O atual coordenador de Índios Isolados e de Recente Contato da Fundação Nacional do Índio (Funai), Geovanio Oitaiã Pantoja, conhecido como Geovanio Katukina, é um dos investigados na operação “Avarus”, deflagrada pela Polícia Federal, Ibama, Força Nacional e o Ministério Público Federal (MPF) na quarta-feira (14) em quatro estados brasileiros e no Distrito Federal.
A operação investiga possíveis conexões de grileiros de terras no Pará com servidores públicos do órgão indigenista “com o propósito de comercializar terras públicas destinadas à proteção de índios isolados”, de acordo com texto do MPF distribuído à imprensa na manhã de quarta-feira.
Foram cumpridos 16 mandados de busca e apreensão. A sede da Funai, em Brasília, e a casa do coordenador estão entre os alvos da operação. Policiais estiveram no andar onde está localizada a diretoria de proteção territorial do órgão. Foram apreendidos documentos, computadores, celulares e pen drives. O material será analisado pela PF, para fortalecer a investigação.
O cargo de Katukina é considerado de alto escalão na Funai e já foi ocupado pelo indigenista Bruno Pereira, morto no Vale do Javari no Amazonas, em junho.
Conforme o jornal, a operação da PF tem como origem um inquérito criminal aberto sobre grilagem advocacia administrativa na TI Ituna-Itatá, onde agentes trabalham na retirada de invasores. Maquinários utilizados nas atividades criminosas e alojamentos clandestinos usados foram destruídos pelos agentes.
Um dos grandes alvos da investigação é o fazendeiro de Tocantins Jassonio Costa Leite, que já foi multado inúmeras vezes pelo Ibama em mais de R$ 105 milhões e frequenta gabinete de políticos e autoridades em Brasília. Em julho do ano passado, ele foi incluído em outra operação da PF, a Sesmarias.
Leite frequenta gabinetes no Congresso Nacional e é apoiador do presidente Jair Bolsonaro. Segundo o Estadão, o indivíduo já teve várias conversas com o chefe do Executivo em suas paradas matinais no “cercadinho” do Palácio do Alvorada, local onde o presidente costumava se reunir com seus apoiadores antes de ser derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva na tentativa de se reeleger para o cargo.
O empresário, segundo o Ibama, lideraria um grupo formado para invadir terras indígenas, fazer loteamento e vender as áreas dentro do território protegido. Jassonio, informa o jornal, foi um dos principais responsáveis pelo processo de grilagem da terra indígena Ituna-Itatá, em Senador José Porfírio (PA).
As áreas seguem com portaria de restrição do uso desde 2011, após licenciamento da usina hidrelétrica de Belo Monte. Os investigados são alvos nos estados do Pará, Bahia, Minas Gerais, Tocantins e DF. Com participação de 70 policiais federais, já foram cumpridos 10 mandados em Altamira, 3 em Brasília, 1 no Tocantins, 1 na Bahia e 1 em Minas Gerais nesta quarta-feira.
Em Altamira, um dos suspeitos, investigado por grilagem, foi preso em flagrante por armazenar no celular pornografia infantil. Também nessa mesma cidade foram apreendidas duas armas: uma, sem registro, não gerou prisão pois não havia ninguém no imóvel; outra arma tinha registro, mas estava vencido e o dono vai responder em liberdade pela irregularidade administrativa.
A ação, denominada Avarus, palavra em latim que faz referência à ganância da organização criminosa, terá continuidade.
O procurador da República Gilberto Naves, que atua na operação, não revelou nome de investigados, mas informou que “um funcionário do alto escalão, com poder de decisão, dificultava o processo das portarias que mantém a proteção dos indígenas isolados na Terra Indígena Ituna-Itatá”.
Katukina é investigado por suspeita de tentar atrapalhar o processo das portarias que mantém o uso restrito do território a fim eliminar obstáculos e assim de facilitar a invasão da TI, que é considerada uma das mais invadidas e desmatadas do Brasil.
Questionada, a Funai disse, em nota, que “não comenta investigações em curso e está à disposição para colaborar com o trabalho das autoridades policiais”. “A Fundação também reitera que tem sua atuação pautada na legalidade, segurança jurídica e promoção da autonomia dos indígenas”, alega.
Já Katukina ainda não se manifestou. O coordenador de índios isolados é acusado por indigenistas de ter ignorado evidências coletadas em campo sobre a provável existência de um grupo ainda não contactado dentro da terra indígena Ituna-Itatá, no sul do Pará, colocando em risco a proteção da área e facilitando a invasão de madeireiros e garimpeiros.
A operação “Avarus” investiga fazendeiros e servidores públicos que comercializavam terras sob proteção. Os agentes destruíram um acampamento com mais de 60 buracos e removeram equipamentos utilizados para desmatar.
No total, a PF cumpriu 16 mandados no dia de ontem para investigar crimes ligados a desmatamento e grilagem de terras na Terra Indígena Ituna-Itatá, no sudeste do Pará.
Desde 2018, a terra indígena Ituna-Itatá passou a ser alvo com maior frequência da ação predatória de madeireiros e criadores de gado, de acordo com a PF. Essa cobiça chamou a atenção de organizações não governamentais nacionais e internacionais. Existe busca por autorização para explorar a área, porém, desde 2011 o local tem interdição de exploração.
Estudos e análises de impacto ambiental constataram que povos isolados da região sofreriam risco concreto de genocídio desde a chegada da obra de Belo Monte. A portaria proíbe o acesso às áreas de pessoas sem autorização pela Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC).
ITUNA-ITATÁ
A PF aponta que, “boa parte do desmatamento (na TI Ituna-Itatá) é resultado da extração de ouro, feita com máquinas pesadas como balsas, dragas, pás carregadeiras e escavadeiras hidráulicas, equipamentos que deixam rastro de destruição”.
O Inpe registrou, entre 2018 e 2019, que a TI Ituna-Itatá teve 119,92 km² desmatados e é a terra de indígenas isolados alvo de maior grilagem o Brasil. Segundo dados do Prodes, programa que realiza o monitoramento por satélite do desmatamento, em 2019 a TI Ituna Itatá foi a terra indígena mais desmatada em todo o Brasil.
Em 2013, 2016 e 2019 a portaria de restrição que protege o território foi renovada, mas o MPF apontou na ação que a Funai manifestou tosos os indicativos de que não tinha mais a intenção de fazer a renovação.
Em entrevista à Folha, Bruno Pereira havia alertado que esse é um dos territórios de isolados que são alvo “de interesses fundiários e minerários monstruosos”. O indigenista também ressaltou que “são terras relativamente grandes e que valem milhões e milhões de reais”. A entrevista foi publicada, em 18 de junho, após sua morte.
Em 2021, a Funai enviou uma expedição para confirmar a presença dos isolados dentro da TI. Com base nas informações encontradas em campo, um relatório foi elaborado pela equipe responsável recomendando que fosse mantida a restrição de uso.
“(…) apesar do substancioso relatório produzido e da gravidade da situação que envolve a TI Ituna-Itatá, a presidência da Funai deixou transcorrer o prazo de vigência da Portaria 17/2019 sem justificar o motivo pelo qual resolveu desconsiderar a análise técnica e tomar posição diversa daquela sugerida”, registrou o juiz federal na decisão.
Documentos obtidos pela Repórter Brasil demonstram que Katukina emitiu um parecer contestando indícios coletados por servidores da Funai da existência do “povo nº 110 – Igarapé Ipiaçava” na terra indígena Ituna Itatá, cuja portaria de interdição temporária venceria em janeiro deste ano.