A Câmara dos Deputados aprovou na tarde da terça-feira (13) requerimento de urgência para o projeto de lei 2.633 de 2020, o PL da Grilagem.
A aprovação da urgência permite que a proposta pule etapas de tramitação e seja votada diretamente no plenário, provavelmente após o recesso, em agosto.
O projeto deriva da MP (medida provisória) 910 de 2019, que foi apelidada por opositores de “MP da Grilagem”. O projeto possibilita regularização sem vistoria presencial do Incra de propriedades com áreas de até 6 módulos fiscais, desde que ocupadas até 2008.
Opositores da proposta denunciam que o projeto facilita a grilagem de terras, em especial na região da Amazônia.
Para a servidora do Incra, Marcela Machado, que é diretora de Articulação e Políticas Sociais da Associação Nacional dos Servidores Públicos Federais Agrários (CNASI), o PL rebaixa os requisitos ambientais para a regularização fundiária em áreas da União.
“É uma forma de legalizar, de ‘esquentar’ esses títulos, como uma forma de se inserir com mais força no mercado mundial em alguns produtos do agronegócio como a madeira e a pecuária”, afirma Marcela.
Em entrevista ao portal “A Pública”, a servidora explica que o objetivo do governo Bolsonaro é o de “esquentar” os títulos de áreas griladas e desmatadas. “A questão de dispensar a vistoria, de se fazer vistoria por sensoriamento remoto, é uma forma de dar celeridade e atender a esses interesses. Com a legislação anterior, havia a exigência da vistoria em campo, mas o interesse do agronegócio sempre foi acelerar o processo de regularização dessas terras que são fruto, em sua grande maioria, de áreas griladas e desmatadas ilegalmente”, disse.
É uma forma de legalizar, de “esquentar” esses títulos, como uma forma de se inserir com mais força no mercado mundial em alguns produtos do agronegócio como a madeira e a pecuária. São tentativas de simplificar esse processo. Se utiliza a desculpa que é para atender o pequeno que, coitado, ocupa a área há muito tempo e não consegue o título, mas no fundo a gente sabe que o interesse não é esse. Principalmente quando a gente fala do tamanho dessas áreas. A legislação anterior, a Lei 11.952, aprovada no governo Lula, permitia a regularização de até 1.500 hectares na Amazônia Legal – essa já não é uma área pequena, lógico que há áreas muito maiores, mas não é um pequeno produtor. O interesse é a regularização e o avanço nessas áreas que é incessante na história do país. Há um crescente na aprovação de legislação para facilitar cada vez mais a regularização nessas áreas”, explicou.
Ela também usa como exemplo o caso do programa Titula Brasil, lançado pelo governo federal neste ano. O programa prevê a possibilidade de firmar convênios com os governos municipais para realizar a titulação em assentamentos e em áreas públicas federais ainda não destinadas pela União, abundantes sobretudo na Amazônia Legal. A justificativa, diz a servidora, é justamente a falta de braços e recursos do Incra.
“A desculpa que eles têm usado para firmar essas parcerias com os municípios, como é o caso, por exemplo, do programa Titula Brasil, é que o Incra tem baixo orçamento e baixa capacidade de operacionalizar isso [a titulação]. De fato isso existe, mas isso é uma opção política do próprio governo, não é um dado consumado que não pode ser revisto. A forma que eles encontraram para viabilizar a titulação nesse cenário é a municipalização. E nós sabemos que isso deixa a titulação sujeita a todo tipo de pressão que ocorre nos municípios”, analisa.
Desmonte do Incra
Marcela Machado também denuncia um cenário de caos no interior do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). “É notório o esvaziamento do Incra como instrumento de Estado, estamos vivendo agora a pior crise orçamentária da história do Incra”, analisa Marcela, que também é servidora do órgão, lotada em Santa Catarina. A escassez de recursos é usada como pretexto para o governo acelerar, em paralelo, a única prioridade do Incra no momento: a regularização fundiária.
De acordo com a diretora, a titulação de lotes de assentamento e de ocupantes irregulares (ou mesmo ilegais) de áreas públicas tem se tornado a palavra de ordem na autarquia, em detrimento de outras atribuições, como a aquisição de terras e o desenvolvimento dos assentamentos de reforma agrária já existentes. De dentro do órgão, Marcela descreve um cenário de ausência de recursos orçamentários, ingerências políticas, falta de pessoal, além da paralisação da reforma agrária. “Ano passado a gente teve um orçamento que equivalia, fazendo todas as atualizações monetárias, a 66% do orçamento que a gente tinha há vinte anos”, afirma. “Hoje nós temos um terço dos servidores que tínhamos em 1990”.