“Não existe estado de bem estar social na China: verdade ou mito”, analisa o pesquisador e escritor Elias Jabbour, no Meia Noite em Pequim, pela TV Grabois.
Entre certa intelectualidade do Ocidente chegada ao ‘marxismo legal’, existe um ranço em relação à experiência chinesa por não existir um Estado de Bem-Estar Social, como existe, por exemplo, na Europa Ocidental. Ou mesmo o SUS, como tem no Brasil.
Tenho certeza, enfatiza o economista, de que o que está acontecendo na China vai desembocar num Estado de Bem-Estar Social com características chinesas.
Ele confirma que, hoje, muito do que existe na China em termos de saúde e educação é privado. O que, considera, está em descompasso com os objetivos mais estratégicos do socialismo.
É importante, destaca Jabbour, contextualizar esse tipo de discussão, que costuma ser colocada de duas formas.
A primeira, desprovida de História, quando se compara com a Europa, que constrói a partir dos anos 1950 seu Estado de Bem-Estar Social, dentro do escopo do Plano Marshall.
Que canalizou bilhões de dólares para a recuperação daquelas economias pós-guerra e constituição de um setor produtivo na economia. O que criou condições para entregar à classe trabalhadora serviços sociais de altíssimo nível.
Também como resposta à União Soviética, ao avanço do socialismo, que colocou a questão social no centro da pauta mundial.
No Brasil, uma grande luta contra a ditadura e pós-ditadura desembocou na Constituição de 1988, uma constituição social-democrata que consagra direitos universais, como a educação e a saúde.
A China fez a revolução em 1949, quando a expectativa de vida era 35 anos; hoje passa de 70.
Os avanços que a China fez desde então são muito maiores do que em qualquer país do mundo em comparação. Em 1980, a China era o país mais igual do mundo, mas a China era muito mais pobre do que qualquer país europeu, do que qualquer país do entorno.
Em 1978, com as reformas, as empresas, que eram estatais, assumem a função de produção de mercadorias. A estrutura de bem estar que havia na época era toda ligada às empresas, e então essa estrutura ruiu.
Para Jabbour, foi um grande equívoco das reformas econômicas deixar degradar a tal ponto que praticamente a saúde e educação se tornaram privadas. Abriu-se um fosso na sociedade, que em grande medida perdura.
Em 2002, a gripe SARS em Hong Kong faz a China começar a mudar de atitude. Começa a haver políticas mais agressivas de constituir um Estado de Bem-Estar Social de características chinesas.
Desde 2002, a China tem promovido reformas sucessivas, principalmente na conformação de um sistema setor público de saúde. O que vai acabar desembocando em um Estado de Bem Estar Social, no máximo em dez, quinze anos.
Para o economista, há cobranças feitas à China que, embora corretas, são em um tom muito mais voltado para desqualificar a essência do regime. É preciso observar essas mudanças em curso na China, sem os óculos do ceticismo e do niilismo, tão em voga.
A constituição de um Estado de Bem-Estar Social tem como pré-requisitos dois grandes setores, destacou. Um, produtivo, que gera valor. Outro, improdutivo, que trabalha com as necessidades espirituais da população, educação, cultura, esporte, saúde. Fundos de Consumo permitem alimentar os setores improdutivos a partir do excedente gerado pelo setor produtivo.
A China constituiu um imenso setor produtivo da economia. O desenvolvimento da China tem sido caracterizado por ondas de inovações institucionais, em que o setor estatal vai revezando de lugar durante o processo de desenvolvimento.
Essa reacomodação do privado e do estatal em diferentes setores da economia e a tomada do Estado por um papel mais protagonista em questões macro e na formação de um grande sistema financeiro público levou o Estado a um processo muito mais qualitativo do que quantitativo na economia.
Transformações que vão fazer com que a China possa enfrentar as persistentes desigualdades sociais e regionais. O 20º Congresso do PCCh em novembro poderá levar à taxação das grandes fortunas. O que possibilita arrumar as condições fiscais necessárias para a construção de um Estado de Bem-Estar Social.
Elias Jabbour é professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ.