Esquema acrescentaria 1 dólar ao preço de cada uma das 200 milhões de doses de vacinas. “Olha, para trabalhar dentro do ministério, tem que compor com o grupo”, disse o diretor ao empresário. Com o estouro do escândalo, ele foi exonerado só hoje por Queiroga
O empresário, Luiz Paulo Dominguetti Pereira, representante da empresa Davati Medical Supply, afirmou à Folha de S. Paulo, nesta terça-feira (29), que o diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, cobrou propina na venda de vacinas em um jantar no restaurante Vasto, no Brasília Shopping, região central da capital federal, no dia 25 de fevereiro.
TEM QUE COMPOR COM O GRUPO
Em seu relato, o representante comercial deu detalhes do pedido de propina por parte de Roberto Ferreira Dias. “Eu falei que nós tínhamos a vacina, que a empresa era uma empresa forte, a Davati. E aí ele falou: ‘Olha, para trabalhar dentro do ministério, tem que compor com o grupo’. E eu falei: ‘Mas como compor com o grupo? Que composição que seria essa?'”, contou Dominguetti.
“Aí ele me disse que não avançava dentro do ministério se a gente não compusesse com o grupo, que existe um grupo que só trabalhava dentro do ministério, se a gente conseguisse algo a mais tinha que majorar o valor da vacina, que a vacina teria que ter um valor diferente do que a proposta que a gente estava propondo”, afirmou à Folha o representante da empresa.
Ao que tudo indica, com o escândalo da negociata na compra da Covaxin e, agora, com mais esta revelação feita por Dominguetti Pereira, o governo Bolsonaro aproveitou a pandemia e deixou de vez para trás as ‘rachadinhas’ de tempos idos e mergulhou de cabeça numa verdadeira orgia de propinas.
O diretor de Logística do MS, Roberto Dias, foi indicado ao cargo pelo líder do governo de Jair Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). Só após o estouro desse escândalo, é que ele foi exonerado. A exoneração foi comunicada nesta terça-feira (29) pelo Ministério da Saúde. “O Ministério da Saúde informa que a exoneração de Roberto Dias do cargo de Diretor de Logística da pasta sairá na edição do Diário Oficial da União desta quarta-feira (30). A decisão foi tomada na manhã desta terça-feira (29)”, diz o comunicado.
TOTAL DE PROPINA SERIA R$ 1 BILHÃO
Dominguetti deu outros detalhes sobre a propina: ”Aí eu falei que não tinha como, não fazia, mesmo porque a vacina vinha lá de fora e que eles não faziam, não operavam daquela forma. Ele me disse: ‘Pensa direitinho, se você quiser vender vacina no ministério tem que ser dessa forma”.
O representante comercial explicou que o esquema proposto renderia uma propina bilionária. “Seria acrescentado 1 dólar no preço de cada dose. Segundo ele, esse US$ 1 por dose, em 200 milhões de doses, dariam de propina o que eles queriam, ou seja R$ 1 bilhão”, disse o representante comercial.
Perguntado se ele tinha certeza de ter conversado com o diretor de logística do ministério, ele respondeu: “Claro, tenho certeza. Se pegar a telemetria do meu celular, as câmeras do shopping, do restaurante, qualquer coisa, vai ver que eu estava lá com ele e era ele mesmo”. “Ele [Dias] ainda pegou uma taça de chope e falou: ‘Vamos aos negócios’. Desse jeito. Aí eu olhei aquilo, era surreal, né, o que estava acontecendo.”
“Eu estive no ministério, com Élcio [Franco, ex-secretário-executivo do ministério], com o Roberto, ofertando uma oferta legítima de vacinas, não comprou porque não quis. Eles validaram que a vacina estava disponível.” Segundo Dominguetti, o jantar ocorreu na noite do dia 25 de fevereiro, na véspera de uma agenda oficial com Roberto Dias no Ministério da Saúde e um dia após o país ter atingido a marca de 250 mil mortos pela pandemia do coronavírus.
“Fui levado com a proposta para o ministério e chegando lá, faltando um dia antes de eu vir embora, recebi o contato de que o Roberto Dias tinha interesse em conversar comigo sobre aquisição de vacinas”, disse. “Quando foi umas 17h, 18h [do dia 25], meu telefone tocou. Me surpreendi que a gente ia jantar. Fui surpreendido com a ligação de que iríamos encontrar no Vasto, no shopping. Cheguei lá, foi onde conheci pessoalmente o Roberto Dias”, afirmou.
Este relato reforça as suspeitas da CPI de que o governo montou um esquema pesado de corrupção dentro do Ministério da Saúde nos contratos de compra de vacinas contra a Covid-19. Uma denúncia-crime foi apresentada na segunda-feira (24) ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra Jair Messias Bolsonaro pelo crime de prevaricação.
NEGOCIATA DA COVAXIN
Na sexta-feira (25), o servidor de carreira do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda, e seu irmão, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), relataram à CPI da Covid que no dia 20 de março estiveram com o presidente Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada para relatar a ele que estavam ocorrendo graves irregularidades na compra da vacina Covaxin. Luis Ricardo descreveu que vinha sofrendo pressões por parte de seus superiores para autorizar uma importação da vacina indiana com pagamento antecipado de US$ 45 milhões para uma empresa sediada em um paraíso fiscal e com quantitativo menor do que rezava o contrato.
Os dois relataram aos senadores que, ao apresentarem as provas das irregularidades ao presidente, ele teria soltado um palavrão e dito que isso era “coisa do Ricardo Barros”, numa referência ao líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR). Bolsonaro teria dito a eles que levaria as informações para a direção-geral da Polícia Federal.
Eles saíram do encontro achando que seriam tomadas providências. Bolsonaro não encaminhou o caso à PF e as pressões continuaram. Como Luis Ricardo se recusou a assinar o documento, uma outra servidora, Regina Célia Silva Oliveira, que por coincidência, foi indicada por Ricardo Barros, autorizou a importação, que só não se realizou porque a Anvisa não deu o aval.
Como não foram tomadas providências, o servidor informou ao Ministério Público Federal sobre as irregularidades. Seu depoimento ao MPF vazaram e o escândalo da negociata da Covaxin veio à tona. O contrato do governo com a empresa Precisa, intermediária no negócio, era de R$ 1,6 bilhão, recursos que foram empenhados antes mesmo da assinatura do contrato, que se deu em 25 de fevereiro.
O dono da Precisa, Francisco Maximiano, é acusado de ter dado um calote de R$ 20 milhões em um contrato de 2017 de venda de medicamentos não entregues ao Ministério da Saúde na gestão de ninguém menos do que o deputado Ricardo Barros, provavelmente o operador do esquema do governo no Ministério da Saúde.