Magistrado disse que há outras provas além dos trechos de depoimentos de colaboração premiada da Odebrecht, que vieram depois ao processo, retirados pela Segunda Turma do STF
O juiz Sérgio Moro, titular da 13ª Vara Federal de Curitiba e responsável pela Operação Lava Jato na primeira instância, rejeitou recurso da defesa de Luiz Inácio Lula da Silva e decidiu manter em Curitiba o processo que trata do Sítio de Atibaia, até que seja julgado o recurso já apresentado em primeira instância pela defesa do ex-presidente há oito meses, em que pedia a transferência da ação para São Paulo ou Brasília.
Lula e seus advogados erguem as mãos para os céus todo dia, pedindo a graça divina para sair da mira do magistrado de Curitiba.
Em seu despacho, Moro chamou a atenção de que há outras provas que incriminam Lula além dos trechos de depoimentos de colaboração com a Justiça da Odebrecht, que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu retirar das mãos de Moro, na terça-feira (24), sob a esdrúxula alegação de que eles não têm conexão com os crimes na Petrobrás.
“Oportuno lembrar que a presente investigação penal iniciou-se muito antes da disponibilização a este juízo dos termos de depoimentos dos executivos da Odebrecht em acordos de colaboração, que ela tem por base outras provas além dos referidos depoimentos, apenas posteriormente incorporados, e envolve também outros fatos, como as reformas no mesmo sítio supostamente custeadas pelo Grupo OAS e por José Carlos Costa Marques Bumlai [amigo de Lula]”, disse Moro no despacho. O magistrado observou ainda que, no caso do sítio de Atibaia, a Odebrecht não é a única envolvida, já que as obras tiveram participação também da OAS e do pecuartista José Carlos Bumlai, amigo de Lula.
O juiz também considerou preciptadas as atitudes, tanto da defesa de Lula quanto do Ministério Público Federal (MPF). A defesa lulista pediu o envio imediato dos processos para São Paulo e a força-tarefa da Lava Jato defendeu a permanência em Curitiba. Segundo Moro, não há pressa para tomar essa decisão, uma vez que o “respeitável acórdão” da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal “sequer foi publicado” e ele é necessário para que seja avaliada a extensão da decisão do colegiado.
Com efeito, os votos de Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, que tiraram trechos das confissões da Odebrecht referentes a Lula das mãos de Moro, tentaram abrir a janela para que se retire de Moro todos os processos em que Lula é réu e se constituíram num escândalo de dimensões gigantescas. Que poderiam beneficiar outros acusados e condenados pela Lava Jato, como Eduardo Cunha, Antonio Palocci, José Dirceu e outros.
Mas por essa decisão do juiz Sérgio Moro eles não vão ter vida fácil para a impunidade. A decisão do trio da Segunda Turma foi repudiada por todos que não aceitam que os criminosos fiquem sem punição.
Moro lembrou que na decisão da Segunda Turma não há questionamento da sua competência para julgar as ações do sítio, do apartamento em São Bernardo do Campo e do terreno do Instituto Lula e que o recurso da defesa (a exceção de incompetência) não tem efeito suspensivo da ação, que deve prosseguir.
Moro observou em seu despacho que: “Pelas informações disponíveis, porém, acerca do respeitável voto do eminente Relator Ministro Dias Toffoli, redator para o acórdão, não há uma referência direta nele à presente ação penal ou alguma determinação expressa de declinação de competência desta ação penal. Aliás, o eminente ministro foi enfático em seu respeitável voto ao consignar que a decisão tinha caráter provisório e tinha presente apenas os elementos então disponíveis naqueles autos”.
O juiz destacou que avaliar a competência dele nas ações penais em andamento “não é algo automático” e que ela deve ser decidida por meio do recurso chamado “exceção de incompetência”. O juiz reconheceu que não julgou o recurso e atribuiu ao “acúmulo de processos perante este Juízo e da própria sucessão de requerimentos probatórios das Defesas na presente ação penal”.
Ele deu prazo para que a defesa de Lula apresente, em 10 dias, novos argumentos ao recurso de exceção de incompetência. Em seguida, a força-tarefa do MPF será intimada e terá mais 10 dias para se manifestar.
“Assim, as partes poderão formular todos os argumentos possíveis e a questão poderá ser examinada considerando a decisão e todos os elementos probatórios constantes na presente ação penal. Observo, contudo, que a reabertura da questão e dos prazos na exceção precisam aguardar, por todo evidente, a publicação do acórdão para melhor análise do julgado”, escreveu Moro.
Ante o fracasso da sua investida, o advogado de Lula, Cristiano Zanin, disse que “a rigor, essas decisões mostram que o juiz de primeiro grau pretende abrir um incidente processual para decidir se o Supremo agiu corretamente, o que é incompatível com a hierarquia judiciária”.
Lula foi condenado a 9 anos e meio pelo juiz Sérgio Moro no caso do tríplex de Guarujá, São Paulo. A pena foi aumentada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), Porto Alegre, para 12 anos e 1 mês. Na ação do sítio de Atibaia, Lula é acusado de ser o dono oculto e receber melhorias da OAS e da Odebrecht como pagamento de propinas. De acordo com o Ministério Público Federal, a Odebrecht, a OAS e também a empreiteira Schahin, com o pecuarista José Carlos Bumlai, gastaram R$ 1,02 milhão em obras de melhorias no sítio em troca de contratos com a Petrobrás.
Jonas Suassuna e Fernando Bittar,filho de Jacó Bittar, são os proprietários formais do sítio. Segundo depoimento de Emílio Odebrecht, pai de Marcelo Odebrecht, na vista que fez a Lula no final do seu mandato presidencial se referiu a ele sobre à reforma no sítio: “No final do ano, penúltimo dia de mandato do Lula, do último mandato, eu estive com ele lá no Palácio do Planalto. E aí eu disse: ‘Olhe, chefe, você vai ter uma surpresa. Nós vamos garantir o prazo que nós tínhamos dado naquele programa lá do sítio’. Ele não fez nenhum comentário, mas também não botou nenhuma surpresa, coisa que eu entendi não ser mais surpresa”.