‘Existe ou não liberdade religiosa na China?” é o tema deste Meia Noite em Pequim, da TV Grabois, apresentado pelo economista e professor Elias Jabbour, que há mais de duas décadas se dedica a estudar a grande nação asiática.
Questão que, como observa Jabbour, para ser respondida precisa de uma abordagem ampla, tanto histórica, quanto geopolítica. Afinal, qual o papel histórico que a religião joga na dominação de um país sobre outro, ou de uma classe social sobre outra? O papel da religião inclusive na desintegração de países?
Para examinar isso, Jabbour faz menção à Índia, de mais de 4.000 anos de existência, com hindus e muçulmanos vivendo muito bem ali, de forma harmoniosa.
Com a dominação britânica, a cizânia foi implantada entre hindus e muçulmanos, conforme a velha máxima de dividir para governar. O que chega ao ponto de que, quando a Grã Bretanha deixa o país em 1948, a Índia acaba se dividindo em dois, Índia e Paquistão.
Também há o caso do Brasil, em que as classes dominantes usam a religião para fins próprios. Ou os Estados Unidos, que usam as formas anglo-saxãs de lidar com questões como deus e espiritualidade, para influenciar outros países, outros povos.
A cultura protestante da prosperidade e o papel que isso joga nas sociedades latinas e, mais recentemente, nas sociedades africanas. O que isso traz para nações majoritariamente católicas e que têm um tipo de cristianismo mais afeito ao coletivismo e um olhar mais generoso sobre os pobres. E não um olhar concorrencial, que justifique, por exemplo, que uns são abençoados porque chegaram lá e outros não.
Tudo isso tem de levar em consideração quando se fala da religião na China. Jabbour assinala que também é importante levar em conta a forma como as experiências socialistas trataram e tratam a questão da religião. Por se tratar de um Estado de novo tipo, comprometido com a difusão da concepção materialista da história. Assim, essa questão precisa ser analisada com mente aberta.
Na China, por exemplo, todas as escolas, desde a pré-escola, ensinam às crianças que é a consciência que é condicionada pela matéria, e não o contrário.
Então, é um Estado que se ocupa com essa questão, ao mesmo tempo em que, como em qualquer país do mundo, existe uma parcela da população que ainda busca refúgio no imaterial, busca conforto fora das visões materialistas da história.
Jabbour se reporta, então, à Constituição chinesa, e ao que ele chama de ‘duplicidade’ quanto à questão da religião. Pelo artigo 36, “os cidadãos da República Popular da China gozam de liberdade de crença religiosa. Nenhum órgão do Estado, organização pública ou indivíduo pode obrigar os cidadãos a acreditar ou não acreditar em qualquer religião, nem podem exercer discriminação contra cidadãos por estes pertencerem ou não a qualquer religião”.
E acrescenta o mesmo artigo: “O Estado protege as atividades religiosas normais. Ninguém pode servir-se da religião para se dedicar a atividades que alterem a ordem pública, ponham em risco a saúde dos cidadãos ou interfiram no sistema educacional do Estado”.
Jabbour destaca as cinco religiões reconhecidas oficialmente pela China: budismo, taoísmo, islamismo, protestantismo e catolicismo. Pela lei chinesa, as igrejas da China são subordinadas ao Estado – há um órgão poderoso que só cuida das religiões – e estas não podem estar subordinadas a um organismo estrangeiro.
Jabbour cita um estudo sobre crença religiosa na China, com dados de 2012 e 2014. A grande maioria declara não ter crença religiosa (ateus). São 90,06% em 2012 e 73,56% em 2014.
Entre os que professam uma religião, o Budismo tem 15,87% em 2014; eram 6,5% em 2012. Taoísmo: 0,85% (antes, 0,31%). Islamismo: 0,71% (0,45%). Catolicismo: 0,34% (0,27%). Protestantismo: 2,19% (2,0%). Outros: 5,94% (0,15%).
Jabbour busca fazer uma análise desses enormes “90%” ou mesmo “73%” de não-crentes, elucidando como se desenvolve a espiritualidade entre os chineses historicamente.
O budismo nasce na Índia, sobe o altiplano tibetano e, quando desce, se encontra com o confucionismo e o taoísmo, que não são propriamente religiões, mas filosofias. E o budismo, ao se misturar com isso, acaba se transformando também em um negócio meio materialista.
Assim, a massa do povo chinês é espiritualista mas não é deista. Jabbour se refere ao ‘sincretismo religioso’ chinês, que é “muito grande” e se expressa em coisas como ter uma imagem de Buda e uma foto de Mao no carro.
O que – ele explica – acaba sendo uma base, não do ‘controle social’ daquela sociedade, mas de estabilidade social.
Para Jabbour, é inegável que a atividade religiosa seja altamente regulada pelo Estado na China. Nesse aspecto, a liberdade não é tão ampla quanto uma visão de sociedade mais rasa demandaria. A pessoa – ele ressalta – pode ter a religião que quiser, desde que essa religião não ultrapasse os limites estabelecidos pela própria constituição do país.
Quanto a isso, os chineses, Jabbour aponta, têm mesmo que abrir o olho: o imperialismo se utiliza amplamente da religião para cindir sociedades, para destruir sociedades, e essa é a razão de a religião ficar sob escrutínio do Estado socialista.
Para concluir, Jabbour vê a liberdade religiosa na China como um processo histórico em que são as novas formas de Estado que vão dar a resposta, e não as caricaturas liberais sobre a questão: uma nova regulação que desenvolva a convivência com as religiões e a propaganda materialista.
Elias Jabbour é professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ.