ministro Dias Toffoli, a pedido da direção dos Correios, suspendendo o tempo de vigência de dois anos para o Acordo Coletivo de Trabalho conquistado pela categoria em 2019.
ENTENDA O IMPASSE
O então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, suspendeu, em novembro do ano passado, os efeitos da decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho a respeito do tempo de vigência do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) de 2019.
Além de derrubar regras referentes ao plano de saúde, Toffoli suspendeu o tempo de validade da ACT, inicialmente com vigência de dois anos, indo de 1º de agosto de 2019 até 31 de julho de 2021.
“O prazo de vigência, então previsto em dois anos, além de não encontrar parâmetros em anteriores acordos celebrados entre as partes, dispôs de forma diversa a todas as avenças dantes firmadas, quanto a esse particular aspecto”, disse Toffoli.
Os trabalhadores argumentaram contra a liminar, afirmando que a vigência do acordo por dois anos, já garantida pela decisão do TST em 2019, tinha que ser mantida, principalmente por conta do cenário atual de pandemia, que impede reuniões presenciais e assembleias, pelo risco de contaminação do participantes.
Em votação no plenário virtual, no dia 21 de agosto deste ano, o STF formou maioria para reduzir a validade do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) com os funcionários dos Correios para apenas um ano. Com isso, a negociação de 2020 não terá automaticamente os mesmos termos do que foi conquistado no ano passado.
Com a decisão do STF, a categoria tentou negociar com a empresa a manutenção da maioria dos pontos acertados no acordo anterior, abrindo mão, inclusive, de alguns itens da pauta econômica, mas a direção da empresa se recusou a negociar.
Em nota, os Correios comentaram a decisão do Supremo informando que “desta forma, a Sentença Normativa do Tribunal Superior do Trabalho (TST) não tem mais vigência, ou seja, os empregados dos Correios estão sem acordo coletivo de trabalho, mas a empresa preservou os direitos da CLT e outros benefícios”. A direção da empresa anunciou cortes de direitos com a justificativa de que estaria “saneando” os Correios para privatizá-lo.
A greve atual se iniciou porque o governo atropelou a decisão do Tribunal Superior do Trabalho e cortou uma série de direitos conquistados pelos funcionários. “Foram cortes de 70 das 79 cláusulas do acordo coletivo feitos pela direção da empresa, acabando com direitos conquistados nos últimos 30 anos”, denunciam os sindicalistas.
A retirada das cláusulas do acordo coletivo representaria a redução do tempo de licença-maternidade de seis para quatro meses; o fim do pagamento de férias-bonificação e de auxílio para colaboradores com filhos deficientes; a diminuição da idade limite para auxílio-creche de 7 para 5 anos; a redução do valor pago como auxílio-alimentação e o aumento do desconto relativo ao benefício; e maior valor de co-participação no plano de saúde, entre outros prejuízos.
O julgamento do Dissídio Coletivo pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) está marcado para a próxima segunda-feira (21), a partir das 13 horas.
REDUÇÃO À METADE DO TEMPO DE VIGÊNCIA DO ACORDO DEIXOU CATERGORIA SEM DIREITOS
Outras cláusulas cortadas pela empresa são pagamento de 30% de adicional de risco, redução do tíquete-alimentação, licença-maternidade de 180 dias, auxílio-creche, indenização por morte e auxílio para os filhos com necessidades especiais, além da exclusão do transporte noturno. “O trabalhador dos Correios que já sofria no dia a dia, com a pandemia, enquanto milhares de pessoas morriam, se manteve trabalhando com chuva e com sol”, lembrou Peixe, ressaltando ainda a importância dos serviços essenciais da categoria em outros momentos antes da pandemia.
No julgamento marcado para a próxima segunda-feira (21), a expectativa da categoria é que o TST mantenha decisão favorável aos trabalhadores. Na última audiência, o Tribunal propôs a continuidade do Acordo Coletivo vigente até o encerramento da pandemia, como forma de garantir as devidas condições de trabalho.
Diante do impasse, os funcionários entraram em greve. O Tribunal Superior do Trabalho vai tomar uma decisão sobre um novo acordo no dissídio, marcado para a próxima segunda-feira (21).
“Sabemos que não tem como prever com exatidão como o Tribunal Superior do Trabalho vai se comportar, por isso nos manteremos mobilizados até lá, pressionando para que sejam mantidos os direitos conquistados no nosso acordo coletivo de trabalho, mas estamos confiantes e torcendo para a decisão do TST ser em nosso favor”, contou Peixe.
FUNCIONÁRIOS DECIDEM PELA GREVE PARA QUEBRAR INTRANSIGÊNCIA DA EMPRESA
A greve já dura mais de 30 dias e tem ampla adesão da categoria. É o próprio Floriano Peixoto, presidente dos Correios, que, mesmo tentando minimizar a dimensão do movimento, é forçado a reconhecer a força da greve. “Tem trazido enormes prejuízos à empresa e à sociedade”, disse ele em entrevista à revista Exame.
Em entrevista ao HP, o Secretário geral do Sindicato, Ricardo Rodrigues, o Peixe, denunciou que “os ataques do governo e da diretoria da empresa aos direitos dos trabalhadores têm como objetivo principal acenar para o mercado o interesse de privatização da empresa, como anunciado pelo ministro da Comunicação, Fábio Faria, e pelo presidente dos Correios, o general Floriano Peixoto, durante esta semana”. “Quando passar essa greve vamos continuar na luta contra a privatização dos Correios, então a luta não termina aqui”, enfatizou Peixe.
“A luta não termina aqui”, enfatizou Peixe.
“Teremos uma nova batalha contra a privatização da empresa”, disse ele. Para Peixe, que disputa uma cadeira na Câmara de vereadores de São Paulo, “o governo está pegando a nossa categoria para ser a cobaia no processo de destruição dos direitos dos trabalhadores para facilitar a privatização. Se passar, outras estatais como a Petrobrás, Banco do Brasil e Caixa serão as próximas a serem atacadas”.
“Estamos lidando com o fascismo, com um governo que não gosta do trabalhador, que não tem plano para combater a pandemia que já matou mais de 135 mil pessoas. Estamos lidando com um governo que deixou os quase 100 mil trabalhadores dos Correios sem acordo coletivo em plena pandemia, sem nenhum remorso por ser uma categoria essencial. Por isso estamos na luta, por isso estamos em greve”, disse o sindicalista.
GOVERNO MENTE SOBRE PREJUÍZOS DA EMPRESA
O indicado de Bolsonaro não tem a menor cerimônia em mentir para defender a entrega criminosa dos Correios para grupos internacionais. Peixoto disse na entrevista que os Correios têm um passivo de 2,4 bilhões de reais a saldar. É mentira. A empresa de Correios não só é altamente lucrativa, como repassa recursos bilionários para o Tesouro Nacional. Mesmo no período em que o governo retirou mais do que devia de seus resultados financeiros, ela não tornou-se deficitária. Rapidamente se recuperou.
“É exatamente o contrário do que essa gente diz. O Correio é uma empresa que dá lucro. Nos últimos dois anos a empresa deu lucro e repassou recursos para o governo”, afirmou Diviza, presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios.
“Não só nos últimos anos, desde 1969, quando a empresa deixou de ser a ECT, os Correios não dão prejuízo. É uma empresa lucrativa. Com exceção dos dois anos de recessão em que a empresa teve dificuldades, o governo sempre retirou dinheiro dos lucros obtidos pela empresa”, explicou o dirigente sindical. “O que eles querem é entregar os Correios para empresas privadas multinacionais ligadas ao governo”, denunciou.
DIVIZA: CORREIOS SEMPRE DERAM LUCRO
O estatuto social dos Correios determina que no mínimo 25% dos lucros da empresa têm que ser transferidos para o Tesouro. Com as empresas privadas no lugar dos Correios, o governo não vai receber mais recurso nenhum. A empresa, segundo Diviza, “não só se mantém e investe em melhorias com recursos próprios, como alimenta os cofres do governo”.
“Eles mentem que o governo põe dinheiro nos Correios para tentar confundir a população e os deputados”, denunciou.
“Por ser uma empresa pública consegue ter as menores taxas de serviços, garantindo a sua economia. Muitas mentiras estão sendo divulgadas para manchar a sua imagem, como a de que os Correios só dá prejuízos. Mas o que poucos sabem é que os Correios é uma empresa autossustentável que gera faturamento para cobrir seus custos e ainda gerar lucro para o governo”.
Ele esclareceu que nem o rombo [provocado por falcatruas de dirigentes e políticos inescrupulosos] que houve no Postalis, fundo de pensão dos funcionários, foi coberto com dinheiro público. “Quem está pagando são os trabalhadores, e não o governo”, enfatizou.
CORREIOS ENTREGAM MATERIAL ESCOLAR, MEDICAÇÃO E VACINAS NOS RINCÕES ONDE AS PRIVADAS NÃO VÃO
“Aqueles que estão interessados na privatização dos Correios estão de olho apenas nas áreas mais rentáveis do país”, denunciou. “A rede privada não joga para perder. Querem atender apenas os ricos. Garantir que todos sejam atendidos é uma questão estratégica e é obrigação do governo”, observou o líder dos carteiros paulistas.
“Os Correios têm o que nós chamamos de lucro cruzado, ou seja, o maior banca o menor”, explicou o sindicalista. “Aí eu te pergunto, as empresas privadas assumiriam essa situação? Elas se responsabilizariam pelo Acre, o Maranhão? Para eles não seria interessante. Tanto que, hoje, eles vendem os serviços deles de encomenda, mas, dependendo do local, eles reportam para os Correios. Eles acabam usando os próprios Correios”, disse Divisa.
“Eles dizem que com a privatização haveria lucro para as empresas privadas, para o governo e para o consumidor, mas não é isso o que ocorrerá. Ao contrário, vai aumentar mais ainda os custos para o consumidor e quem irá ficar com o prejuízo será o Estado”, garantiu o líder sindical. “Quem vai levar a encomenda para os lugares mais distantes, como aqueles que eu citei, por exemplo? DHL? Federal Express? Claro que não. Uma encomenda, duas encomendas, cem encomendas compensam para eles? Eles fariam a remessa daqui ao Maranhão? Certamente que não”, apontou o dirigente sindical.
SEM CORREIOS, PREÇOS VÃO DISPARAR
Diviza alerta também para outra questão. O Correio é uma empresa que mantém os preços pelas entregas de encomendas em patamares razoáveis. As empresas privadas que atuam no setor – não há monopólio – gostariam de cobrar preços mais altos mas não conseguem pela presença dos Correios.
“É esta concorrência com os Correios que mantém os preços em patamares razoáveis. Querem privatizar para tirar os Correios da frente e subir os preços. Querem jogar os preços na lua”, advertiu. “Com a privatização, a primeira consequência será a alta dos preços cobrados pelos serviços privados, em prejuízo para a população”, observou.
“Eles falam que a quebra do monopólio postal será benéfica por causa da concorrência. É mentira. Não há monopólio nas entregas de encomendas, de Sedex, etc. Há várias empresas privadas atuando nessas áreas no Brasil”, explicou Diviza. Só há monopólio postal, ou seja, na entrega de cartas.
Ele explicou que o monopólio postal – cartas – garante aos Correios a exclusividade no envio de cartas. Isso inclui cobranças bancárias, boletos, etc. Os Correios, segundo ele, cumprem função de bancos em 2.230 municípios que não têm bancos. Sem esses serviços bancários feitos pelos Correios a economia desses municípios vai declinar. A privatização dos Correios será prejudicial, portanto, para toda a população e para a economia do país. Ele disse que “quebrar o monopólio postal significa destruir os Correios. Porque, ao representar metade do faturamento da empresa, é este monopólio que garante a economia cruzada e o caráter social da empresa”.
GOVERNADORES E DEPUTADOS ALERTAM PARA DESNACIONALIZAÇÃO
Entre os interessados em se apoderar dos Correios estão duas empresas americanas, a Amazon e a Fedex
Em meio à greve dos funcionários contra o corte de direitos, fechamento de agências e redução de pessoal da estatal responsável pela entrega de correspondências e produtos em todo o território nacional, o BNDES divulgou que escolheu a multinacional Accenture para liderar estudos para a privatização ou, pasmem!, para a extinção da empresa.
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), candidato a prefeito de São Paulo, saiu em defesa dos Correios e de seus funcionários e disse que é uma questão de soberania nacional lutar contra a privatização da empresa. O parlamentar avaliou que o anúncio do ministro das Comunicações, Fábio Faria, dando conta de que cinco empresas estão interessadas na compra da estatal, revela o quanto ela é valiosa.
O ministro de Bolsonaro citou quatro grupos empresariais interessados: Magazine Luiza, a gigante do e-commerce Amazon e as especializadas em logística, DHL e FedEx. “Interessante que os neoliberais desse desgoverno vivem dizendo que os Correios é uma empresa obsoleta e que só dá prejuízo, mas têm 5 tubarões se engalfinhando para ver quem consegue comprá-la. Vamos defender os Correios contra a privatização. É questão de soberania!”, defendeu o deputado.
Outras lideranças que se manifestaram em defesa dos carteiros e contra a privatização foi o ex-governador Ciro Gomes (PDT) e o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB).
“É um crime grande. Os Correios hoje são superavitários, dão lucro”, afirmou Ciro ao explicar que o serviço postal brasileiro, que hoje é composto por um operador público, garante que regiões distantes, como Ariquemes (em Rondônia) e Santana do Livramento (Rio Grande do Sul), por exemplo, possam receber encomenda por um preço acessível.
“Se você entregar à iniciativa privada, esqueça. Na iniciativa privada a tendência natural é o lucro. Então, todos os setores que não são rentáveis, que não dão lucro – e o Brasil é profundamente desigual – vão ficar descobertos”.
CIRO: VAMOS BARRAR A PRIVATIZAÇAO DOS CORREIOS
“Vejam se Fedex vai na cabeça do cachorro entregar uma encomenda. Vejam se UPS vai lá no fundão da metade sul, em Santana do Livramento, entregar uma encomenda. [Ela] vai, mais por R$ 700, por R$ 1000, enquanto os Correios hoje entregam por R$ 200, por R$ 250″, explicou Ciro.
“É isto que está em discussão. Portanto, eu apoio a luta dos funcionários dos Correios. Eu apoio, inclusive, o esforço que eles estão fazendo de chamar a opinião pública brasileira a prestar atenção nesse desastre que está se anunciando”, declarou o ex-governador.
Também o líder da oposição na Câmara dos Deputados, deputado André Figueiredo, reafirmou “o compromisso do PDT de batalhar no Congresso contra a privatização dos Correios”.