
A Amazônia registrou 33.116 focos de queimadas em agosto, o maior número para o mês desde 2010, quando 45.018 focos foram registrados. Os dados oficiais foram divulgados na quinta-feira (1) pelo Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Esse é o quarto ano consecutivo da gestão de Jair Bolsonaro (PL) que o número supera a marca de 28 mil.
Os dados de 2022 superam inclusive os do ano de 2019, quando o bioma atingiu 30,9 mil focos, chamando a atenção de todo o planeta e gerando uma série de reações de governos e entidades estrangeiras.
O pior número de queimadas até então no atual governo havia sido em setembro de 2020, quando foram registrados 32.017 focos de calor na Amazônia.
Em relação aos focos de incêndio acumulados desde o começo do ano até agosto, a Amazônia soma 46.022 registros. No ano passado, o mesmo período teve 39.424 focos de incêndio.
No Pará, o município de Altamira registrou a assombrosa marca de 325 focos de calor num período de 48 horas nesta semana. Devido aos incêndios florestais, a cidade vem sofrendo com névoa e fuligem.
Neste mês também houve um dia em que as queimadas foram a pico, atingindo a pior marca em 12 anos com 3.358 focos em apenas 24 horas, superando inclusive o ‘Dia do Fogo’, registrado em 2019.
Entre os dias 10 e 11 de agosto de 2019, desmatadores, de forma coordenada, atearam fogo às margens da BR-163, no Pará, com foco em Novo Progresso. Naqueles dois dias, o Inpe detectou 1.457 focos de calor no estado.
AÇÃO HUMANA
Em nota, a organização não governamental WWF-Brasil informou que as queimadas — e o desmatamento associado a elas— “estão fora de controle na Amazônia desde 2019, quando teve início a política de desmantelamento dos sistemas federais de proteção ambiental que marca a gestão de Jair Bolsonaro”.
A entidade aponta também que o descontrole das queimadas observado nos últimos quatro anos está estreitamente associado a um aumento do desmatamento e da degradação florestal nesse período.
“A Amazônia é uma floresta tropical úmida e, ao contrário do que ocorre em outros biomas, o fogo não faz parte de seu ciclo natural. Os incêndios não surgem de forma espontânea no bioma e sua ocorrência está sempre associada a ações humanas — em especial ao desmatamento e à degradação florestal”, diz Mariana Napolitano, gerente de Ciências do WWF-Brasil.
“Em todos os quatro anos que correspondem à atual gestão federal o número de focos de queimadas na Amazônia teve valores próximos ou superiores a 40 mil entre janeiro e agosto. Já nos dez anos anteriores (2009-2018), a média de focos no mesmo período foi de cerca de 28 mil focos”, acrescentou.
Para se ter uma ideia do alto número de queimadas na Amazônia, os efeitos da fumaça afetaram a qualidade do ar na América do Sul, segundo o programa de monitoramento ambiental Copernicus, da União Europeia.
DEVASTAÇÃO
Consequência da destruição da Amazônia, em 40 anos o bioma ficou 1ºC mais quente e assistiu a uma redução no nível de chuvas de até 36% em algumas áreas. Os efeitos do desmatamento e do aquecimento global levam cientistas a suspeitar que a floresta deixou absorver para emitir dióxido de carbono (CO2) —principal gás causador do efeito estufa. E mais do que isso, eles dizem ter a certeza de que hoje ela já afeta o clima global.
Um estudo publicado pela revista “Frontiers in Earth Science” em julho, apontou que a Bacia do Rio Amazonas —que exerce um papel essencial na regulação do clima global— sofre um aumento das condições de seca e degradação.
Segundo esse estudo, 757 mil km² (ou 12,67% da bacia) tiveram terras devastadas em duas décadas. O que levou, segundo os pesquisadores, a uma “tendência de queda na dinâmica da produtividade da terra seguida pela tendência combinada de queda na produtividade da terra”.
Para Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, o impacto de todos os índices é desastroso: “Muita degradação ambiental, morte da fauna silvestre, doenças respiratórias na população nas diferentes faixas etárias”.
“Os incêndios florestais na Amazônia estão batendo recordes neste ano em uma combinação de seca, explosão do desmatamento – impulsionada por um governo federal ecocida que vê a política ambiental como mero entrave a ser afastado – e uso inadequado do fogo associado ao próprio desmatamento”, afirma Araújo, que também foi ex-presidente do Ibama.
A época de incêndios geralmente ocorre na Amazônia entre junho e outubro, mas fazendeiros, garimpeiros e grileiros derrubam a floresta e se preparam para queimá-la durante todo o ano.
Este ano, a Amazônia Legal (região que corresponde a 59% do território brasileiro e que abrange a área de 9 estados: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e uma parte do Maranhão) teve o maior desmatamento em 15 anos, segundo dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Para o Greenpeace Brasil, os números já eram esperados. “O que temíamos e alertamos aconteceu!”, declara o coordenador da campanha de Amazônia da ONG, André Freitas.
“Após quase quatro anos de uma clara e objetiva política antiambiental por parte do governo federal, vemos que na iminência de encerramento desse mandato – que está sendo um dos períodos mais sombrios para o meio ambiente – grileiros e todos aqueles que tem operado na ilegalidade, viram um cenário perfeito para avançarem sobre a floresta”, afirma Freitas.
Documento obtido pelo G1 em junho, apontou que o Ministério do Meio Ambiente colocou em risco a continuidade do Fundo Amazônia, criado há cerca de 14 anos para financiar ações de redução de emissões geradas pela degradação florestal e pelo desmatamento.
Também prejudicou, por conseguinte, uma série de políticas ambientais, ao extinguir de forma unilateral, colegiados que formavam a base dessa iniciativa de financiamento.
Os dados constam de um relatório de uma auditoria realizada pela Controladoria Geral da União (CGU) que mostra que até dezembro do ano passado, o Fundo tinha cerca de R$ 3,2 bilhões parados para a destinação a novos projetos.
O montante considera rendimentos gerados ao longo dos últimos anos. Além disso, o relatório aponta ainda que o Fundo possui um crédito de valores a serem arrecadados que podem chegar à casa dos US$ 20 bilhões.
O documento inicialmente havia sido retirado do site da CGU. Após questionamento da reportagem do g1, o órgão alegou “procedimentos técnicos internos” e disponibilizou novamente o link do arquivo.
Os dados revelam que durante a gestão dos ministros Ricardo Salles e nos primeiros meses de Joaquim Leite, entre 2019 e 2021, o Ministério deixou de apresentar a proposta de recriação dos dois conselhos. Isso mesmo após o fim do prazo legal estabelecido para tal fim, em 28 de maio de 2019, impactando de forma negativa as políticas de preservação da Amazônia Legal.
Em 2020, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, alegou que o governo federal não recriou o Conselho Orientador do Fundo porque a Noruega e a Alemanha, principais doadores, rejeitaram mudanças no modelo de gestão dos recursos.
Apesar disso, os técnicos da CGU chamam atenção no texto para o fato de que o primeiro registro de reunião realizada com as embaixadas dos países europeus e o Ministério aconteceu somente após o fim do prazo de reestruturação estabelecido pelo decreto que extinguiu o COFA e o CTFA.
A CGU também aponta que até a data limite não houve empenho por parte da gestão ministerial na busca de consenso com os financiadores, ou, sequer, a apresentação de propostas para a modificação da estrutura de governança do Fundo.