
A ministra Cármen Lúcia proferiu seu voto pela condenação de todos os réus pelos crimes de Golpe de Estado; Abolição violenta do Estado Democrático de Direito; Organização criminosa; Dano qualificado contra patrimônio da União e Deterioração de patrimônio tombado
Com o voto de Cármen Lúcia, a 1ª Turma do STF formou maioria para condenar Bolsonaro e outros sete réus por todos os crimes dos quais foram acusados pela PGR na trama golpista. O placar chegou a 3 votos a 1. Os crimes atribuídos foram: Golpe de Estado; Abolição violenta do Estado Democrático de Direito; Organização criminosa; Dano qualificado contra patrimônio da União e Deterioração de patrimônio tombado. Ela apontou Jair Bolsonaro como líder da organização criminosa.
Cármen Lúcia disse que foi comprovado pela PGR que Bolsonaro praticou os crimes imputados a ele na condição de líder da organização criminosa, como propagação, instrumentalização do estado, cooptação de militares, planejamento de atos de neutralização, instigação das manifestações. “O que mais se alega é que não há formalmente assinatura. Até onde a gente tem algum conhecimento da história, realmente passar recibo no cartório não é exatamente o que acontece nesses casos. Ele não foi tragado, ele é o causador, o líder da organização”, afirmou.
A ministra argumentou que os atos levados a cabo pela organização criminosa não foram um acontecimento banal. “O 8 de janeiro de 2023 não foi um acontecimento banal, depois de um almoço de domingo, quando as pessoas saíram para passear. O inédito e infame conjunto de acontecimentos havidos ao longo de um ano e meio para inflar, instigar por práticas variadas de crimes, quando haveria de ter uma resposta no direito penal”, afirmou.
“Todos os empreendimentos que espalham os seus tentáculos de objetivos autoritários são ações plurais, pensadas, executadas com racionalidade, na busca da finalidade específica”, disse ainda a ministra. “A democracia brasileira não se abalou. Os prédios foram reconstruídos. A hora é de julgamento. O Estado Democrático brasileiro que se aperfeiçoa porque o Brasil é um país e somente com a democracia um país vale a pena”, prosseguiu a ministra.
Ela rebateu a ideia de que houve pouco tempo para a atuação da defesa dos réus. “Dois anos e oito meses depois daquelas práticas, seguindo os termos da legislação vigente, cumprindo o papel constitucional que nos é incumbido, essa ação penal tem julgamento”, argumentou. A ministra avaliou que não houve comprovação de prejuízo por parte dos advogados. “De tudo que se tem apresentado, não consta nenhum prejuízo”. Ela rejeitou.
Cármen lembrou o caso do Mensalão: “Um processo com 39 réus, o alongamento do prazo era esse mesmo”. Afirmou ainda que o STF não tinha a tecnologia que se tem hoje. “Não dá para ficar comparando ao alongado de antes.”
A ministra rejeitou preliminares de parcialidade e suspeição, nos termos do que já tinha sido decidido do plenário. Ressaltou que, no plenário, o que se vota geralmente é aplicado na Turma, ressalvando entendimentos. “Sempre entendi que a competência é do Supremo Tribunal Federal. Não há nada de novo pra mim”, disse Cármen Lúcia.
“Muito se falam sobre o acesso às provas, ‘foi rápido demais esse julgamento’. (…) Algo de tamanha gravidade, que atinge o coração da República, era preciso que se desse preferência, por isso os julgamentos estão acontecendo. Não dá para comparar um mundo diante do mundo de agora”, argumentou. Cármen Lúcia também rejeitou a preliminar sobre a anulação do acordo de delação premiada de Mauro Cid. “O argumento principal foi de que não teria havido voluntariade. O colaborador foi, voltou, afirmou. Não há nada que possa afirmar isso”, disse.
Sobre o crime de organização criminosa, a ministra disse que a PGR tem a “prova cabal” de que o grupo implementou um plano de ataque às instituições democráticas. Em seguida, reforçou a lisura do sistema de votação brasileiro e os ataques feitos à segurança e transparência. “Até mesmo a forma de divulgar, que a urna não era crível, o que nunca foi questionado antes. Nós nunca cogitamos aplicar ao povo uma novidade na urna”.
“Tudo que se inventa a respeito de algo é para plantar uma desconfiança. Nunca é um ato isoladamente tomado, ele é fácil de ser considerado de menor importância. Por exemplo, uma organização criminosa que pratica uma série de crimes. Quando um traficante faz um sequestro, e tem uma pessoa que leva a comida… nós colocamos essas pessoas todas porque elas atuam de forma direta ou indireta, de forma imediata. Isso é a ideia de organizar, isso é o conceito de uma organização criminosa”, afirmou a ministra.
Relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes pediu a palavra e disse que o 8 de janeiro “não foi um domingo no parque, um passeio na Disney. Não foi combustão espontânea, não foram baderneiros descoordenados. Foi uma organização criminosa e, obviamente, se nós pegarmos um fato isolado – a reunião dos kids pretos – ‘eles não podem se reunir’? A questão é o desencadeamento de tudo”. Cármen Lúcia diz que o STF não está julgando instituições.
Moraes disse que está sendo julgada uma organização criminosa que “tentou simplesmente se apoderar do Estado”. Moraes afirmou, ainda: “Essa organização fortemente armada – e já foi reconhecido aqui, já há maioria pela condenação de dois réus, o coronel Mauro Cid e o general Braga Netto, em virtude do Punhal Verde e Amarelo e operação Copa 2022…Essa organização criminosa queria calar o Judiciário e ao mesmo tempo se perpetuar no poder”.
“Se, para isso, precisasse matar um ministro, um presidente, são crimes indeterminados, crimes para chegar ao seu objetivo. Está fartamente comprovado que a liderança criminosa, além dessa grave violência, armamento pesado, forças especiais… as forças especiais acabaram ficando com o estigma, em virtude de alguns componentes que atravessaram o rubicão para práticas delituosas. Mas elas são importantes para o Exército. Agora, quem bolou todo esse discurso… quem executou tudo foi o próprio líder, Jair Messias Bolsonaro”, afirmou Moraes.
Moraes exibu um vídeo de Bolsonaro discursando em manifestação na Avenida Paulista. O ex-presidente ataca ministros do STF. O ministro diz: “Se isso não é grave ameaça…”.
Após mostrar o vídeo de Bolsonaro, Moraes afirmou que a decisão dos ministros vale para todos os tribunais, todos os juízes: “Algum de nós permitiria, falaria que é liberdade de expressão, se o prefeito insuflar o povo contra o juiz da comarca? Qual recado queremos deixar para o Poder Judiciário brasileiro?”
Moraes mostrou, ainda, imagens do 8 de janeiro e afirmou: “Aqui não está Mauro Cid, presidente. Não está Braga Netto, não está Garnier, presidente. Não está Ramagem. Aqui não está os demais réus, aqui está o líder da organização criminosa, que insuflava”. O ministro mostrou o homem do relógio, com a camisa de Bolsonaro. Depois, brinca novamente com Cármen: “Obrigado e prometo que não falo mais nada”.
Carmém Lúcia retomou, então, seu voto para condenar os réus por organização criminosa. Ela considerou que não há unificação de crimes contra a democracia. “O panorama fático está demonstrado, está comprovada a violência e a grave ameaça”, afirmou a ministra. “Pra mim, há prova da presença de conluio entre essas pessoas, no sentido de uma organização que se integra, com a liderança do Jair Messias Bolsonaro”. “Eu considero que se caracteriza a prática desses crimes, como também a dizer dos crimes de dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado”, declarou.
O ministro Cristiano Zanin votou pela condenação dos oito réus em julgamento no Supremo Tribunal Federal se alinhando à maioria. Ele afirmou reconhecer integralmente as acusações da PGR. Ao detalhar seu voto sobre Bolsonaro, Zanin diz que o ex-presidente acusou ministros do Supremo de receber milhões e fez ataques às urnas.
“Inquirido, disse não ter indício nenhum, era desabafo. Incitou publicamente a população a agir contra as instituições. Deu aval para que atos violentos fossem planejados. Houve processo de manipulação do sentimento popular que não pode ser ignorado”, afirmou o ministro.
“O ex-presidente estava ciente de todas as ações dos demais. Perante integrantes do grupo, era considerado o líder a ser seguido. A atuação não se conteve aos discursos. Procurou postergar relatório das forças armadas sobre urnas. Reuniões com comandantes das forças armadas para apoio a ruptura”, acrescentou o presidente da Primeira Turma.