Diz o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre educação, que o Brasil despende o equivalente a 4,2% (na verdade, ligeiramente menos) do Produto Interno Bruto (PIB) com a Educação.
Alguma intelijumência foi dizer a um colega, um certo Bolsonaro, que os países ricos só gastavam, em média, 3,2% do PIB em Educação. Foi o quanto bastou para que ele se esponjasse: “o Brasil gasta mais em educação em relação ao PIB que a média de países desenvolvidos” (v. HP 05/03/2018, Bolsonaro diz que Educação recebe dinheiro demais no Brasil).
O que não é verdade, segundo o próprio relatório da OCDE:
“Em 2016, os países da OCDE destinaram em média 5% de seu PIB ao financiamento de seus estabelecimentos de ensino, do ensino primário ao ensino terciário” (cf. OCDE, “Regards sur l’éducation”, p. 306 e p. 308, com tabela na página 315).
Por exemplo:
Despesas totais em Educação como percentagem do PIB (2016):
EUA: 6%.
Inglaterra: 6,2%.
França: 5,2%.
Bélgica: 5,8%.
Alemanha: 4,2%.
Japão: 4%.
Noruega: 6,5%.
Holanda: 5,2%.
Suécia: 5,4% (cf. OCDE, “Regards sur l’éducation”, p. 316).
Notemos que, além dos chamados países desenvolvidos, fazem parte da OCDE alguns países em que houve uma devastação educacional nos últimos 20 anos (Eslováquia, República Tcheca, Lituânia, México, e, inclusive, a Itália), o que faz com que a média seja puxada para baixo.
Mesmo assim, ela (5% do PIB) é maior que a percentagem atribuída pela OCDE ao Brasil.
Bolsonaro, evidentemente, não tem a menor ideia do que diz – exceto que seu objetivo, ao dizê-lo, é estrangular a Educação.
EDUCAÇÃO PÚBLICA
Além disso, no Brasil existe uma meta, quanto aos gastos com Educação em termos de PIB, aprovada pelo Congresso – ou seja, existe uma lei que estabelece, como meta, atingir 7% do PIB em 2019 e 10% do PIB até 2024 (Lei nº 13.005/2014, conhecida como Plano Nacional de Educação ou PNE).
Portanto, o que Bolsonaro está dizendo é que pretende passar por cima da lei, pois até 4,2% do PIB ele considera gasto excessivo com Educação. Se os países “desenvolvidos” gastam menos, por que o Brasil gastaria mais?
Mesmo se fosse verdade (e, como vimos, não é), nem por isso haveria justificativa para não ampliar – ou, pior ainda, cortar – o que já se está gastando com Educação. Certamente, para passar a ser desenvolvido, é óbvio que os países da periferia do capitalismo – como é o caso do Brasil – precisam gastar mais em Educação. Exatamente para superar o atraso em relação a outros países.
Não estamos aqui, como adiante faremos, nos referindo a que o PIB desses países é muito maior que o do Brasil – o que faz com que a percentagem, em termos de PIB, dos gastos em Educação, tenha que ser maior.
Mas, como o “programa” de Bolsonaro é tornar o Brasil mais atrasado, mais dependente da metrópole imperialista, mais periférico do que hoje já é – e mais burro -, 4,2% do PIB em Educação, para ele, é um desperdício.
Parece, certamente, ao leitor de bom senso, um absurdo.
Porém, leitor, é pior.
O número citado pela OCDE corresponde a todo o gasto com Educação – gasto público e gasto privado – do país.
A meta do PNE, aprovada depois de uma batalha tremenda contra o governo Dilma e o PT (ao qual pertenciam o relator do PNE no Senado, José Pimentel, e o relator na Câmara, Ângelo Vanhoni), é referente ao investimento público em educação pública.
O choque do movimento popular – especialmente dos estudantes e educadores – com o governo Dilma e o PT foi, precisamente, porque eles tentaram fazer com que essa meta incluísse recursos públicos passados às instituições privadas – que, além de privadas, no Brasil, sobretudo as universitárias, são, em boa parte, estrangeiras.
Somente para relembrar:
“… no dia 20 de dezembro de 2010, o então ministro da Educação, Fernando Haddad, enviou à Câmara esse projeto [o do PNE], com a seguinte redação, quanto ao financiamento da educação:
“Meta 20: Ampliar progressivamente o investimento público em educação até atingir, no mínimo, o patamar de 7% do produto interno bruto do país.
“Depois de dois anos de discussão, inclusive numa comissão especial constituída para apreciar o projeto, os deputados aprovaram o seguinte texto:
“Meta 20: ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto – PIB do País no 5º (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio.
(…)
“Em suma, a modificação feita na Câmara significa que, para fins de cumprimento das metas do PNE, só é considerado ‘investimento público’ em educação os recursos investidos na educação pública” (v. HP 06/06/2013, Rescaldos do Congresso da UNE: PNE, investimento público e privatizações).
A aprovação desse texto na Câmara mereceu o qualificativo de “absurdo” pelo então ministro da Educação, Aloísio Mercadante, e “gracinha”, pela ministra Ideli Salvatti, apoiada pela presidenta Dilma Rousseff (cf. Plano Nacional da Educação, o Brasil já tem sua lição de casa, Brasil de Fato 08/07/2014).
Em outubro de 2012, o projeto do PNE foi para o Senado, onde o relator, José Pimentel (PT-CE), suprimiu a palavra “pública”, após a palavra “educação” – ou seja, restaurou a essência do projeto de Haddad, o que foi aprovado (v. HP 20/12/2013, PNE aprovado no Senado diminui recurso para a educação pública, dizem entidades).
Porém, por ter sido modificado no Senado, o projeto voltou para a Câmara. Lá, o relator, Ângelo Vanhoni (PT-PR), tentou manter o favorecimento de recursos públicos para instituições privadas na meta do PNE (v. HP 25/03/2014, PNE: relatório de Vanhoni tira verbas da educação pública, HP 27/03/2014, Estudantes e entidades denunciam manobra de relator no texto do PNE, HP 04/04/2014, Relator mantém no PNE o desvio de verba pública para iniciativa privada).
O governo, na iminência de ser derrotado na Câmara, acabou recuando – e até mesmo fez uma indevida festa eleitoreira com a aprovação do PNE, como se não tivesse constituído no principal obstáculo à aprovação do texto final (v. HP 04/07/2014, O governo pode comemorar teor do PNE ou não?).
FAVORECIMENTO
Voltemos ao relatório da OCDE.
Se todos os gastos em Educação no Brasil, públicos e privados, fossem equivalentes a 4,2% do PIB – o PIB de 2016, pois todos os dados, no relatório da OCDE, são de 2016 – isso significaria que estamos muito longe das metas do PNE, que previam (e preveem) 7% do PIB, em investimento público na educação pública, em 2019, isto é, no ano passado.
Assim, consultamos os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), do Ministério da Educação (MEC), que faz um monitoramento periódico das metas do PNE.
O gráfico abaixo pertence ao primeiro relatório de monitoramento do PNE (“Relatório do 1º Ciclo de Monitoramento das Metas do PNE”):
Se, em 2014, o investimento (nesse caso, utilizado como sinônimo de “gasto”) em Educação foi 6% do PIB, terá caído tanto, a ponto de chegar, dois anos depois, a 4,2%?
A verdade é que, em 2014, o investimento direto em educação já estava em queda – de 5,1% para 5%, o que não é pouca coisa, considerando que a meta era atingir 7% do PIB em 2019. Obviamente, não se atinge uma meta recuando em relação a ela.
Mas, aqui, é necessário explicar a diferença entre “investimento público total em educação pública” e “investimento público direto em educação pública”.
Segundo o INEP, investimento público direto em educação pública “representa a soma de todos os recursos aplicados pelo setor público (União, estados e municípios) em educação”.
Quanto ao investimento público total em educação pública, “engloba, além do investimento público direto, a complementação à aposentadoria futura dos profissionais da educação, os recursos destinados a bolsas de estudos e ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e as transferências ao setor privado”.
Ou seja, este último engloba o favorecimento a instituições privadas de ensino – que, obviamente, não são educação pública -, assim como o pagamento dos professores e funcionários aposentados – o que não é, apesar de várias tentativas de vários governos, gasto com Educação.
Trata-se, portanto, de um indicador artificialmente inflado, apesar de ser o principal indicador no primeiro relatório de monitoramento.
No entanto, não se pode culpar os técnicos do INEP por isso.
O problema é que o governo Dilma, apesar de derrotado quanto à formulação da meta de gastos na educação (“ampliar o investimento público em educação pública”), conseguiu passar o seguinte dispositivo, no PNE:
“Art. 5º § 4º O investimento público em educação a que se referem o inciso VI do art. 214 da Constituição Federal e a meta 20 do Anexo desta Lei engloba os recursos aplicados na forma do art. 212 da Constituição Federal e do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, bem como os recursos aplicados nos programas de expansão da educação profissional e superior, inclusive na forma de incentivo e isenção fiscal, as bolsas de estudos concedidas no Brasil e no exterior, os subsídios concedidos em programas de financiamento estudantil e o financiamento de creches, pré-escolas e de educação especial na forma do art. 213 da Constituição Federal” (grifo nosso).
Assim, os favorecimentos ao setor privado saíram por uma porta e voltaram pela janela, no cálculo da meta de ampliação do investimento público para educação pública.
Na época, isso foi denunciado – e fortemente. Por exemplo, o deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE), respondendo ao petista Artur Bruno (PT-CE):
“Vossa Excelência diz que ‘não tem como expandir a universidade pública então vamos dar dinheiro para o Fies’. Claro, quanto mais dinheiro der pro Fies, menos nós vamos expandir exclusivamente recursos para universidade pública.
“O Prouni é renúncia fiscal. Sabe quem é que presta conta do Prouni? Não é o orçamento do MEC, é o orçamento da Receita Federal, Gastos Tributários Indiretos (GTI), então é uma mentira, é uma vergonha se contestar aqui o nosso destaque, dizendo que nós queremos acabar com o Prouni garantindo que os recursos do PNE sejam exclusivos para instituições públicas.
“As desonerações fiscais favoráveis ao Prouni para este ano [2014] estão estimadas em R$ 604 milhões de reais na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Mas o maior gasto público se deu na abertura das torneiras para o Fies, que contabilizou em 2012 R$ 4,3 bilhões de reais de origem pública para a iniciativa privada. Eu não quero ver isso no meu país. A educação superior 80% privada e desses 80%, 90% na mão dos fundos financeiros internacionais” (v. HP 25/04/2014, “É inadmissível que os 10% do PIB financiem o setor privado”).
Naquele ano, os gastos da União com o Fies atingiriam R$ 12 bilhões e 132 milhões (cf. Renato de Sousa Porto Gilioli, Um balanço do Fies: desafios, perspectivas e metas do PNE, in Plano Nacional de Educação: olhares sobre o andamento das metas, org. Ana Valeska Amaral Gomes, Edições Câmara, 2017, p. 204).
INDICADORES
Entretanto, a distinção entre “investimento público total em educação pública” e “investimento público direto em educação pública” desaparece no segundo relatório de monitoramento do PNE (“Relatório do 2º Ciclo de Monitoramento das Metas do Plano Nacional de Educação”), publicado em 2018, mas referente a 2015.
Ao invés, são usados dois indicadores: o “gasto público em educação” (não apenas educação pública) e o “gasto público em educação pública”.
Explicitamente, esses dois indicadores são derivados da contradição entre a meta 20 do PNE (“ampliar o investimento público em educação pública”) e o quarto parágrafo do quinto artigo do mesmo PNE, pelo qual o investimento público em educação também “engloba” o dinheiro público passado para o ensino privado (subsídios do Fies, renúncias fiscais do Prouni, etc.).
Não se trata de uma mudança, apenas, dos nomes dos indicadores, ainda que exista alguma aproximação.
O gasto público em educação pública “é referenciado apenas em gastos diretos do Governo Federal, dos governos estaduais e do DF e dos governos municipais, provenientes de suas receitas líquidas de impostos e transferências. Portanto, esse indicador retrata despesas que configuram o esforço fiscal dos entes federados. O critério para a classificação de despesas como gastos públicos em educação pública foi a sua aplicação em manutenção e desenvolvimento do ensino, ou seja, em itens elencados no Art. 70 da Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, LDB), além dos gastos em programas suplementares de alimentação e saúde em instituições de ensino de categoria administrativa pública” (cf. rel. cit., p. 328).
Trata-se, portanto, de um indicador mais ou menos comparável ao “investimento público direto em educação pública” do primeiro relatório de monitoramento (v. acima), porque, dele, foram excluídos os subsídios federais ao Fies, as renúncias fiscais do Prouni e outras transferências ao setor privado dos governos federal, estaduais e municipais, que entram no outro indicador (“gasto público com educação”).
POR ALUNO
O notável, aqui, é que o gasto público com educação pública permaneceu estacionado em 5% do PIB, apesar deste último ter caído em 2015, o que poderia aumentar o percentual em cima de uma magnitude menor.
Mas isso não aconteceu. O que quer dizer que não apenas o PIB, mas também o gasto público em educação, caiu.
Entretanto, a reivindicação do movimento popular é chegar a 10% do PIB em gastos na Educação, meta aprovada, apesar das vicissitudes, pelo Congresso.
Além disso, quando Bolsonaro declarou que “o Brasil gasta mais em educação em relação ao PIB que a média de países desenvolvidos” (como se o PIB dos ‘países desenvolvidos’ fosse igual ao do Brasil), professores, estudantes, e outras pessoas com um mínimo de informação e inteligência, apontaram o que realmente importava: o investimento por aluno, no Brasil, é um dos menores, sobretudo considerando o tamanho, o nível de desenvolvimento já alcançado e as necessidades do país (v. HP 05/05/2019, Bolsonaro diz que Educação recebe dinheiro demais no Brasil).
Já tínhamos abordado essa questão, aliás, palmar para quem se meta a falar – ou a dar palpites – sobre Educação no Brasil (v. ASOL nº 3, outubro/2016, A pobreza da Educação x A Educação da pobreza).
Mas, naquela época, apesar de todos os problemas, não tínhamos, na Presidência, um anormal que, literalmente, não se peja de apresentar-se como inimigo da Educação – portanto, como representante e paladino (?!) da ignorância mais estúpida e reacionária.
Então, utilizamos o relatório de 2016 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre educação – intitulado “Education at a Glance”, ou, na versão francesa, “Regards sur L’éducation”.
O novo relatório da OCDE, de 2019, somente faz ressaltar a atividade criminosa de Bolsonaro e quadrilha contra a Educação, apesar dos dados, em relação ao investimento por aluno, serem, como já dissemos, de 2016.
Mas como ninguém foi capaz, até agora, de dizer que a situação melhorou de lá para cá, é possível chegar a algumas conclusões, algumas delas, óbvias, até mesmo porque o suposto projeto de Bolsonaro é piorar inclusive aquilo que já é ruim – aliás, sobretudo o que já é ruim, pois estas são, em geral, as coisas que dizem respeito ao bem estar (ou ao mal estar) do povo nos últimos tempos.
Resumamos alguns dados do relatório:
1) Investimento por aluno no Fundamental 1
– no Brasil: US$ 3.800.
– média dos países da OCDE: US$ 8.600.
2) Investimento por aluno no Fundamental 2
– no Brasil: US$ 3.700.
– média dos países da OCDE: US$ 10.200.
3) Investimento por aluno nos cursos médio e técnico
– no Brasil: US$ 4.100.
– média dos países da OCDE: US$ 10.000.
O dólar acima foi igualado pelo poder de compra. Portanto, a diferença nada tem a ver com a taxa de câmbio.
SUBFINANCIAMENTO
Agora, vejamos a seguinte tabela, do relatório da OCDE de 2019, na qual acrescentamos o Brasil, que não é membro da OCDE:
O que chama mais atenção é que, comparado aos países da OCDE, somente um, o México, em 2016, gastou menos com o ensino primário e secundário por aluno que o Brasil.
Sucessivos governos, como disse o presidente López Obrador, esculhambaram com a educação mexicana, em todos os níveis, a ponto de não se ter controle nem ao menos de quem está dando aula, entre os professores, e quem está apenas recebendo dinheiro para dar aulas. Ou seja, não se sabe, no conjunto do país, nem se as aulas existem – ou sobre quem é, realmente, professor. Trata-se de um caos – e um caos corrupto – que agora começou a ser enfrentado (v., p. ex., Ya no habrá maestros aviadores, vamos a mejorar educación: López Obrador).
Pois esse é o único país, entre os membros da OCDE, acima do qual está o Brasil, no investimento por aluno, quanto ao ensino não-universitário.
Porém, voltemos a Bolsonaro e à sua declaração. Ela é mentirosa, também, sob outro aspecto. Citemos literalmente, o relatório da OCDE:
“Nos países da OCDE, as despesas por aluno anuais em instituições de ensino representam, em média, 23% do produto interno bruto (PIB) per capita no ensino fundamental, médio e pós-secundário não superior. Elas são muito mais altas no ensino superior: os países investem em média 38% de seu PIB per capita para financiar cursos de ciclo curto, licenças, mestres e doutorados” (cf. OCDE, Regards sur L’éducation 2019, p. 291, grifos nossos).
A comparação, corretamente, é com o PIB per capita – o PIB por habitante, o PIB dividido pelo número de habitantes do país.
Se for certo que, em 2016, a parcela do PIB gasta com a Educação, no Brasil, foi 4,2%, isso quer dizer apenas que esse gasto caiu.
Quanto ao PIB per capita, o dos EUA é mais de seis vezes o do Brasil; a França, mais de quatro vezes; a Alemanha, cinco vezes; o Japão tem um PIB per capita que é 4 vezes e meia o do Brasil (cf. IPRI, Fundação Alexandre de Gusmão, MRE, Séries Temporais 2012-2022).
Portanto, é claro que para chegar perto desses países – em termos de investimento por aluno na educação – o gasto terá que ser, em termos de PIB ou de PIB per capita, bem maior que o deles.
DETERMINANTE
Tanto no ensino primário e secundário quanto no ensino universitário, o principal determinante dos gastos em Educação é o salário dos professores.
Não há como fugir à constatação de que quanto pior – mais baixo – for o salário dos professores, pior o ensino.
No caso do ensino universitário há outro componente importante: nos países da OCDE, em média, 30% dos gastos no ensino deste nível são em pesquisa e desenvolvimento (cf. OCDE, Regards sur l’éducation 2019, p. 290).
Nesse sentido, apesar de nosso gasto por aluno no ensino universitário não ser, como em outros níveis, indecente (condição a que Weintraub e Bolsonaro querem reduzi-lo), ele está abaixo da média (US$ 15.555,78) da OCDE (ver tabela acima).
A diferença de salários – e a necessidade da pesquisa – explica a diferença de gastos por aluno entre a educação primária e secundária e a universitária.
Mas não é essa a situação geral do Brasil: aqui, além das diferenças entre os professores de diversos níveis, houve outro elemento: é evidente que o salário dos professores do ensino primário e médio foram submetidos a um arrocho muito maior – e repetimos: muito maior – que o salário dos professores das universidades públicas.
Daí, a diferença de investimento por aluno nos vários níveis de ensino – ou, pelo menos, a sua principal determinante.
Antes que haja algum lamentável mal entendido: longe de nós a ideia de que os professores universitários, no Brasil, têm o salário que merecem. Apenas, o arrocho sobre o salário dos professores de outros níveis de ensino foi maior, muito maior.
PARCELA FEDERAL
Existe, aqui, uma ligação óbvia com o fato de que o ensino fundamental, no Brasil, está a cargo dos Estados e municípios.
Há, como veremos em seguida, uma desobrigação do governo federal, da União, em relação ao ensino fundamental, ao mesmo tempo que Estados e municípios têm a sua situação financeira agravada por isenções por atacado, regras fiscais que só têm o objetivo de secar seus cofres em prol dos bancos, etc.
Então, vejamos o subfinanciamento à Educação sob o ângulo da participação dos recursos federais, estaduais e municipais no gasto com educação.
O seguinte gráfico, referente ao ensino não-universitário, foi extraído do relatório da OCDE:
Por esse gráfico é possível sentir como, no Brasil, a parcela federal (faixa verde-clara) é pequena, em relação à parte municipal (verde-escura) e à parte estadual.
E que não nos apareça – embora nossa esperança seja pouca – quem diga que isso é muito bom porque nos EUA, na Suíça ou no Canadá é assim.
Acontece que nós não somos os EUA, a Suíça ou o Canadá. Aliás, a rigor, no gráfico, esses países são exceções.
Mais exato ainda do que isso são os números do Balanço do Setor Público Nacional, publicado pelo Tesouro Nacional.
Aqui, ao contrário do gráfico acima, estão incluídos os investimentos com o ensino universitário:
A média da União, nesses 17 anos (2002-2018), foi uma participação de 23%.
A dos Estados, de 40%.
A dos municípios, de 37%.
Com uma tendência ao crescimento da participação dos municípios – exatamente o nível mais desprovido de fontes de receita.
Essa é a situação na qual Bolsonaro acha excessivos os gastos com Educação. Naturalmente, para quem não tem educação, nem quer ter… O problema é que ele quer impedir os outros – isto é, o povo – de tê-la.
AO FINAL
Resta uma justa dedicatória.
Qualquer pessoa que já escreveu seriamente sobre alguma coisa – alguma coisa importante, pois é difícil exigir seriedade em questões que não têm importância – já passou pela situação de, após concluído um trabalho, ver-se na contingência de jogá-lo às traças ou coisa pior.
Uma quase tragédia desse tipo aconteceu com este texto, quando percebi que os números do relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre educação (“Education at a Glance”, ou, na versão francesa, “Regards sur l’éducation”), não batiam, ou não pareciam bater, com aqueles do INPE.
No entanto, quem poderia ter informado à OCDE sobre os números da Educação brasileira, senão o governo brasileiro, seja diretamente, seja através de seus documentos?
Assim, resolvi reescrever o artigo para, pelo menos, entender a confusão.
O resultado é que, devido à situação da Educação pública e às ameaças que pairam sobre ela, as discrepâncias quase não têm importância (a própria OCDE, na tabela C4.1 de seu relatório, fornece outro número sobre os gastos com Educação no Brasil: 5,6% do PIB).
Entretanto, estive perto de desistir de reescrever este artigo, devido à trabalheira que isso significaria – e, para ser franco, significou.
O que me fez ir em frente foi ver alguns jovens discutindo seriamente o assunto.
Um deles, Lucas Chen, é o atual presidente da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo (UMES).
Outro, Caio Guilherme, é ex-presidente da mesma entidade.
Além deles, vi outros com o mesmo afã: Vitória, Luca, Guilherme, Dolly (desculpe-me por não saber seu nome, só o apelido), que têm dividido comigo, também, o prazer de discussões literárias que eu já achava que haviam deixado de existir.
São, portanto, a prova (e viva!) de que o Brasil não ficará do jeito que está.
A eles, este artigo. Se lhes for útil, excelente. Se não, prometo não fazer como o finado Brás Cubas (“A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote, e adeus”).
C.L.