Presidente do Tribunal, João Otávio de Noronha, o mesmo que tirou Queiroz da cadeia, puxou a posição
Três ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) seguiram o voto de João Otávio de Noronha e decidiram nesta terça-feira (23) anular as quebras dos sigilos bancário e fiscal do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) que fazem parte do caso da lavagem de dinheiro roubado da Assembleia Legislativa no Rio de Janeiro (Alerj), no caso conhecido por “rachadinha”.
Os ministros discutiram o recurso que questionou a legalidade das duas decisões do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio, que autorizaram as quebras de sigilos do senador Flávio Bolsonaro e dos outros 94 investigados no esquema. Foi através desta quebra que os investigadores descobriram que Fabrício Queiroz estava ameaçando testemunhas e destruindo provas.
LOJA DE CHOCOLATE E MILÍCIA
Foi também através da quebra dos sigilos que o Ministério Público do Rio detectou a utilização, pelo então deputado Flávio Bolsonaro, da loja de chocolate (franquia da Kpenhhagen) localizada num Shopping da Barra da Tijuca, de propriedade dele e de sua mulher, para lavar dinheiro desviado dos salários dos funcionários fantasmas que devolviam parte do dinheiro recebido da Alerj. A quebra dos sigilos também permitiu ao MP identificar que a mãe e a ex-mulher do miliciano e assassino profissional, Adriano da Nóbrega, Raimunda Veras Magalhães Danielle Mendonça da Costa Nóbrega, respectivamente, eram fantasmas no gabinete de Flávio.
Votaram pela anulação das quebras de sigilo os ministros João Otávio de Noronha, presidente do STJ, a quem Bolsonaro recentemente disse ter se apaixonado, Reynaldo da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik. O único voto contrário foi o de Felix Fischer. Os ministros entenderam que a decisão judicial que autorizou as quebras dos sigilos bancários e fiscal de Flávio Bolsonaro e que propiciou as descobertas dos crimes, não foi devidamente fundamentada.
NORONHA SOLTOU QUEIROZ
Noronha disse que Itabaiana afastou o sigilo de 95 pessoas sem a devida individualização. “Em verdade, o magistrado não se deu ao trabalho de adotar de forma expressa as razões do pedido do Parquet (Ministério Público), apenas analisou os argumentos, concluindo que a medida era importante. Apenas isso. A decisão é manifestamente nula”, afirmou o ministro, sem levar em consideração as contundentes provas produzidas pela quebra dos sigilos.
Na próxima sessão, que ocorrerá na próxima semana, o STJ vai analisar as outras tentativas de Flávio Bolsonaro de anular as provas obtidas contra seu esquema criminoso, entre elas a legalidade do compartilhamento de relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) com o Ministério Público do Rio de Janeiro. O Coaf detectou a movimentação financeira suspeita de R$ 7 milhões entre 2014 e 2017 na conta de Queiroz, o operador do esquema. Esse compartilhamento já foi considerado legal pelo Supremo Tribunal Federal.
COAF RELATOU ROUBO DE FLÁVIO
Caso o colegiado reconheça irregularidades no compartilhamento de dados do Coaf com o MP, isso pode impactar quase que a totalidade da investigação e levar o caso para a estaca zero. No julgamento de hoje, Noronha já indicou que deve votar contra a legalidade do trabalho do Coaf.
“Coaf não é o órgão de investigação e muito menos de produção de prova. Tem de fazer o relatório de investigação e mandar, e não pode ser utilizado como auxiliar do Ministério Público em termos de investigação o conjunto convence sim das irregularidade para fortalecer a acusação. convence ainda invasão intimidade que somente seria possível com autorização judicial, afirmou o ministro.
NORONHA DE OLHO EM VAGA NO STF
De olho na próxima vaga do STF, o presidente do STJ vem se aproximando de Bolsonaro. Ele concedeu prisão domiciliar ao ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) Fabrício Queiroz e à mulher dele, Márcia Aguiar. Noronha acatou habeas corpus impetrado pela defesa de Queiroz alegando riscos à saúde do ex-assessor por causa da pandemia do novo coronavírus. A decisão foi criticada internamente e externamente. Dentro da Corte, o habeas corpus desencadeou uma crise entre magistrados.
Estima-se que até 5 mil casos semelhantes estejam tramitando na 3ª Seção da Corte, que julga processos criminais. Esses processos são analisados por outros dez ministros. Integrantes do STJ apontaram que, a partir de agora, os demais magistrados viram-se obrigados a seguir jurisprudência semelhante e que Noronha eximiu-se de analisar outros casos parecidos.
HISTÓRICO DO CASO FLAVIO/QUEIROZ
O primeiro relatório do Conselho de Acompanhamento Financeiro (Coaf) sobre o caso apontou a existência de operações bancárias suspeitas de 74 servidores e ex-servidores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
O Coaf detectou uma movimentação suspeita de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz entre 2015 e 2016. Foi descoberta ainda, na mesma investigação, um depósito de R$ 24 mil na conta de Michelle Bolsonaro, primeira dama do país.
Com o desenrolar das investigações e a quebra de sigilos bancários, descobriu-se que Fabrício Queiroz depositou 21 cheques na conta da primeira- dama, Michelle Bolsonaro, no valor de R$ 72 mil, e que sua mulher, Márcia Oliveira, depositou mais R$ 17 mil, perfazendo um total de R$ 89 mil.
Além disso, o Coaf observou que nove funcionários de Flávio Bolsonaro faziam depósitos regulares na conta de Fabrício Queiroz, inclusive sua filha, Nathalia Queiroz, que, apesar de morar no Rio, estava lotada no gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro. O Coaf achou também um depósito de R$ 84 mil feito por sua filha, Nathalia, na conta do pai.
Um outro relatório do Coaf mostrou que Queiroz não movimentou, em sua conta, apenas R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. Na verdade, Queiroz movimentou R$ 7 milhões. Nos dois anos anteriores a janeiro de 2016, Queiroz movimentou R$ 5,8 milhões. O que significa uma média de R$ 2 milhões e 300 mil por ano, entre 2014 e 2017, sem renda ou patrimônio que expliquem o fenômeno.
No caso envolvendo Nathalia Queiroz é importante um pequeno parêntese. Ela recebia um salário de cerca de R$ 10 mil do gabinete de Jair Bolsonaro, em Brasília, como assessora parlamentar do gabinete. Tinha uma carga horária de 40 horas semanais. No entanto, ela nem residia em Brasília. Era personal trainer e trabalhava normalmente no Rio de Janeiro.
Vídeos e fotos de suas redes sociais mostraram Nath, como ela era conhecida em seu meio, atendendo seus clientes – alguns, inclusive artistas famosos – em horários comerciais. Ela tentou apagar tudo da internet, mas já era tarde.
Ou seja, Nath era lotada e recebia pelo gabinete de Jair Bolsonaro, mas não trabalhava em Brasília. Nathalia Queiroz recebeu R$ 250 mil da Câmara dos Deputados (R$ 225 mil em salários e R$ 25 mil em auxílios), entre dezembro de 2016 e agosto de 2018, sem trabalhar na função de assessora legislativa. Seus clientes no Rio de Janeiro nem sabiam que era lotada na Câmara dos Deputados, na capital federal.
O gabinete de Jair Bolsonaro, numa afronta aos fatos, atestou frequência de 40 horas semanais de “ex- assessora”. Registros da Câmara dos Deputados mostram que Nathalia Queiroz não teve nenhuma falta sem justificativa e nem tirou licença durante os quase dois anos em que trabalhou para Jair Bolsonaro em Brasília. Pelos registros do gabinete de Bolsonaro, ela fazia mágica: atendia seus clientes no Rio diariamente e batia o ponto em Brasília.
Nathalia recebia pelo gabinete de Flávio Bolsonaro desde os 18 anos. Quando foi exonerada, ela foi substituída pela irmã, Evelyn Queiroz. Sua mãe também estava lotada no gabinete de Flávio Bolsonaro. Uma semana depois de sua exoneração na Alerj, Nath aparaceu lotada no gabinete de Jair Bolsonaro em Brasília. Depois apareceram também pessoas ligadas a milícias lotadas no gabinete de Flávio Bolsonaro.
O Ministério Público do Rio de Janeiro deu prosseguimento às investigações do esquema de lavagem de dinheiro do gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro e descobriu que o chefe da milícia de Rio das Pedras, na zona oeste do Rio de Janeiro, o ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega, ficava com parte dos valores arrecadados através de “rachadinha” no gabinete do então deputado.
De acordo com o Gaecc (Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção), Adriano Nóbrega fez contato com a então esposa, Danielle Mendonça, por Whatsapp no dia 29 de dezembro de 2018 – período no qual já estava foragido e com a investigação do Caso Queiroz já em curso.
MILICIANO RECEBIA RECURSOS DO GABINETE VIA ESPOSA
Queiroz demonstrou preocupação com a manutenção de Danielle Mendonça como funcionária fantasma na Alerj devido às eleições de 2018 e o receio de que o aumento da exposição do deputado estadual Flávio Bolsonaro levasse a imprensa a descobrir a esposa do miliciano em seu gabinete.
Em outra mensagem, Queiroz diz:
Queiroz: “sobre seu nome…. não querem correr risco, tendo em vista que estão concorrendo e a visibilidade que estão”.
Queiroz: “estão fazendo um pente fino nos funcionários e família deles”.
Danielle Mendonça acabou sendo exonerada. Em uma conversa com uma amiga em janeiro deste ano ela admitiu que sabia da origem ilícita do dinheiro e que essa situação a incomodava.
Danielle: “enfim amiga… por outro lado, eu não sei se comentei com você, mas eu já vinha um tempo muito incomodada com a origem desse dinheiro na minha vida. Sei lá. Deus deve ter ouvido”.
O MP afirma que Danielle revelou numa outra mensagem que foi o ex-marido quem arrumou a nomeação de funcionária fantasma na Alerj.
Os promotores lembram ainda que Flávio Bolsonaro homenageou Adriano de Nóbrega com moção de louvor pelos inúmeros serviços prestados a sociedade e destacam que Adriano e Queiroz foram amigos de farda.
O MP afirma também que ao nomear a esposa e a mãe de Adriano para cargos comissionados, Flávio Bolsonaro transferiu, ainda que indiretamente, recursos públicos para o acusado de integrar milicia.
Segundo o MP, Adriano interveio junto a Queiroz na tentativa de manter sua ex-esposa Danielle Mendonça da Costa no cargo e admitiu que era beneficiado por parte dos recursos desviados por parentes dele também nomeados na Alerj.
Os salários de Raimunda e Danielle, mãe e mulher do miliciano, somaram, ao todo, R$ 1.029.042,48, dos quais pelo menos R$ 203.002,57 foram repassados direta ou indiretamente para a conta bancária de Queiroz, segundo o MP. Além desses valores, R$ 202.184,64 foram sacados em espécie por elas. Segundo o MP, isso viabilizaria a “simples entrega em mãos” de dinheiro para o ex-assessor.
O miliciano pediu informações a Danielle sobre a exoneração dela do cargo – Danielle Mendonça era funcionária fantasma do gabinete de Flávio desde 2007 até novembro de 2008. Eles conversam sobre dificuldade financeira enfrentada por ela. Em janeiro, Danielle volta a falar sobre problemas financeiros e Adriano se compromete a ajudar com “um complemento”.
Nessa mesma conversa, o ex-PM, morto numa operação policial na Bahia no início deste ano, afirma que “contava com o que vinha do seu também”, indicando que recebia parte dos valores oriundos de lavagem do gabinete de Flávio. O MP não revela, contudo, o quanto Adriano teria embolsado.
Queiroz pediu que Danielle tivesse “cuidado com o que vai falar no celular”. Danielle perguntava, àquela altura, se ainda tinha algo a receber do gabinete de Flávio na Alerj após a exoneração. Diante da negativa de Queiroz, ela responde “meu deus”.
Queiroz se refere a Adriano como “amigo”. Adriano é apontado pela Polícia Civil do Rio e pela promotoria como chefe do Escritório do Crime, espécie de central de assassinos de aluguel, das milícias, do qual fazia parte Ronnie Lessa, preso pelo assassinato de Marielle Franco em março de 2018.
Queiroz pediu que Danielle tivesse “cuidado com o que vai falar no celular”. Danielle perguntava, àquela altura, se ainda tinha algo a receber do gabinete de Flávio na Alerj após a exoneração. Diante da negativa de Queiroz, ela responde “meu deus”. Após perguntar se poderia voltar a ser nomeada em algum gabinete, Queiroz afirmou “pode ser que sim”.
QUEIROZ RECEBEU DOIS MILHÕES DE ASSESSORES FANTASMAS
Fabrício Queiroz recebeu mais de R$ 2 milhões em 483 depósitos feitos por 13 assessores ligados ao hoje senador Flávio Bolsonaro, segundo o Ministério Público do Rio. A defesa nega as acusações. As informações, obtidas por meio da quebra de sigilo bancário, constam na decisão do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio, que deu origem a uma operação deflagrada na quarta-feira (18). O MP cumpriu 24 mandados de busca e apreensão na investigação sobre um esquema de “rachadinha” na Assembleia Legislativa do RJ (Alerj).
O Ministério Público do Rio de Janeiro, que fez operação de busca e apreensão também na loja de chocolates de Flávio Bolsonaro, afirma ter indícios de que o senador Flávio Bolsonaro e sua mulher, Fernanda, pagaram em dinheiro vivo de forma ilegal R$ 638,4 mil na compra de dois imóveis em Copacabana (zona sul). Para os promotores, o uso de recursos em espécie tinha como objetivo lavar o dinheiro obtido por meio da “lavagem de dinheiro no antigo gabinete de Flávio na Alerj.
Flávio Bolsonaro citou suas atividades empresariais como fonte de seu patrimônio. “Sou empresário. Eu movimento no ano, recebo no ano, do lucro desta minha empresa, muito mais do que eu recebo como deputado. No comércio, você pega dinheiro”, afirmou, em referência a movimentações com valores em espécie. “A origem é a minha empresa e o imóvel que eu vendi, no valor de R$ 2,4 milhões. Você acha que, se fosse um dinheiro ilícito, eu ia depositar na minha conta”, questionou.
LOJA DE CHOCOLATE FOI INVESTIGADA
Porém, relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) contradisse a versão do senador para explicar seus ganhos financeiros. O documento apontou movimentação atípica de Flávio Bolsonaro de R$ 632 mil entre agosto de 2017 e janeiro de 2018. Segundo o RIF (Relatório de Inteligência Financeira), Flávio recebeu no período R$ 120 mil como lucro da loja. O valor é menor do que sua remuneração à época como deputado estadual, que somou R$ 131 mil no mesmo período. O órgão não conseguiu identificar a origem de outros R$ 90 mil recebidos por ele.
A informação sobre os imóveis consta do pedido de busca e apreensão de 111 páginas feito pelo MP-RJ à Justiça fluminense. A suspeita dos promotores decorre do fato de Glenn Dillard, responsável por vender os imóveis a Flávio e Fernanda, ter depositado ao mesmo tempo em sua conta os cheques entregues pelo casal e a quantia em dinheiro vivo. No dia 27 de novembro de 2012, Flávio e a mulher compraram dois imóveis em Copacabana. A escritura aponta o valor da operação como sendo de R$ 310 mil.
O pagamento foi feito em duas etapas. Um sinal de R$ 100 mil pago em cheques no dia 6 de novembro. Dois cheques (que somam R$ 210 mil) foram entregues na data da assinatura da escritura. O MP-RJ afirma que, no mesmo dia da concretização do negócio, Dillard esteve no banco HSBC, onde tinha conta, para depositar os valores. A agência usada fica a 450 metros do cartório onde foi assinada a escritura, que, por sua vez, fica a 50 metros da Assembleia Legislativa do Rio.
LAVAGEM COM IMÓVEIS
O norte-americano, segundo a investigação, depositou ao mesmo tempo os cheques e R$ 638.400 em dinheiro vivo. A Promotoria afirma que Dillard não realizou outra transação imobiliária no segundo semestre de 2012, que poderia ser uma origem para o depósito diversa do dinheiro da transação do senador. Ao mesmo tempo, os promotores escrevem na petição que Flávio e Fernanda também não haviam vendido nenhum imóvel naquele ano e não tinham disponibilidade financeira para a operação. Isso indica, para os investigadores, que a única origem possível para os recursos em espécie é o recolhimento de dinheiro feito junto a ex-assessores.
O uso de imóveis para lavagem de dinheiro consiste no subfaturamento da compra para que, numa futura venda lucrativa, o patrimônio final esteja justificado pela transação imobiliária. Flávio Bolsonaro vendeu os imóveis pouco mais de um ano depois, tendo declarado um lucro de R$ 813 mil. Pelas contas do Ministério Público, o rendimento real foi de R$ 176,6 mil. O uso de imóveis para lavagem de dinheiro consiste no subfaturamento da compra para que, numa futura venda lucrativa, o patrimônio final esteja justificado pela transação imobiliária. Para o MP-RJ, os R$ 638,4 mil passaram a ter aparência legal após a revenda feita por Flávio ser declarada à Receita Federal.