No Meia Noite em Pequim, da TV Grabois, o professor e pesquisador Elias Jabbour voltou a analisar a crise da Evergrande, a segunda maior empresa do setor imobiliário na China. Na semana passada, ele explicara porque a Evergrande ‘não vai quebrar’.
Jabbour lembra como a grande imprensa nacional e internacional em uníssono alardeou as “graves consequências” que a quebra traria “para a China e o resto do mundo”.
Somente ele e os amigos economistas Paulo Gala e Gabriel Galípolo estavam dizendo que “vai ter uma solução mediada, em breve tudo volta ao normal”.
Dado o silêncio do governo chinês sobre a questão, todo dia aparecem conjecturas sobre o que vai acontecer. “Eu particularmente tenho certeza que [a Evergrande] vai ser estatizada, fatiada em três empresas, e a vida continua”, assinalou o pesquisador.
A imprensa internacional vazou na terça-feira à noite que um acordo “iminente” permitiria que o governo chinês assumisse o controle da Evergrande, com o objetivo de garantir que os consumidores – um milhão de pessoas – não fossem prejudicados e recebessem seus apartamentos.
Jabbour aproveitou para abordar o significado, sob o socialismo, da estatização ou privatização. “Estatizar não é a priori melhor que privatizar e vice-versa”, destacou, quando se trata de desatar o ponto de estrangulamento da economia sob o socialismo.
Se existe um problema de realização econômica num setor, que está estatizado há 40 anos, pode ser que o setor privado possa tocar melhor que o estatal. Foi o que a China fez “na década de 90, de forma massiva e em muitos casos até exagerada”.
Analogamente, “quando o setor privado não consegue mais entregar o que ele deve entregar, que são bens e serviços, é o momento de estatizar”, ressaltou Jabbour. “A estatização envolve, vamos dizer assim, o que eu chamaria de data de validade de determinada forma de propriedade.”
Para ele, o que deve ser estatizado imediatamente após a tomada do poder é “a grande indústria – que gera os efeitos de encadeamento na economia-, o sistema financeiro e o comércio exterior”. Com a estatização desses três setores e da terra também a economia se torna controlável, de forma que você possa “ter poder sobre o ciclo econômico”.
“O que dá garantia de que a economia não vai entrar em um processo depressivo, porque o Estado controla o que se produz, controla o crédito, controla a terra, controla o que vai importar e exportar. E faz com que o país tenha condições de tocar adiante sua economia”.
Já a estatização de outros setores da economia vai depender – acrescentou Jabbour – do papel que o setor privado joga em tal ou qual setor na economia socialista. Ele lembra Marx no Manifesto Comunista, que deixa muito claro que “a tarefa imediata do socialismo é desenvolver as forças produtivas”.
“E quando eu penso em estatização ou privatização no socialismo, eu penso exatamente nisso: se estatizar tais setores vai acelerar esse processo de desenvolver as forças produtivas”.
Ao final das contas, o importante quando o assunto é socialismo “é o poder político”, enfatizou Jabbour. “Se o poder é controlado pelo Partido Comunista e os trabalhadores se tornaram classe dominante, pode coexistir o setor privado na economia, eu não vejo grandes problemas nisso”.
É só observar o caso chinês. “Durante 40 anos a China foi lançando as chamadas ondas de inovação institucionais, em que o Estado e o setor privado vêm se rearrumando ao longo do processo de desenvolvimento econômico durante o processo de acumulação, de forma que essa rearrumação fosse suficiente para que a economia não deixasse de crescer”. Deu certo, com a China crescendo por 40 anos sem grandes acidentes de percurso e sem grandes problemas.
“A grande questão do agora o que está acontecendo na China é que o próximo passo para a manutenção do processo de crescimento e da estabilidade social do país demanda um rearranjo dos esquemas de propriedade no país, o que significa que o setor imobiliário [privado] deixou de ser útil ao processo de desenvolvimento”, assinalou Jabbour, reconhecendo que o setor “foi capaz de entregar milhões de casas”.
“A questão é que é um setor que por natureza tende à especulação, tende a atividades improdutivas. E foi isso que aconteceu com a Evergrande. Ela passou por um processo muito grande de alavancagem financeira e, ao mesmo tempo, as próprias províncias chinesas resolviam sua questão fiscal vendendo concessões de terras públicas para empreendores”, resume o pesquisador.
“Olha o grau de complexidade: foram avançando sobre o setor público na economia, basicamente a terra, que não foi privatizada mas os direitos de concessão foram vendidos”.
Criou um duplo problema, sublinhou Jabbour. De um lado a especulação imobiliária crescendo absurdamente: os preços dos aluguéis em Xangai, Pequim e Shenzen dobraram em menos de cinco anos. Por outro lado, tem a dependência das províncias da entrega das terras para o setor imobiliário para que pudessem solucionar sua questão orçamentária imediata.
Jabbour destacou que o que está acontecendo hoje “são mudanças qualitativas no centro da economia chinesa” e que, além do processo de estatização, vai haver a “quebradeira organizada dos fornecedores da Evergrande”, com os interesses dos consumidores garantidos.
“Nesse exato momento, o que está acontecendo na China é que o Partido Comunista, o governo chinês, está conversando com todos os agentes envolvidos para chegar a um acordo”, afirmou Jabbour.
Na China, as províncias têm um poder muito grande. Tudo é fruto de um grande acordo nacional, que envolve Pequim, envolve os interesses das províncias, os interesses das empresas.
“Uma decisão já está tomada e é tudo uma questão de tempo até que aconteça”, concluiu Jabbour, convidando a estudar o que está acontecendo na China.
Elias Jabbour é professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ.