Onde o PSB teve 2,5 vezes mais votos que o PT
“Hegemonismo” de Lula resume-se a que todos devem se submeter a ele
O lançamento – ou a intenção de lançar, exposta na reunião do diretório nacional do PT – da deputada Marília Arraes como candidata a prefeita de Recife, dá bem uma ideia do “hegemonismo”, como alguns chamam, de Lula.
O que é esse “hegemonismo”?
Recife é capital de um Estado governado por Paulo Câmara, do Partido Socialista Brasileiro (PSB). A cidade é administrada por Geraldo Júlio, também do PSB.
Nas últimas eleições para deputado federal, em 2018, o PSB recebeu, em Recife, 213 mil e 305 votos.
O PT, apenas 82 mil e 564 votos.
A votação do PSB foi duas vezes e meia a do PT.
Nos votos na legenda – isto é, nos eleitores que preferiram votar no partido para deputado federal, ao invés de votar em um candidato -, o PSB teve 42 mil e 998 votos.
O PT, apenas 7 mil e 849 votos.
O PSB, portanto, teve mais de cinco vezes votos na legenda que o PT.
Lula sabe que o PSB, no momento, examina a candidatura do deputado João Campos, filho do falecido governador Eduardo Campos, para a Prefeitura de Recife.
Também sabe que a deputada Marília Arraes é prima do deputado João Campos.
O lançamento da deputada serviria para dividir, portanto, o eleitorado que levou à Prefeitura da principal cidade de Pernambuco as forças que se uniram em torno do saudoso governador Miguel Arraes.
É a herança política de Arraes que sairia prejudicada com essa divisão.
Porém, antes de tudo, Lula sabe que o PSB, em Pernambuco, apoiou o seu candidato, Fernando Haddad, nas eleições de 2018.
Mas, nada disso importa – deveres de amizade ou de lealdade não fazem parte do seu perfil.
Nem mesmo em uma situação na qual a democracia no país foi colocada em risco, com a eleição de Bolsonaro.
O “hegemonismo” de Lula resume-se a que todos devem estar a serviço da sua candidatura em 2022, isto é, na falta de respeito total por qualquer força democrática, por qualquer outro partido – a começar, como no caso do PSB, por aqueles que, recentemente, ajudaram Lula e o PT.
Todos devem se submeter aos interesses, não tanto do PT, mas de Lula – pois o PT, para Lula, é apenas um excipiente para si próprio.
Em abril, ainda em Curitiba, Lula declarara que o PT “é o único partido que existe nesse país. O resto é sigla de interesses eleitorais em momentos certos”.
Na sua concepção, ele é o PT. Portanto, os outros partidos somente têm o papel de se submeter a ele – e, para ser exato, servir como objeto de compra (pois não é outro o significado de “o resto é sigla de interesses eleitorais em momentos certos”).
Ressalta, em tudo isso, a irresponsabilidade para com o povo e o país, característica de quem antepõe a tudo o seu próprio interesse pessoal.
Como disse o presidente do PSB, Carlos Siqueira, vivemos um momento de “anormalidade democrática”. Temos na Presidência do país um fascista cujo objetivo é instaurar uma ditadura – e não estamos falando de nenhuma ditadura “civilizada”. Sobre isso, aliás, Lula não pode dizer que não foi avisado, pois o atual ocupante do Planalto jamais escondeu – e não esconde – sua preferência pela ditadura do AI-5, aquela que tingiu o país de sangue com prisões, assassinatos e tortura de democratas, além da censura de toda a imprensa e da estupidez por atacado (o então senador Paulo Brossard tem, entre suas obras mais memoráveis, um discurso sobre a proibição do balé do Teatro Bolshoi, de Moscou, de apresentar-se no Brasil, certamente porque “O Lago dos Cisnes” e “Coppélia” eram terríveis obras comunistas…).
Em um momento tão grave, tão difícil, é óbvio que a missão principal de quem é democrata, de quem se identifica com o povo e com o país, é impedir o avanço desse fascismo imbecil – quando não delirante e alucinado – que tem Bolsonaro por führer (cáspite!).
Trata-se do fascismo das milícias, do Escritório do Crime e da submissão absoluta a um desclassificado como Donald Trump.
Não é evidente que Bolsonaro não se interessa por formar nenhuma maioria parlamentar, ao contrário de qualquer governo, que, em geral, quer uma base sólida no Congresso?
Por que ele não se interessa por isso? Como ele pretende governar sem maioria parlamentar no Congresso?
Certamente, não é com o Congresso que ele pretende governar – aliás, é só olhar para o seu Ministério para perceber que nada de normal, isto é, nada de democrático, pode se esperar desse governo.
Por isso existe a necessidade de unir amplos setores na defesa da democracia.
A luta, até agora, tem sido árdua – mas, até agora, impedimos a ditadura dos milicianos de Bolsonaro.
Entretanto, Lula acha que isso não tem importância – e não estamos exagerando: veja-se o discurso da candidata que ele, outra vez, colocou na presidência do PT:
“Somos contra essa pauta liberal que está no Congresso, que retira direitos, destrói o Estado e privatiza. Essa é nossa pauta principal e em torno dela vamos fazer alianças. Agora, tem questões mais pontuais que outros setores podem se juntar a nós, por exemplo, a defesa da democracia.”
A defesa da democracia, portanto, é uma “questão pontual”, mais do que secundária.
Não é possível duvidar que a srª Gleisi Hoffmann expressou a opinião de Lula – e não apenas porque seria incapaz de dizer algo que fosse diferente.
A prova maior é que Lula está fazendo exatamente isso, em relação à democracia.
Compreende-se, aqui, o que ele quer dizer com “lançar candidatos em todas as cidades onde o partido avaliar que há boas condições ou bons nomes”.
Em Recife, onde o PSB superou, em número de votos, o PT, em mais de duas vezes? Em Recife, onde os votos na legenda do PSB foram mais de cinco vezes os do PT? Em Pernambuco, onde o PT somente elegeu um senador em coligação com o PSB?
O que impede o PT, numa situação em que Bolsonaro é uma ameaça ao país, ao povo, à democracia, de apoiar o candidato do PSB à Prefeitura de Recife?
Apenas Lula e sua pretensão – para usar uma palavra suave – de que não existe nada mais importante no país do ele mesmo ser presidente outra vez em 2022.
O problema é que, se depender de Lula, não existirão as eleições de 2022.
C.L.
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Realmente, dançou e levou o país junto para o buraco do neo-fascismo.