Após 9 horas de discussões, manobras da mesa e muito tumulto, o governo, desrespeitando a Constituição e o Regimento Interno da Câmara, aprovou, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, com 48 votos a favor e 18 contra, a admissibilidade do projeto de desmonte da Previdência Social.
A proposta de Guedes e Bolsonaro foi votada sem que o governo tornasse públicos para a sociedade e para os deputados os números nos quais teria se baseado para elaborar a proposta. Os deputados contestaram, mas o governo não respeitou o pedido para que só se votasse na CCJ com os dados liberados.
A oposição denunciou que os dados sobre a Previdência estavam – e estão – sendo mantidos em sigilo pelo governo para esconder que os mais afetados com a pretendida retirada de R$ 1 trilhão da Previdência em dez anos, anunciada por Guedes, será a população mais pobre.
Até o vice-líder do governo, Darcísio Perondi (MDB-RS), ao tentar defender o governo, acabou confessando que é dos mais pobres mesmo que vai sair a maior parte desse R$ 1 trilhão que o governo quer desviar da Previdência.
Perondi quis explicar que o valor maior será retirado do Regime Geral da Previdência “porque o número de pobres é muito alto”. Mas, disse ele, “se for ver na perda per capita, o valor será menor entre os pobres”. Houve risos na plateia. A oposição ironicamente aplaudiu o deputado pelo fato dele ter confessado que o grosso dos recursos sairá mesmo dos pobres.
A divulgação dos dados não foi feita, segundo Paulo Guedes, porque poderia “afetar o mercado”. Como disse um deputado, “quando os dados vierem a público, a casa do governo vai cair”. Realmente cairá por terra, primeiro a veracidade do ‘rombo’ na Previdência que eles tanto alardeiam e, segundo, a demagogia de que a proposta de desmonte da Previdência visaria “combater privilégios”.
Alguns governistas inventaram que os dados já eram públicos. Isso pelo fato da oposição ter denunciado que os pobres serão os mais afetados. Se não fosse sigiloso, de onde eles tiraram isso?, indagaram. O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição, explicou a eles que estes não são os dados que o governo está escondendo. “Os dados que nós analisamos são os números iniciais apresentados por Guedes na CCJ. Aqui já dá para ver quem vai sair prejudicado”, disse.
“Esses números iniciais já mostram claramente que mais de 70% do valor que será desviado aos bancos sairá do Regime Geral da Previdência, ou seja, do setor onde a ampla maioria dos aposentados recebe um salário mínimo”, denunciou. “Só pode ser para esconder da população esse roubo dos mais pobres que eles estão mantendo estes dados em sigilo”, destacou o parlamentar.
Durante toda a sessão, a oposição usou os microfones para alertar quanto ao desrespeito e o grave atropelo que representa para o Poder Legislativo, e, particularmente, para a Comissão de Constituição e Justiça, ela ser obrigada a votar a admissibilidade de um projeto de mudança da Previdência Social, que prejudica a vida de milhões de pessoas, com os números que deveriam embasar e justificar a proposta sendo mantidos em sigilo pelo governo.
“É um desrespeito ao parlamento e à CCJ”, denunciaram os oradores da oposição. Diversos deputados fizeram esse alerta ao deputado Felipe Francischini (PSL-PR), presidente da CCJ e a Rodrigo Maia, que esteve presenta à sessão.
O líder do PSB, Tadeu Alencar, João Campos, também do PSB, Pompeu de Matos, do PDT, Rosinha Garotinho, do Pros, Aliel Machado, do PSB, Renildo Calheiros, do PCdoB, José Guimarães, do PT, Ivan Valente, do PSol, entre outros, se revezaram nas denúncias de que a proposta do governo, de prolongar o tempo necessário para a aposentadoria e de implantar o sistema de capitalização na Previdência, visam prejudicar os trabalhadores.
O PCdoB, PSB, PDT, PT, Rede e PSOL, utilizando o artigo 114 da Constituição, que determina que qualquer proposta que represente impacto no orçamento deve apontar a fonte e a destinação dos recursos, recolheram 110 assinaturas (a exigência mínima para isso é de 105) para travar a tramitação da PEC por até 20 dias até que os dados fossem apresentados pelo governo. Assinaturas foram questionadas pela mesa e, mesmo depois de reconhecidas, foram ignoradas pelo presidente da CCJ.
“Estamos fazendo uma votação fora dos mandamentos constitucionais. Temos na Casa um instrumento constitucional que foi desrespeitado. É muita pressa para levar o povo à indigência. É um absurdo que se vote desrespeitando a Constituição”, criticou a líder da Minoria, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
Segundo o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), “ao violar o texto constitucional, o presidente da CCJ só deixou um caminho à oposição: o protocolo de uma Ação Direta de Constitucionalidade”. “Nossa Constituição foi violada”, denunciou.
O relator da proposta, Delegado Marcelo Freitas (PSL-MG), cedeu em alguns pontos totalmente secundários. Esta manobra, além das promessas palacianas, conseguiram atrair, momentaneamente, alguns parlamentares do chamado Centrão para aprovar a admissibilidade da proposta.
Mesmo assim, líderes de alguns partidos foram obrigados a trocar seus membros na CCJ por conta da insatisfação que o atropelo do governo provocou entre os parlamentares. Cinco deputados foram trocados por PTB, Solidariedade, PR e PSD.
Freitas alterou o trecho que tratava do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço a aposentados. A proposta retirava a obrigatoriedade de recolhimento de FGTS do trabalhador que já for aposentado e do pagamento da multa de 40% na rescisão contratual em caso de demissão.
Outro trecho alterado foi a competência da Justiça Federal para ações contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Pela proposta, as ações contra a União poderiam ser feitas apenas nas seções judiciárias em que o autor tivesse domicílio ou que houvesse ocorrido “ato ou fato” que tivesse dado origem à tal demanda. Com a retirada desse item, as ações contra a União continuam podendo ser feitas na Justiça Federal, com foro no DF.
O relator também retirou a definição de aposentadoria compulsória da Constituição, transferindo mudanças para lei complementar. O dispositivo permitiria definir a idade máxima para aposentadoria compulsória dos servidores públicos por meio de lei complementar. A brecha facilitaria uma mudança na composição do Supremo Tribunal Federal (STF) pretendida pelo governo.
Agora será instalada uma comissão especial para debater o mérito da PEC 6/2019. A comissão terá um prazo de 40 sessões para votar o relatório. Só depois a proposta segue para o plenário da Câmara, onde precisará de, no mínimo, 308 votos em dois turnos.
Se for aprovada na Câmara, a PEC segue para o Senado, onde passará pela CCJ e depois seguirá para o Plenário para ser votada em dois turnos. Serão necessários 49 votos favoráveis, de um total de 81 senadores para aprovar a proposta.