Aprovação da PEC 23 só visava destinar R$ 20 bilhões ao esquema criminoso do ‘Orçamento Secreto’ que o STF barrou. Bolsa Família só por um ano e fim da ajuda emergencial deixarão 25 milhões na miséria
Jair Bolsonaro está cumprindo à risca o que prometeu a um grupo de lunáticos trumpistas reunidos num jantar em Washington assim que ele assumiu a presidência da República, em janeiro de 2019. Na ocasião, ele prometeu “desconstruir” o país. “O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa ”, afirmou.
PROMESSA DE DESTRUIÇÃO
Nessa sua cruzada de desmonte do Brasil, Bolsonaro acaba de dar mais um passo. Acabou com o Bolsa Família, um programa de transferência de renda iniciado por Fernando Henrique de forma tímida na década de 90 e que depois foi ampliado no governo Lula. Com o pretexto de que iria aumentar o valor da bolsa para R$ 400, mas sem nenhuma garantia oficial, Bolsonaro simplesmente encerrou o Bolsa Família através de uma Medida Provisória.
Mais grave ainda do que extinguir um programa de Estado, que existia há 18 anos, em troca de uma promessa de uma “ajuda maior”, mas por apenas uma ano, foi deixar sem nenhuma ajuda financeira cerca de 25 milhões de brasileiros que estão na miséria e recebiam o auxílio emergencial aprovado pelo Congresso Nacional. Esse contingente, a partir de agora, não receberá mais nada. Destes, apenas 2,4 milhões seriam incluídos no novo “programa” que vai durar só até dezembro de 2022.
Segundo dados do Ministério da Cidadania, 34,4 milhões de famílias dependeram da renda do Auxílio Emergencial para sobreviver até este mês de outubro. Dentre essas famílias, 25 milhões não recebem o Bolsa Família. O governo diz que vai pagar um valor que pode chegar a R$ 400 mensais a 17 milhões (14,6 milhões do Bolsa Família mais 2,4 milhões que serão incluídos no Cadastro até dezembro). A conta deixa de fora 22,6 milhões, que a partir de novembro não terão nenhuma renda.
Este é o resultado que Bolsonaro pretendia com a votação da PEC dos Precatórios. Não só deixar milhões sem assistência nenhuma, mas principalmente garantir recursos para engordar o Orçamento Secreto. O atual ocupante do Planalto nunca pode ver uma verba pública sem querer meter a mão. Ele quer manipulá-la para aumentar seu poder de pressão junto ao Congresso Nacional.
Para conseguir manipular como quisesse essa verba, ele precisava abrir o tal “espaço fiscal”, que estava limitado pelo teto de gastos. Para atingir seu objetivo, ele criou a PEC 23 que, entre outras pedaladas, suspende os pagamentos de precatórios – dívidas transitadas em julgado da União com a sociedade – que deveriam ser pagos em 2022 e altera o cálculo da inflação para efeito de definição do teto. Com isso, ele poderia regar o caixa do esquema secreto criado na Câmara.
NÃO PRECISAVA DE PEC PARA NOVO PROGRAMA
Com essas medidas, o governo obtém R$ 91 bilhões a mais no orçamento do ano eleitoral de 2022. Ele usou como pretexto para aprovar a PEC uma suposta necessidade de recursos para o novo Bolsa Família. Segundo a oposição, ele não precisaria de PEC nenhuma para garantir os cerca de R$ 30 bilhões necessários para reajustar para R$ 400 o valor do Bolsa Família e ampliar em 3 milhões os seus beneficiários, ou mesmo para criar um novo programa que seja.
Bastaria solicitar, através de uma Medida Provisória, um crédito extraordinário para essa finalidade. Toda a oposição já tinha se comprometido a votar a favor desta MP. Mas, Jair Bolsonaro insistiu na PEC 23 que parcela em dez anos o pagamento dos precatórios de 2022, medida, inclusive, já derrubada uma vez pelo Supremo Tribunal Federal, em 2013.
Com a PEC, sobrarão recursos para abastecer esse esquema ilícito e imoral – inclusive derrubado esta semana pelo STF – de distribuir verbas públicas para apaniguados políticos sem nenhuma transparência e controle. Só para se ter uma ideia de como esse esquema funciona, dois dias antes da votação da PEC, por exemplo, foram liberados R$ 1,2 bilhão nesse tipo de emenda para influir na votação.
As chamadas emendas de relator (RP-9), que formam o Orçamento Secreto, que a oposição está designando como “bolsolão”, já consumiram, só neste ano de 2021, cerca de 18,5 bilhões e, com a aprovação da PEC 23, o governo planejava manipular outros R$ 20 bilhões, que sobrariam do total de R$ 91 conseguidos com as pedaladas de Bolsonaro. O plano era destinar esses R$ 20 bilhões para o escandaloso “Orçamento Secreto”. O ‘dinheiro’ que seria usado e abusado no ano eleitoral, só não se concretizou porque a ministra Rosa Weber e depois o pleno do STF, por 8 a 2, barraram a excrescência.
O que o governo fez na verdade foi mentir de que precisava da PEC para garantir os recursos do novo programa. Não precisava. Era só pedir o crédito extra. Mas, o governo insistia na PEC 23. E, para garantir sua aprovação, fez ainda outras manobras.
Foi “aglutinada” de última hora à PEC 23 um pleito antigo dos prefeitos que já tramitava no Congresso, através da PEC 15. Essa proposta tratava do parcelamento em 240 meses das dívidas previdenciárias dos municípios. Era a forma que o Planalto arranjou de fazer chantagem pela aprovação da PEC. Perfumaram a PEC que, na verdade, somente visava garantir os R$ 20 bilhões para a farra do Orçamento Secreto.
ROSA WEBER FICOU PERPLEXA COM ESQUEMA DE EMENDAS SECRETAS
Em seu julgamento sobre o Orçamento, a ministra Rosa Weber afirmou estar “perplexa” com o esquema ilícito de distribuição de recursos públicos. “Causa perplexidade a descoberta de que parcela significativa do Orçamento da União esteja sendo ofertada a grupo de parlamentares, mediante distribuição arbitrária entabulada entre coalizões políticas, para que tais congressistas utilizem recursos públicos conforme seus interesses pessoais, sem a observância de critérios objetivos destinados à concretização das políticas públicas a que deveriam servir as despesas”, afirmou a ministra.
Rosa Weber pontuou ainda que os recursos do “orçamento secreto” eram distribuídos “sem qualquer justificação fundada em critérios técnicos ou jurídicos, realizada por vias informais e obscuras, sem que os dados dessas operações sequer sejam registrados para efeito de controle por parte das autoridades competentes ou da população lesada”. A ministra concluiu que o Planalto deu dinheiro a congressistas em troca de votos e obrigou o governo a instalar, em 30 dias, uma plataforma centralizada de acesso público, com ampla publicidade sobre os documentos encaminhados aos órgãos e entidades federais que deram base às demandas e/ou resultaram na distribuição de recursos das emendas do relator.
A oposição comemorou a derrota do governo no STF. O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) afirmou que esse é “o maior escândalo das últimas décadas”. Ele argumentou que “a insistência na PEC dos Precatórios tem o objetivo de garantir recursos bilionários para o orçamento paralelo”. “Todo o país deve saber para onde vai a verba pública. Eu, que sou deputado, não consigo saber”, disse.
Já o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição na Câmara dos Deputados, também denunciou a medida como sendo a oficialização da compra de votos e do toma-lá-dá cá. “Perto desse descalabro, o escândalo dos anões do orçamento, que ocorreu na década de 90, é muito pequeno”, destacou o parlamentar. Molon e o subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU, Lucas Rocha Furtado, entraram com um pedido de suspensão das emedas no Tribunal de Contas da União (TCU).