Procuradoria apresentou parecer em ação de 3 partidos na Corte. Para as siglas, a regra viola princípios constitucionais de dignidade da pessoa humana, democracia e cidadania
A Procuradoria-Geral da República (PGR) defendeu, na sexta-feira (6), que o Supremo Tribunal Federal (STF) anule a lei do Estado de São Paulo que deu o nome de Antonio Erasmo Dias a viaduto no interior do Estado.
Coronel da reserva do Exército, Dias atuou como secretário de Segurança Pública no período da Ditadura Militar. Foi responsável pela invasão do campus da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), em 1977. Os estudantes faziam um ato público pela reorganização da UNE (União Nacional dos Estudantes). Tropas invadiram o campus Monte Alegre, em Perdizes, para agredir e prender alunos, professores e funcionários.
854 pessoas foram detidas e levadas ao Batalhão Tobias de Aguiar. Delas, 90 foram fichadas no Deops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo) e 42 acabaram processadas com base na Lei de Segurança Nacional. 134 pessoas foram consideradas culpadas por subversão.
Erasmo Dias apregoou em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, em 2005, que a tortura é justificável e defendeu a versão da ditadura de que o jornalista Vladimir Herzog, assassinado pelos militares nas dependências do DOI-Codi, cometeu suicídio.
Em uma entrevista publicada após sua morte, ele confessou que sabia que o caso Rota 66, em que estudantes foram confundidos com criminosos e metralhados por policiais, em 1975, tratou-se de uma armação. Os PMs plantaram armas e drogas no carro das vítimas para forjar um confronto que não ocorreu.
Segundo a PGR, “qualquer ato estatal que, de forma explícita ou velada, enalteça o autoritarismo é contrário à própria gênese do regime democrático e merece o mais veemente repúdio”.
A PGR apresentou parecer assinado pela procuradora-geral Elizeta Ramos em ação que questiona a norma, apresentada por 3 partidos e o Centro Acadêmico 22 de agosto, ligado à PUC-SP.
MÉRITO DA AÇÃO
Apesar de considerar que o tipo de ação apresentado ao Supremo não é a via processual adequada para discutir a questão, a Procuradoria concluiu que, no mérito (analisando o conteúdo), o pedido dos autores deve ser atendido.
“Refoge do campo da discricionariedade política lei ou ato normativo que, direta ou indiretamente, atente frontalmente contra o valor da democracia ao enaltecer, mesmo que simbolicamente, o regime totalitário”, declarou.
A PGR diz que “é incontrastável que a trajetória de vida da personalidade homenageada com a designação de seu nome a via pública, historicamente ligada a atos antidemocráticos praticados na vigência da ditadura militar no Brasil, significa perenizar a memória de momento tormentoso da história brasileira e, em consequência disso, enaltecer, mesmo que de forma simbólica, o autoritarismo. E democracia não convive com autoritarismo!”.
HISTÓRICO
A lei foi sancionada pelo vice-governador do Estado, Felício Ramuth (PSD).
Na sequência, PT, PSol e PDT acionaram a Corte, com pedido de invalidação da norma. Para as siglas, a regra viola princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da democracia e da cidadania, além da dignidade de vítimas do período.
“Ao homenagear Antonio Erasmo Dias, um dos mais emblemáticos agentes das violações aos direitos fundamentais perpetradas durante a ditadura militar, a Lei paulista prestigia as investidas das novas formas de autoritarismo, pois inocula no sistema de Direito positivo estadual atos de glorificação e de legitimação da ditadura militar que, por duas décadas, assolou o Brasil (1964 a 1985), em afronta aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da democracia, da cidadania, que não só asseguram o direito à memória histórica e à verdade, como também resguardam a dignidade das vítimas”, na ação dos partidos.
“Não se trata de mera homenagem isoladamente considerada, mas de ato dotado de propósitos marcadamente sistêmicos de degradação e fragilização tanto do próprio pacto civilizatório quanto dos preceitos fundamentais da Constituição Federal. Mantendo-se incólume o ato normativo, viola-se o compromisso irrenunciável estabelecido pela Constituição para com os valores democráticos, os direitos fundamentais à memória histórica e à verdade, e a dignidade das vítimas”, entendem os partidos.
AGU
Em setembro, a AGU (Advocacia-Geral da União) havia defendido que o STF invalidasse a norma, por considerar que atos de homenagens na denominação de bens públicos devem ser compatíveis com os princípios estabelecidos na Constituição Federal – especialmente quanto à promoção e defesa do Estado Democrático de Direito.
O caso está sob análise da ministra Cármen Lúcia, relatora da ação.
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